24 Mai 2012
“O BNDES privilegia grandes grupos econômicos privados de setores específicos, como o de energia, de mineração, de papel e celulose, petróleo e gás”, critica a pesquisadora.
Confira a entrevista.
“O BNDES mantém uma política intocável e inacessível”. É assim que Maíra Fainguelernt, integrante do Instituto Mais Democracia, define a atual postura do banco em relação às manifestações dos movimentos sociais e organizações que questionam o modelo de desenvolvimento e o incentivo do BNDES a obras que têm causado impactos ambientais e sociais no país. “A política de financiamento do banco não se responsabiliza pelas violações que grandes empreendimentos financiados pelo banco vêm acarretando. Queremos chamar a atenção para o caráter público do BNDES: ele é 100% estatal e, portanto, deve abrir o diálogo com a sociedade, ouvir os movimentos sociais, e se responsabilizar pelos financiamentos que concede”, assinala.
Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, Maíra destaca que os setores de infraestrutura, ligados ao Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, e os empreendimentos preparativos para receber a Copa do Mundo de 2014 são prioritários na agenda do banco. “Esse modelo de concentração tem implicações graves tanto na área ambiental quanto na área social. No caso do Rio de Janeiro, existem dois casos emblemáticos, como a obra superfaturada do Maracanã, que possivelmente será comprada pelo grupo EBX, do Eike Batista; e o corredor rodoviário de quase 40 quilômetros de extensão”, assegura.
Ela também comenta o conteúdo da carta elaborada pelos movimentos sociais e organizações do Rio de Janeiro no dia dois de maio, enviada ao BNDES neste mês. “Com esta carta e essa manifestação, pretendemos marcar e exigir transparência das políticas de financiamento do BNDES, pois se trata de um banco estatal, e a maior parte dos seus recursos provém do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, e de repasses do Tesouro Nacional”, afirma.
Maíra Fainguelernt é graduada em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, e mestre em Ciência Ambiental pela Universidade Federal Fluminense – UFF.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é o conteúdo da carta produzida pelos movimentos sociais no dia 2 de maio e que foi entregue ao BNDES?
Maíra Fainguelernt – Essa carta foi elaborada em conjunto na plenária de movimentos sociais e organizações do Rio de Janeiro, e teve um conteúdo específico, o qual foi elaborado no dia 1º de maio, dia do trabalhador. Protocolamos a carta no BNDES no dia 2 de maio de 2012. O título principal da nossa carta é Trabalhadores em Luta contra o capital e por justiça social e ambiental, que é um dos lemas da Cúpula dos Povos, evento paralelo à Rio+20, que irá acontecer em junho.
Com esta carta e essa manifestação, pretendemos marcar e exigir transparência das políticas de financiamento do BNDES, pois se trata de um banco estatal, e a maior parte dos seus recursos provém do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, e de repasses do Tesouro Nacional. Considerando o papel central que o BNDES vem tendo no desenvolvimento do país, resolvemos fazer o ato no dia 2 de maio para mobilizar a sociedade quanto a essa função de banco público, já que diversos financiamentos têm incentivado um modelo concentrador e predatório que vem sendo adotado em todo o país e no exterior.
Nesse sentido, a carta expressou demandas objetivas ao banco, tais como a imediata publicidade da totalidade da carteira dos projetos privados do BNDES informando sobre os critérios de aprovação das condições de financiamento, classificando o risco ambiental das obras, etc. No contexto dessa carta, tiveram também duas ou três questões importantes: a lei de acesso à informação que entrou em vigor, a Cúpula dos Povos e os 60 anos do BNDES, o que vai acontecer no dia 20 de junho de 2012, durante a Rio+20.
IHU On-Line – Quais são atualmente as principais obras financiadas pelo BNDES?
Maíra Fainguelernt – O BNDES financia diversos setores. Porém, eu ressaltaria o financiamento do banco na área de infraestrutura. Grande parte dessas obras está inserida no contexto do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, como grandes usinas hidrelétricas na Amazônia, que é o caso do Complexo do Rio Madeira, em Rondônia. Esse empreendimento conta com o apoio de 13 bilhões de reais do BNDES. Outro caso relevante é o da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. O BNDES já se comprometeu com 24 bilhões para a realização da obra. Para além desses financiamentos na área de infraestrutura e do setor de energia, destaco a Copa do Mundo de 2014, um megaevento. O BNDES está investindo na reforma e na construção de quase todos os estádios das doze cidades participantes, e numa única obra de mobilidade urbana, a rodovia Transcarioca, que vai ligar a Penha ao Aeroporto Internacional, no Rio de Janeiro.
Como o Maracanã, o banco já se comprometeu com 400 milhões, valor para a construção de qualquer estádio, ele está na expectativa máxima. O corredor da Transcarioca recebeu uma quantia maior, de 1,2 bilhões de reais. Essa também é uma obra superpolêmica, porque vem acarretando várias remoções compulsórias e irregularidades ambientais.
IHU On-Line – O Porto de Açu também é financiado pelo BNDES?
Maíra Fainguelernt – Sim. O Porto de Açu, no Rio de Janeiro, recebe 1,3 bilhões do BNDES e está no contexto de uma grande obra econômica e controvérsa. Inclusive no dia que realizamos o ato, chamamos atenção para a relação dos direitos humanos e o desrespeito à legislação brasileira, como é o caso do Porto de Açu. Esse é um empreendimento do Grupo EBX, do empresário Eike Batista, e recebe dinheiro do BNDES.
IHU On-Line – Qual é o perfil das empresas que recebem financiamentos do BNDES? Existe critério para sua seleção?
Maíra Fainguelernt – Não. O BNDES privilegia grandes grupos econômicos privados de setores específicos como o de energia, de mineração, de papel e celulose, petróleo e gás. Essas empresas que recebem financiamento reproduzem um padrão de altíssimo impacto ambiental, como é o caso das empreiteiras envolvidas nas obras que estão sendo construídas no país, como a Andrade Gutierrez, a Camargo Corrêa, a Queiroz Galvão, a Odebrecht. O BNDES ainda deixa muito a desejar em relação aos critérios sociais e ambientais.
IHU On-Line – Uma das reinvindicações dos movimentos sociais é a transparência do BNDES. O que dificulta esse processo? A instituição da lei n. 12.527 poderá contribuir para a divulgação dos investimentos?
Maíra Fainguelernt – Com a Lei de acesso à informação, enviamos, no dia 16 de maio de 2012, um pedido de informação ao BNDES através do serviço de informação do cidadão da Controladoria Geral da União – CGU. Através da carta dos movimentos sociais, sistematizamos um trabalho no sentido de democratizar esse grande instrumento de desenvolvimento brasileiro, e encaminhamos ao banco várias demandas específicas. Conforme a nova legislação, o BNDES tem 30 dias para responder a nossa solicitação. Acreditamos que essa lei representa uma grande oportunidade, pois ela regulament o direito constitucional de acesso dos cidadãos às informações de qualquer órgão público.
Entre as demandas, solicitamos transparência em relação à carteira de projetos privados e aos critérios utilizados pelo banco para conceder financiamentos.
IHU On-Line – Como o BNDES e o governo federal se manifestam em relação às manifestações dos movimentos sociais e da Plataforma BNDES?
Maíra Fainguelernt – A plataforma BNDES conseguiu abrir um diálogo com o banco entre 2007 e 2009, mas atualmente esse diálogo não avançou, e desde 2010 está completamente parado. O banco mantém uma política intocável e inacessível. Para conseguir informações, baseamo-nos no site do BNDES Transparente, mas também contamos com o apoio dos órgãos fiscalizadores, como o Ministério Público, que vêm acompanhando os financiamentos. Também acompanhamos os relatórios do Tribunal de Contas da União – TCU, e mantemos um diálogo direto com o procurador, o que facilita o nosso acesso à transparência.
IHU On-Line – Quais são as principais implicações da atual política de investimentos do BNDES?
Maíra Fainguelernt – A política de financiamento do banco não se responsabiliza pelas violações que grandes empreendimentos financiados pelo banco vêm acarretando. Queremos chamar a atenção para o caráter público do BNDES: ele é 100% estatal, e portanto deve abrir o diálogo com a sociedade, ouvir os movimentos sociais e se responsabilizar pelos financiamentos que concede. No caso da Copa, existem várias obras superfaturadas, as quais são financiadas pelo banco. Esse dinheiro deveria estar a favor do povo brasileiro, porque os donos do banco são o povo e não as empresas. Esse modelo de concentração tem implicações graves tanto na área ambiental como na área social. No caso do Rio de Janeiro, existem dois casos emblemáticos, como a obra superfaturada do Maracanã, que possivelmente será comprada pelo grupo EBX, do Eike Batista; e o corredor rodoviário de quase 40 quilometros de extensão, que o Tribunal de Contas da União – TCU vem apontando como falta de regularidade ambiental.
IHU On-Line – Qual a expectativa para que esse debate seja discutido na Rio+20? Será possível trazer essa discussão para a Conferência, ou ele ficará restrito à Cupula dos Povos?
Maíra Fainguelernt – Nós estamos focando a discussão dessa temática na Cúpula dos Povos, porque temos uma posição mais crítica a essa noção de economia verde que vem sendo divulgada. Estamos lutando por mais justiça social e ambiental numa perspectiva crítica junto dos movimentos intregrados à Cúpula dos Povos. Portanto, participaremos de atividades autogestionadas dentro da Cúpula dos Povos que irá contecer no aterro do Flamengo. Queremos com essa iniciativa também marcar os 60 anos do BNDES. Não é à toa que o banco irá completar 60 anos no dia 20 de junho, durante a Rio+20. Há uma grande oportunidade para criar uma mobilização para este tema. A nossa ideia é aproveitar esse evento para discutir também a política socioambiental deste banco, que é insatisfatória. Queremos que ele se comprometa com os empreendimentos que financia e que abra um diálogo com a sociedade.
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BNDES: movimentos sociais querem transparência. Entrevista especial com Maíra Fainguelernt - Instituto Humanitas Unisinos - IHU