21 Março 2011
O economista Gabriel Strautman é enfático ao criticar o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES às grandes obras de infraestrutura no país e, principalmente, os megaeventos planejados para acontecerem no Brasil nos próximos anos. A principal questão levantada por Strautman na entrevista que concedeu à IHU On-Line por telefone é a falta de transparência do banco quanto aos projetos que ele financia, tanto no que diz respeito aos juros aplicados quanto aos métodos de avaliação dos projetos aprovados. “O BNDES tem buscado fazer com que as indústrias que ele apoia se transformem em empresas orientadas para a globalização, com capacidade de disputar mercados globais. Portanto, não estamos falando de diversificação da economia doméstica, de maior integração regional dentro do país”, relatou.
Gabriel Strautman é economista formado pela Universidade de Brasília e mestre em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente, é o secretário executivo da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é o papel do BNDES no setor produtivo brasileiro de hoje? O banco tem cumprido seu papel social?
Gabriel Strautman – Não, ele não tem cumprido um papel social. O nome do bando é Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Embora incorpore o social na sua sigla, ele tem focado só no plano econômico. E tem agido num só sentido de desenvolvimento econômico que não privilegia um projeto de sociedade e economia redistributiva que reduza as desigualdades no Brasil. O BNDES hoje cumpre cada vez mais um papel importante no financiamento da política industrial brasileira e financia uma política econômica voltada apenas para o crescimento da economia a despeito dos direitos da população, da necessidade da redução das desigualdades e do cuidado e do zelo ao meio ambiente do Brasil.
IHU On-Line – Podemos dizer que o BNDES se tornou, nos últimos anos, o principal banco financiador dos grandes projetos no Brasil?
Gabriel Strautman – Certamente, e não apenas no Brasil como também na América Latina. O BNDES, desde 2003, se tornou uma ferramenta central no financiamento do desenvolvimento do Brasil, desbancando antigas instituições financeiras multilaterais como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no papel de principais atores do financiamento do desenvolvimento. Isso, obviamente, do ponto de vista dos bancos.
O BNDES a partir do governo Lula se tornou o segundo maior banco de desenvolvimento do mundo. Ele supera os financiamentos do BID e do Banco Mundial somados na América Latina. Então, o BNDES hoje está por trás dos grandes projetos energéticos, como as usinas hidrelétricas dos rios Madeira, Jirau e Santo Antônio, assim como o questionável projeto de Belo Monte. Além disso, está por trás dos principais projetos destruidores do meio ambiente do Brasil. Entre seus financiados ainda estão a Companhia Siderúrgica do Atlântico e a Vale. Hoje, o BNDES está preparado também para financiar a construção de seis usinas hidrelétricas na Amazônia Peruana.
IHU On-Line – Luciano Coutinho, presidente do BNDES, diz que muitos dos investimentos que o banco tem feito evitam, em diversos casos, que as empresas beneficiadas quebrem. O que seria da economia brasileira atual sem o BNDES?
Gabriel Strautman – Não há dúvida que o BNDES é uma ferramenta importante para o desenvolvimento da nossa economia. Mas o que questionamos é porque o banco financia um projeto tão polêmico quanto Belo Monte e não incentiva o avanço da pequena indústria, por exemplo? E mais do que isso: Por que o BNDES não apoia o desenvolvimento da economia solidária? Não há dúvida de que o BNDES é um ator importante no desenvolvimento econômico do país. Ponto. Mas ele precisa financiar outras coisas e não apenas os projetos cuja viabilidade econômica é questionável.
IHU On-Line – Como o senhor avalia a forma como as empresas se utilizam dos financiamentos promovidos pelo banco?
Gabriel Strautman – A estratégia do BNDES no apoio às indústrias no Brasil se dá de maneira concentrada e problemática. Isso porque não existe transparência na maneira como ele apoia esses projetos. Por exemplo: o banco, quando analisa um projeto como Belo Monte ou a própria Vale, não diz para a sociedade brasileira como faz essa avaliação; ele não apresenta como classifica esses projetos e empresas quanto ao risco ambiental; e não mostra a taxa de juros com a qual ele subsidia os financiados.
O BNDES não tem transparência. O banco sempre alega sigilo bancário para não repassar essas informações. E justamente por isso não temos elementos para entender a forma como o BNDES trata essas empresas e projetos. E isso demonstra que o banco trata de maneira privilegiada um pequeno grupo de grandes empresas que recebem verba do tesouro nacional a partir da emissão de títulos da dívida pública brasileira. Ou seja, são todos os brasileiros e brasileiras que beneficiam empresas concentradoras da atividade econômica e causam grandes impactos na vida das pessoas e também do meio ambiente.
IHU On-Line – Em relação à Copa do Mundo de Futebol de 2014, como avalia o apoio que o BNDES tem dado às obras produzidas para esse evento?
Gabriel Strautman – Com base nisso tudo que acabei de falar, que olhamos para a atuação do banco no que diz respeito aos financiamentos dos megaeventos e levantamos uma série de questionamentos. Quando olhamos o que o BNDES está fazendo, percebemos que ele está preparado para dar um apoio de 4,8 bilhões de reais apoiando ações de infraestrutura urbana, mas também na reforma de estádios.
Em termos de arenas esportivas, a nossa questão é a seguinte: em várias cidades questiona-se a construção de novos estádios quando o que poderia ser feito era justamente a reforma de arenas antigas. E o BNDES não explicita as razões pelas quais ele preferiu apostar na construção de uma nova arena em vez de reformar uma que já existe. Como o banco não tem transparência, não temos dados suficientes para cobrar esse tipo de questão.
No Rio de Janeiro vai ser construída uma grande via urbana que vai ligar a Tijuca ao aeroporto internacional da cidade. Ora, quando a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) defenderam da Copa do Mundo de Futebol e dos Jogos Olímpicos eles falaram que as Olimpíadas trariam benefícios para a cidade e para o conjunto da sociedade como um todo. Então, por que apenas ligar uma zona da cidade que já é conhecida pela valorização imobiliária com o aeroporto internacional? Estamos falando que só uma parte da cidade pode receber melhoras em termos de infraestrutura urbana? Essas questões também valem para a Caixa Econômica Federal, que vai financiar todo tipo de mobilidade urbana necessária. Por que não consultaram a população como um todo? Por que só as intervenções defendidas pelo COB e CBF foram levadas adiante? É dinheiro público que estão usando!
O discurso do Sr. Carlos Arthur Nuzman e do Sr. Ricardo Teixeira, quando esses eventos foram anunciados para o Brasil, era de que as duas iniciativas seriam financiadas com dinheiro privado. E agora vemos que 98,5% do dinheiro que vai financiar as iniciativas para a Copa e para as Olimpíadas é público.
IHU On-Line – Quem sai beneficiado dessa aliança entre o BNDES e os megaeventos como a Copa e as Olimpíadas?
Gabriel Strautman – Em primeiro lugar, todo mundo que está associado a esse projeto. Comitê Olímpico Internacional (COI), Federação Internacional de Futebol (Fifa), CBF e COB, esses senhores que se intitulam donos dos jogos, são os principais responsáveis por se capitalizarem nessa história. São eles que fazem contratos com as grandes empresas apoiadoras, seja do campo imobiliário seja as principais empresas de marketing esportivo. É um punhado de grandes empresas, tais como Odebrecht e Camargo Correa.
IHU On-Line – A princípio, a Copa do Mundo vai custar 17 bilhões de reais, enquanto isso se gasta 13 bilhões de reais com o Bolsa Família por ano. Como vê as cifras da Copa quando colocadas frente a frente com projetos que foram tidos como prioritários pelo governo?
Gabriel Strautman – A Dilma deu uma declaração em que afirmou que os investimentos para a Copa podem chegar a 33 bilhões de reais. Precisamos fazer esse e ainda outros cálculos como: quanto se gasta com reforma agrária no Brasil por ano? Quanto é o salário de um professor do Ensino Médio das principais cidades brasileiras? Com o dinheiro que vai ser gasto com a Copa do Mundo de futebol quantos professores poderiam ser contratados e qual salário poderia ser pago com isso? Essas comparações são urgentes!
O Brasil só tem privilegiado grandes projetos de infraestrutura e sempre com o discurso que isso vai desenvolver a economia, que vai gerar emprego. Esse mesmo discurso vale para os megaeventos. “Os megaeventos vão trazer investimentos internacionais”... “Empregos serão gerados”. Só que são empregos que vão ser gerados até o fim da Copa. E depois? Além disso, serão empregos gerados de maneira precária, ou seja, a maioria será terceirizada com menos direitos trabalhistas. É preciso que se diga isso.
Por outro lado, se investimentos de longo prazo forem feitos, como reforma agrária, educação, mobilidade urbana, acesso às cidades, avanços de direitos, a sociedade poderá ter acesso a direitos permanentes. Acabamos ficando presos em uma espécie de armadilha e num ciclo vicioso preso numa ilusão de que esses projetos de curto prazo trarão benefícios de longo prazo.
No dia em que o povo brasileiro perceber que o valor de uma entrada de partida de futebol será tão cara que, com o seu salário, não será possível comprar o ingresso para o jogo, aí perceberão que a Copa do Mundo não é um evento popular.
IHU On-Line – Qual é o papel do BNDES na formação do capitalismo brasileiro ao longo das últimas décadas?
Gabriel Strautman – O BNDES vai fazer 60 anos em 2012. Até 2003 ele tinha um papel importante de financiamento da indústria, mas esse papel passou a ser muito mais relevante depois de 2003. Ele foi responsável, na ditadura particularmente, por financiamentos de grandes projetos, assim como faz hoje. A diferença é que até 2003 os megaprojetos recebiam mais dinheiro do Banco Mundial. Só que isso não é suficiente.
Além disso, o BNDES tem buscado fazer com que as indústrias que ele apoia se transformem em empresas orientadas para a globalização, com capacidade de disputar mercados globais. Portanto, não estamos falando de diversificação da economia doméstica, de maior integração regional dentro do país... Por isso, é preciso lutar para que o BNDES se democratize e isso começa pela pressão por maior transparência em relação aos dados do banco.
IHU On-Line – Como o senhor vê o funcionamento da Plataforma BNDES? Esse grupo tem sido ouvido e respeitado pelo banco?
Gabriel Strautman – A Plataforma BNDES é uma experiência muito importante porque ela parte de um trabalho que já era feito pelo Banco Mundial e começa a aplicar numa instituição brasileira. O BNDES precisa ser uma instituição mais democrática. A Plataforma BNDES começou a questionar isso tudo em 2007, construiu um documento muito interessante que não fica apenas na crítica ao banco, mas avança no sentido de alternativas para o BNDES e, a partir disso, instala um processo de diálogo com o banco. Como é um banco que não tem cultura de participação de acesso às informações, ele não apostou no diálogo com a Plataforma BNDES.
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Cadê o social do BNDES? Entrevista especial com Gabriel Strautman - Instituto Humanitas Unisinos - IHU