31 Janeiro 2019
“Quando ouviram estas palavras de Jesus, todos na sinagoga ficaram furiosos” (Lc 4,28)
A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, sacerdote jesuíta, comentando o evangelho do 4° Domingo do Tempo Comum - Ciclo C (03/02/2019) que corresponde ao texto bíblico de Lucas 4,21-30.
O Evangelho deste domingo é inspirador: as pessoas se admiram com as “palavras cheias de encanto que saíam da boca de Jesus”. Palavras que despertam assombro nelas; palavras diferentes que ativam suas vidas, palavras que não deixam ninguém indiferente; palavras provocativas porque carregam o impulso do novo; palavras que incomodam porque lhes faziam perguntar por suas próprias palavras, seu modo habitual de ser e de viver...
A primeira reação dos ouvintes foi de admiração pela pessoa de Jesus e por sua mensagem. Mas, rapidamente, passaram da admiração à surpresa: quem pensa ser ele, para dizer tais coisas? «Não é este o filho de José”? Reduzem-no assim à sua herança natural; não haviam entendido que, dali em diante, têm à sua frente um novo Jesus, o Filho muito amado do Pai. A única razão que dão para rejeitar as pretensões de Jesus é que Ele é simplesmente mais que um do povoado, conhecido de todos.
Isto é revelador por parte do evangelista Lucas. No início de sua vida pública, Jesus se revela como uma presença original, pois sendo “um entre tantos”, no entanto, sua presença despertava perguntas, dúvidas e até incompreensões e discussões. Todo seu povoado o via como um homem a mais, um galileu a mais.
Mas, sendo “um entre tantos”, começou a pensar, viver e agir com um estilo único que o diferenciava de todos. A grandeza de Jesus está justamente em que, sendo um no meio de tantos, foi capaz de descobrir o que Deus esperava d’Ele.
Jesus não é um extraterrestre que traz poderes especiais de outro mundo, mas um ser humano que tira da profundidade de seu ser o que Deus colocou no coração de todos. Fala daquilo que encontrou no seu interior e nos convida a descobrir em nós o mesmo que Ele descobriu.
Sua vida começou a desconcertar as pessoas; seu modo original de falar desconcertava a todos; sua liberdade de espírito e seus critérios desconcertavam as pessoas. Diante d’Ele só lhes restava fazer perguntas: quem é Ele? Como explicar sua proposta de vida?
Jesus não quis deixar o mundo como o encontrou; Ele não veio ao mundo para deixá-lo tal como estava; Jesus veio mudar as coisas e deixar-nos um mundo diferente; não um mundo com soldas e remendos, mas um mundo mais habitável. Por isso, no início de sua vida pública, Ele se revela como uma presença diferente, apresentando a proposta de um mundo diferente.
Tudo o que era antigo chegou ao fim; um mundo novo está aberto, diante de todos.
Pois, agora, a hora chegou. Os ouvintes de Jesus entendem que vão ter de mudar, de transformar-se. E isto é inquietante: estavam tão tranquilos até aquele momento. As pessoas de sua comunidade viviam mergulhadas na inércia, no costumeiro e não queriam se abrir ao novo, às mudanças. Preferiam a vulgaridade de ser como todo o mundo à originalidade de ser diferente; preferiam a monotonia de viver como todos e passar desapercebido na massa, sem despertar a atenção para uma original e provocativa presença.
Os moradores de Nazaré estavam fechados à presença divina. E nos oferecem, assim, uma imagem daquilo que, com frequência, também vivemos: o julgamento que fazemos dos outros, o nosso preconceito e a nossa intolerância diante de quem pensa, sente e vive de maneira diferente.
As palavras de Jesus na sinagoga de Nazaré questionam, também hoje, o sentido que nossas palavras têm; elas nos fazem tomar consciência daqueles que se sentem movidos por nossas palavras, nos fazem perguntar sobre a inspiração e a força das palavras que brotam do nosso interior.
Quantas palavras temos dito ou escrito hoje? Talvez tenhamos enviado um correio; ou feito um comentário no Whatsup ou no blog de um amigo; ou tenhamos conversado junto a uma mesa de bar, partilhando conselhos, trocando idéias...; ou tenhamos falado com nossa mãe pelo telefone... Vivemos saturados de palavras. Elas nos assaltam nas canções, estão nos perfis virtuais, nos livros, em mil e uma conversações. Falamos, dizemos, escrevemos, escutamos, lemos...
E de tanto usá-las, talvez as palavras tenham perdido o sentido. Estamos tão acostumados a proferi-las que não nos damos conta do muito que significam. Então falamos, mas não vivemos; digitamos palavras, mas não transmitimos calor humano. Assustam-nos converter a palavra em palavreado crônico.
Há palavras que se gastam de tanto serem usadas; há afirmações que, de tanto serem repetidas, perdem sua força. Palavras que perdem seu valor, caindo no terreno comum das “coisas baratas”. Pronunciar, sem enrubescer, palavras que deveriam ser ditas com extremo cuidado como compaixão, justiça, amor, vida... É bonito pensar no poder das palavras, ou em nosso poder e responsabilidade ao pronunciá-las.
Sabemos que o ser humano chegou a ser o que é graças a esse dom evolutivo que é a palavra; ela nos permite pensar, dar nomes às coisas, aos outros seres, às emoções que sentimos dentro de nós e comunicar-nos eficazmente com nossos semelhantes.
Claro que, como somos seres complexos, esse dom, que é nossa capacidade verbal, pode ser usada para diferentes fins. Podemos utilizá-la para reconhecer e transmitir o que de verdade sentimos ou pensamos ou enganar-nos a nós mesmos e aos nossos interlocutores.
A diferença radical está no fato de que com a palavra podemos cuidar, acariciar, conhecer, irradiar consolo ou amor, ser artífices de paz e sossego... Ou, podemos gerar ódios, rancor, alimentar preconceitos e julgamentos, provocar invejas, trair, dividir...
Nas “sinagogas pós-modernas” (redes sociais) temos a oportunidade de proferir palavras que ampliam a vida, elevam o outro, abrem horizontes de sentido...; elas também se revelam como o espaço onde escutar palavras oriundas de um coração e uma mente diferentes, que despertam mudanças, a busca do novo... Infelizmente, como nos tempos de Jesus, também este ambiente tem sido o local da expressão de palavras ásperas de julgamento e de indiferença, carregadas de preconceito e intolerância. Ali encontramos a soberba disfarçada de verdade, o conservadorismo farisaico que cria distâncias, o medo camuflado de firmeza, as inseguranças alimentando divisões... Estas atitudes nunca deixam espaço para o novo, a renovação torna-se impossível e a inovação se extingue... Nesses ambientes disfarçados de ortodoxia, fundamentalismo, moralismo, legalismo... nem o Espírito tem espaço para atuar e inspirar “palavras de vida”.
Jesus foi “deletado de sua comunidade” porque ousou pensar de maneira diferente; o seu anúncio e as suas opções rompiam com esquemas mentais arcaicos e petrificados.
Por isso, dentro de nossas sinagogas atuais, é preciso alimentar mais sobriedade frente à “falação” vazia”; mais sinceridade frente à mentira; mais acolhimento frente à indiferença...
Talvez o silêncio pode ser algo novo quando não se tem uma palavra diferente que dizer. Mas é certo que se cheguemos a dizer algo novo, algo nosso, há uma terra sedenta que espera ansiosa essa chuva.
- diante das palavras que brotam de minha sinagoga interior, perguntar-me:
- quantos se sentem tocados pelas minhas palavras? Quantos daqueles que as escutam se sentem anima-dos, vibrantes, curados... Até onde falo daquilo que vivo? Minhas palavras despertam o coração das pessoas?
- Ou, pelo contrário, quantos daqueles que me escutam se sentem entendiados e cansados diante de meu palavreado crônico, de minhas críticas ácidas, de meus julgamentos preconceituosos?...
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A força de uma palavra inspirada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU