25 Setembro 2024
Antecipamos alguns trechos das conversas que o Papa Francisco teve em particular com seus coirmãos jesuítas na Indonésia, Timor Leste e Cingapura durante sua recente viagem entre a Ásia e a Oceania. O texto completo, coletado e transcrito pelo Padre Antonio Spadaro, será publicado pela “Civiltà Cattolica”.
Com quase 88 anos de idade, na mais longa viagem de seu pontificado, o Papa Francisco também fala de si mesmo e explica, entre outras coisas, que tenta nunca perder o senso de humor, porque “senso de humor é saúde”. Como quando conta ter pedido a “uma velhinha de lindos olhos”, no final de uma audiência, que rezasse por ele, a favor, não contra: “A senhora olhou para mim, apontou para o Vaticano e disse: ‘Contra o senhor rezam lá dentro!’”.
Os trechos da conversa são publicados por Corriere della Sera, 24-09-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Santo Padre, como o senhor enfrenta as questões mais importantes da Igreja hoje?
O Espírito nos leva a fazer "barulho", a não deixar tudo parado: essa é a maneira de enfrentar as questões importantes. E lembrem-se de que os jesuítas têm de estar nos lugares mais difíceis, onde é menos fácil agir. Essa é a nossa maneira de ‘ir além’ para a maior glória de Deus.
Eu me pergunto como consegue rezar durante seus dias tão atarefados...
Eu preciso disso, sabe? Eu me levanto cedo, porque sou idoso. Depois do repouso, o que é bom para mim, levanto-me por volta das 4h e, às 5 horas começo a rezar: rezo o breviário e falo com o Senhor. Se a oração for um pouco, digamos, "chata", então rezo o rosário. Depois vou ao Palácio para as audiências. Depois, almoço e descanso um pouco. Às vezes, faço uma oração silenciosa diante do Senhor. Eu rezo, celebro a Eucaristia, é claro. À noite, faço mais algumas orações. É muito importante para a oração fazer a leitura espiritual: devemos fazer crescer a nossa espiritualidade com boas leituras. Eu rezo assim, simplesmente... É simples, sabe? Às vezes, adormeço durante a oração. E isso, quando acontece, não é um problema: para mim, é um sinal de que estou bem com o Senhor! Eu descanso rezando. Nunca se deve deixar a oração!
Estou falando de Mianmar. Estamos passando por uma situação difícil há três anos. O que o senhor nos aconselha a fazer?
Já estive em Mianmar e lá conversei com a Sra. Aung San Suu Kyi, que era primeira-ministra e agora está na prisão. Depois visitei Bangladesh e lá me encontrei com os Rohingya que foram expulsos. (...) Hoje, em Mianmar, não se pode ficar em silêncio: é preciso fazer alguma coisa! O futuro de seu país deve ser a paz baseada no respeito da dignidade e dos direitos de todos, no respeito de uma ordem democrática que permita que todos contribuam para o bem comum. Pedi a libertação da Sra. Aung San Suu Kyi e recebi seu filho em Roma. Ofereci o Vaticano para acolhê-la em nosso território.
O que o senhor espera com o lema de sua visita ao Timor Leste, “que sua fé se torne sua cultura”?
A fé deve ser inculturada. Uma fé que não cria cultura é uma fé proselitista. Não devemos esquecer do que Bento XVI disse: o Evangelho não se difunde por proselitismo, mas por inculturamento. A evangelização da cultura e a inculturação da fé devem andar juntas.
Quais são as principais áreas que os jesuítas deveriam privilegiar?
O desafio da Igreja é sempre não se distanciar do povo de Deus. Temos que nos afastar das ideologias eclesiais. Esse é o desafio que deixo a vocês.
Em seus 11 anos como o primeiro papa jesuíta, quais foram as decisões mais importantes e os desafios mais difíceis?
O que se poderia definir de programa de pontificado está na Evangelii gaudium. Vocês podem encontrá-lo lá. Gostaria de lembrá-los de algo relacionado à pregação. Para mim, é muito importante encontrar pregadores que estejam próximos das pessoas e de Deus. Gosto dos padres que pregam por oito minutos e dizem tudo. E também a misericórdia: perdoem sempre! Se alguém pede perdão, vocês o perdoam. Confesso que em 53 anos de sacerdócio nunca recusei uma absolvição. Mesmo que estivesse incompleta (...). Deus entende tudo. Não vamos transformar o confessionário em um consultório psiquiátrico, em um tribunal.
Qual é a maior cruz que o senhor carrega como jesuíta que se tornou papa?
Ser papa é uma cruz como a sua. Cada um tem sua cruz. O Senhor te acompanha, te consola, te dá força. (...) Talvez eu esteja exagerando, mas ser papa não é mais difícil nem muito diferente de ser padre, freira ou bispo. Em um livro do jornalista Gerard O'Connell, li que, quando fui eleito, um cardeal disse a outro a meu respeito: 'Esse aí vai ser um desastre!’ O Senhor dirá se eu fui um desastre!
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“Pedi para libertar San Suu Kyi. Ofereci o Vaticano para acolhê-la em nosso território”. Conversa com o Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU