25º domingo do tempo comum – Ano B – O poder que se faz serviço

20 Setembro 2024

"Os discípulos discutem pelo caminho e se colocam em comparação entre si para disputar o poder. Na casa, Jesus se senta para ensinar, como um grande Mestre. Suas palavras no caminho não foram assimiladas, e assim é preciso reforçar a lógica do Reino: o poder está no serviço. Maior é aquele que serve sem querer nada em troca, sem pagamentos, sem honras, sem querer reconhecimentos, como uma criança que naquela sociedade não era nem sequer contada e nem tinha a pretensão de poder. Jesus é o maior porque foi capaz de ser servidor, dando a si mesmo, dando a própria vida. E o “maior” dos discípulos é aquele que segue o seu exemplo, pois não em nome próprio, mas em nome de Jesus, se coloca a serviço, a ponto de ser capaz de acolher os que não são levados em consideração numa sociedade onde o ter e o poder falam mais alto, e exemplo claro na época eram as crianças. Acolher o menor é acolher a Jesus e consequentemente é acolher o Pai e o seu projeto de amor, visibilizando o seu Reino".

A reflexão é de Sueli da Cruz Pereira, IDFMI, religiosa da Congregação das Irmãs Dimesse Filhas de Maria Imaculada. Ela é graduada em teologia, mestra e doutora em teologia sistemático-pastoral pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Atua na Arquidiocese de Vitória, em Vila Velha. É membro do Grupo de Reflexão bíblico-catequética (GREBICAT) da CNBB e da Sociedade Brasileira de Catequetas (SBCat).

Leituras do dia

Sb 2,12.17-20
Sl 53(54),3-4.5.6.8 (R. 6b)
Tg 3,16-4,3
Mc 9,30-37

Eis o texto.

O trecho do Evangelho (Mc 9,30-37) desse domingo  narra mais um momento formativo particular dos discípulos, no qual Jesus continua a ensinar sobre quem ele é. A multidão não está presente, mas apenas os discípulos. O ambiente de ensino é familiar, pois se trata do caminho para casa. O conteúdo é sobre sua morte e ressurreição, em continuidade com o que já havia preanunciado no trecho do domingo passado, em sua revelação messiânica. E mais uma vez se destaca a falta de compreensão por parte dos discípulos, como também uma novidade que é o medo de perguntar. Nesta cena se apresenta um grande distanciamento entre o ensinamento do Mestre e o aprendizado dos discípulos que não compreendem.

Por que não compreendem? Por que têm medo? O texto não diz. Mas podemos deduzir que a forma de concepção messiânica dos discípulos ainda está muito impregnada do sonho de libertação comum ao povo com a vinda do messias prometido. Pela discussão no caminho, a lógica dos discípulos é a do poder. O assunto da discussão não tem nada a ver com o conteúdo da instrução de Jesus. Ele fala de seu destino de morte pelos homens. A morte dessa forma evoca sofrimento e fracasso. Jesus vai se apresentando como um Messias sofredor, um messias servo. Já os discípulos parecem discordar de Jesus e não aceitar esse tipo de Messias, pois continuam a falar de “grandeza”, de quem é o maior, pensando nas vantagens que seus melhores e maiores seguidores poderiam adquirir através da vitória trazida por um messias político, guerreiro, poderoso, prometido por Deus, para libertar Israel do poder romano.

O medo de perguntar algo a Jesus era porque certamente sua resposta desconstruiria a concepção deles. Porém, Jesus não tem medo de perguntar o que eles discutiam pelo caminho (mesmo já sabendo a resposta, pois parece ter escutado o assunto). E a pergunta se dá na casa, na hora certa. Jesus espera o momento certo, na calmaria, distante da discussão, para fazê-los pensar. Porém, o silêncio foi a resposta. Eles não responderam nada. O primeiro silêncio foi por medo de perguntar; mas qual foi a causa desse segundo silêncio? Certamente o medo de responder, pois o assunto ia na contramão do que Jesus havia instruído pelo caminho.

Jesus desmascara a forma de visão dos discípulos quando apresenta o seu destino de morte a partir do sofrimento. Ao fazer isso pressupõe que os seus seguidores o sigam com consciência e não iludidos com suas expectativas pessoais. Porém, os discípulos estão preocupados com quem é o maior entre eles. Isso significa que ainda não aderiram ao projeto do Pai para Jesus, que é de serviço e de amor gratuito para a salvação da humanidade, sem triunfalismos. Eles continuam a querer ter o poder, o melhor lugar, ser liderança, predileção, grandeza, prestígio etc. Lógica mundana distante da lógica do Reino.

Os discípulos discutem pelo caminho e se colocam em comparação entre si para disputar o poder. Na casa, Jesus se senta para ensinar, como um grande Mestre. Suas palavras no caminho não foram assimiladas, e assim é preciso reforçar a lógica do Reino: o poder está no serviço. Maior é aquele que serve sem querer nada em troca, sem pagamentos, sem honras, sem querer reconhecimentos, como uma criança que naquela sociedade não era nem sequer contada e nem tinha a pretensão de poder. Jesus é o maior porque foi capaz de ser servidor, dando a si mesmo, dando a própria vida. E o “maior” dos discípulos é aquele que segue o seu exemplo, pois não em nome próprio, mas em nome de Jesus, se coloca a serviço, a ponto de ser capaz de acolher os que não são levados em consideração numa sociedade onde o ter e o poder falam mais alto, e exemplo claro na época eram as crianças. Acolher o menor é acolher a Jesus e consequentemente é acolher o Pai e o seu projeto de amor, visibilizando o seu Reino.

A primeira leitura (Sb 2,12.17-20), muito bem apresenta a contraposição entre a vivência do justo que acolhe o projeto de Deus e a vivência do ímpio que não acolhe nem o projeto e nem quem o acolhe. É muito interessante a atitude de incômodo que o ímpio tem pela presença do justo, que revela suas atitudes erradas e suas transgressões à Lei. O ímpio não quer ser desmascarado e por isso precisa eliminar o justo de forma sofrida e vergonhosa. A partir de uma leitura cristã, de certa forma, foi isso o que as autoridades da época fizeram com Jesus. E o mesmo continua a acontecer em nossa sociedade atual. Pôr em evidência o bem pode ser motivo de questionar quem pratica o mal. Aqui entra em questão o saber discernir se os valores vivenciados pela sociedade são os mesmos valores do Reino apresentados por Jesus. Seguir e praticar os valores do Reino é um desafio num mundo em constantes mudanças de valores. De todos os lados somos influenciados e é preciso que a Palavra ilumine nosso discernimento para que sejam escolhidos os valores do Reino.

A segunda leitura (Tg 3,16-4,3) nos traz alguns elementos que refletem os sentimentos presentes no ser humano e que são muito atuais: inveja, rivalidade, cobiça. Sentimentos que evocam sede de poder, de realização pessoal a qualquer custo para se satisfazer. E quando afloram, refletem nas atrocidades cometidas, desde as pequenas, como brigas familiares, até as maiores, como guerras e assassinatos em massa. O texto convida o leitor a perceber que essas atitudes não são sábias, mesmo que sejam para uma lógica da sociedade, que muitas vezes impõe seus valores como autênticos gerando o individualismo. E mais ainda, o texto afirma que Tg 3,16-4,3 é aquela que vem do alto, atribuindo-lhe Tg 3,16-4,3 (numero perfeito!): “é, antes de tudo, pura, depois pacífica, modesta, conciliadora, cheia de misericórdia e de bons frutos, sem parcialidade e sem fingimento” (v. 17).

Esses elementos estão presentes na prática dos que verdadeiramente aderiram a Jesus e ao seu projeto, pois não pensam apenas em si mesmos, mas no bem comum. Uma bela síntese desses elementos está no gesto de Jesus de “abraçar” a criança, pois é um gesto muito carinhoso e terno, e que simboliza o abraço de Deus a todos os invisibilizados na história. O abraço torna a pessoa visível, presente, valorizada, protegida, amada etc., mas ao mesmo tempo coloca em evidência o autor do abraço e sua intenção. O gesto de Jesus não é apenas momentâneo, mas se prolonga por toda a sua vida, que abraça e acolhe a todos, inclusive os que não contam para a sociedade, dando a própria vida por amor, porque “abraçou a nossa causa”. Quais invisibilizados somos chamados a abraçar hoje para torná-los visíveis e para que também possam experimentar o amor de Deus?

Estamos nos aproximando de um tempo de eleições onde muitos excluídos recebem “abraços de faixada” no momento da campanha eleitoral, para que os candidatos obtenham votos, mas depois são descartados. Esse é um projeto de vida distante do projeto proposto por Jesus, pois leva ao aproveitamento do outro para o seu próprio bem, sem gratuidade. E isto não acontece apenas no campo da política, mas também pode ocorrer em todos os âmbitos: familiar, eclesial, no mundo do trabalho, dos estudos etc.

Assim, as leituras de hoje, em sintonia com o Evangelho, são indicações para quem está num caminho de discipulado de Jesus, pois apontam para a passagem da sede de poder ao serviço, e da escolha de valores mundanos aos valores do Reino. Isso requer discernimento, como já falamos, e abertura para a vivência do projeto do Pai, que convidam a sair do egocentrismo.

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