"O que discutíeis pelo caminho?" Comentário de Ana Casarotti

20 Setembro 2024

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos 9,30-37 que corresponde ao 25 Domingo do Tempo Comum, ciclo B do Ano Litúrgico. O comentário é elaborado por Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.

Naquele tempo, Jesus e seus discípulos atravessavam a Galileia. Ele não queria que ninguém soubesse disso, pois estava ensinando a seus discípulos. E dizia-lhes: "O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens, e eles o matarão. Mas, três dias após sua morte, ele ressuscitará".

Os discípulos, porém, não compreendiam estas palavras e tinham medo de perguntar.

Eles chegaram a Cafarnaum. Estando em casa, Jesus perguntou-lhes: "O que discutíeis pelo caminho?" Eles, porém, ficaram calados, pois pelo caminho tinham discutido quem era o maior. Jesus sentou-se, chamou os doze e lhes disse: "Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!"

Em seguida, pegou uma criança, colocou-a no meio deles, e abraçando-a disse: "Quem acolher em meu nome uma destas crianças, é a mim que estará acolhendo. E quem me acolher, está acolhendo, não a mim, mas àquele que me enviou".

Jesus continua a caminhar e a ensinar ao grupo que o segue como é o reino, o que significa ser seu discípulo. Ele tenta explicar a eles com absoluta verdade como é o caminho que propõe e, na passagem do Evangelho que lemos neste domingo, ele nos oferece uma diretriz fundamental: "O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens, e eles o matarão. Mas, três dias após sua morte, ele ressuscitará".

Em algumas de nossas sociedades, estamos acostumados a fazer o sinal da cruz em frente a Jesus Crucificado e reconhecemos na cruz um sinal da presença de Deus. Às vezes, esse “hábito”, ou essa coisa habitual, pode desviar nosso olhar da profundidade que ele traz consigo. Corremos o risco de ficar com uma ressurreição sem cruz, com uma alegria que, mesmo que seja autêntica, não tem raiz.

Em várias ocasiões, Jesus explica aos discípulos como é o caminho que ele propõe e enfatiza, em particular, as condições fundamentais do discipulado. O texto que meditamos neste domingo relata que Jesus não queria que ninguém soubesse de sua viagem, “pois estava ensinando a seus discípulos”. Jesus sabe que o que ele tem a dizer a eles é muito importante. Não deve apenas ser ouvido e recebido, mas deve ser assimilado, compreendido e fundamentalmente vivido.

Os discípulos precisam entender que Jesus está propondo algo que é contrário às expectativas que eles podem ter tido no início. Andar com ele não lhes trará benefícios econômicos, nem segurança social, e muito menos os levará a ocupar lugares importantes. Os discípulos não entendem as palavras de Jesus, mas não perguntam por quê: “tinham medo de perguntar”. Qual é o perigo real ou imaginário que eles percebem e diante do qual experimentam essa sensação de medo?

Na história do evangelho, são descritas duas situações muito diferentes. Por um lado, Jesus e suas palavras, onde ele propõe seu caminho com suas exigências e, embora os discípulos não entendam, eles não ousam perguntar nada a Jesus. Por outro lado, o “mundo dos discípulos”, que conversam entre si, que discutem e, quando chegam em casa, sua preocupação é explicitada por meio da pergunta que Jesus lhes faz: "O que discutíeis pelo caminho?"

Diante dessa pergunta, os discípulos permanecem em silêncio, não se atrevem a compartilhar o diálogo que tiveram entre si, suas perguntas, suas lutas, seus debates e discussões internas. Talvez eles percebam que isso não tem nada a ver com a proposta de Jesus. “Eles, porém, ficaram calados, pois pelo caminho tinham discutido quem era o maior. Mais uma vez eles permanecem em silêncio, não tanto por medo, mas porque percebem a banalidade de suas discussões. Enquanto eles discutem sobre quem é o mais importante, ou qual lugar pertence a cada um, quem será o preferido, Jesus está propondo o caminho oposto.

Um convite que não tem nenhum apelo se o olharmos da perspectiva do nosso mundo que conta com seguidores no mundo digital, triunfos aparentes às vezes acompanhados de quedas repentinas, notícias que duram segundos, fotografias com ídolos construídos por grandes marcas... e assim podemos descrever um número infinito de propostas que nada têm a ver com a que Jesus está nos fazendo. E como os discípulos, também encontramos em nossas comunidades nossas discussões que são palavras vazias, opiniões carregadas de violência, inimizades mantidas por anos, mas disfarçadas de prioridades pastorais...

“Se alguém quer ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos” Jesus apresenta novamente sua proposta que continua sendo tão clara quanto exigente: ser o primeiro é ser o último! E ele é o exemplo e o caminho que nos comunicou. É um caminho em que a originalidade de cada um e a liberdade que essa jornada implica são os elementos-chave.

Nós nos perguntamos: quais são essas discussões que temos enquanto Jesus continua a falar de sua caminhada em nosso meio e nos propõe ocupar o último lugar, seja qual for a forma que isso assuma em cada situação particular?

Acolhemos o convite do Papa Francisco quando ele se reuniu com a Companhia de Jesus e convidou seus irmãos jesuítas a viverem um cristianismo comprometido: “quando experimentarmos amarguras e decepções, quando nos sentirmos menosprezados ou incompreendidos, não nos percamos em lamentos e nostalgias. São tentações que paralisam o caminho, sendas que não levam a parte alguma.

Pelo contrário, assumamos a nossa vida a partir da graça, da vocação. E acolhamos a dádiva de cada dia para o viver como um pedaço de estrada rumo à meta” e continua dizendo: tentação mundana é buscar a glória sem passar pela cruz. Nós quereríamos caminhos conhecidos, direitos e desimpedidos, mas para encontrar a luz de Jesus é preciso sair continuamente de nós mesmos e subir atrás d’Ele” (“Deixemo-nos perturbar pelo grito de sofrimento do mundo. Como levamos à oração a guerra em curso?”, questiona o Papa Francisco)

Oração

Servidor de todos
Te foi dito:
Rodeia-te de triunfadores.
Para que tua vida seja um êxito
serve-te de todos.
Retém em tua memória
o nome do rico,
e anota o telefone
do rosto feminino
que sorri no concurso.
Forra as paredes de tua casa
com assinaturas de pintores
de prestígio e de dinheiro.
Enche tua boca
com os nomes
que ocupam o cenário
da glória escorregadia.
Faze-te vizinho, compadre,
de seu clube e seu partido.
que todas estas famas
te emprestem seu prestígio.

Mas a Palavra diz:

Senta a tua mesa
os que não podem
convidar-te em sua casa
arrastada pelo rio,
e empresta sem enrugar a cara
ao que não pode devolver-te
teu dinheiro no prazo estipulado
porque as horas extras
se perderam no computador
da zona franca.
Haverão encontrado em ti
a resposta de deus
a sua angústia cotidiana.
e tu sentirás atravessar
algo de deus passando
pelo centro de ti mesmo
para chegar até o irmão.

Ao romper com este gesto
de gratuita proximidade
as leis e as cátedras
do investimento
bem calculado,
um manancial de eternidade
te chegará entre tuas pedras,
e fará de ti um servidor de todos,
cheio de graça e de sabor.

Salmos para sentir e saborear internamente as coisas.
Benjamin González Buelta 

 

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