14 Novembro 2025
Uma mulher afirmou na década de 1970 que Jesus lhe pediu para construir a estrutura. Bispos anteriores tinham dúvidas sobre fanatismo e financiamento, e agora veio o veredicto. E Leão XIV adverte contra "cair em ilusões supersticiosas" com visões místicas.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por Repubblica, 13-11-2025.
Não é verdade que Jesus apareceu a uma mulher francesa na década de 1970 e lhe pediu que construísse uma cruz milagrosa de 738 metros de altura e com braços de 123 metros. Isso foi oficialmente estabelecido pela Santa Sé, que, em um comunicado do Dicastério para a Doutrina da Fé, afirmou de uma vez por todas que a Igreja não considera o ocorrido um fenômeno sobrenatural.
Estabelecendo ordem entre as aparições
No ano passado, o antigo Santo Ofício trouxe ordem à complexa questão das visões e aparições com um decreto que estabeleceu uma espécie de sistema de semáforo para aprovar totalmente, com reservas ou rejeitar sua natureza sobrenatural. Desde então, o dicastério liderado pelo cardeal argentino Victor Manuel Fernandez publicou uma série de veredictos , positivos e negativos, sobre várias supostas aparições — em sua maioria marianas — ao redor do mundo. Nesse mesmo espírito, a Santa Sé também interveio em Medjugorje e, mais recentemente, publicou uma nota doutrinal não sobre uma aparição, mas sobre os títulos atribuídos, por vezes de forma teologicamente inadequada, à Virgem Maria.
Aparições e cruzes
O antigo Santo Ofício publicou agora uma declaração esclarecendo que "o fenômeno das alegadas aparições ocorridas em Dozulé deve ser definitivamente considerado não sobrenatural, ou seja, não tem uma autêntica origem divina". O dicastério do Vaticano autorizou simultaneamente o bispo de Bayeux-Lisieux, Jacques Habert, a emitir o decreto pertinente. A decisão foi aprovada por Leão XIV em 3 de novembro. Segundo a suposta vidente, Madeleine Aumont, Jesus apareceu para ela 49 vezes na cidade francesa de Dozulé entre 1972 e 1978, pedindo a construção da chamada "Cruz Gloriosa de Dozulé", que deveria ser completamente iluminada e atingir uma altura de 738 metros, com braços de 123 metros de comprimento, sendo assim visível de longe como um sinal de redenção universal. A cruz nunca foi construída e, em seu lugar, foram criadas várias "Cruzes do Amor", reduções em escala de um centésimo da "Gloriosa". As mensagens de Dozulé afirmam que "todos os que vierem se arrepender aos pés da Gloriosa Cruz serão salvos", que "a Gloriosa Cruz perdoará todos os pecados" e que todos os que "com fé vierem ali para se arrepender serão salvos nesta vida e para a eternidade". Essas afirmações foram consideradas pela Santa Sé como "incompatíveis com a doutrina católica da salvação, da graça e dos sacramentos".
“Não há necessidade de 738 metros”
Já em abril de 1983, o então bispo diocesano Jean-Marie-Clément Badré afirmou que "em nenhuma circunstância a construção de uma cruz monumental empreendida em Dozulé (...) pode ser um sinal autêntico da manifestação do Espírito de Deus". O bispo interveio novamente em 1985, falando também de "arrecadação de fundos por indivíduos agindo por conta própria, sem mandato, sem respeito pela autoridade do bispo", bem como de "propaganda fanática". O atual bispo, com base nas novas normas para discernir supostos fenômenos sobrenaturais, propôs ao dicastério uma "declaração de não sobrenaturalidade", que agora foi apresentada. O Dicastério para a Doutrina da Fé observa que "a Cruz não precisa de 738 metros de aço ou concreto para se tornar reconhecível: ela se ergue cada vez que um coração, sob a ação da graça, se abre ao perdão, uma alma se converte, a esperança renasce onde parecia impossível, e também quando, beijando uma pequena cruz, um fiel se entrega a Cristo".
Misticismo, não à superstição.
Hoje, o Papa Leão XIV abordou os fenômenos místicos. "O misticismo", disse ele aos participantes da conferência "Misticismo, Fenômenos Místicos e Santidade", realizada de 10 a 13 de novembro na Pontifícia Universidade Urbaniana, "caracteriza-se, portanto, como uma experiência que transcende o mero conhecimento racional, não pelo mérito da pessoa que a vivencia, mas sim por um dom espiritual, que pode se manifestar de diversas maneiras, inclusive por meio de fenômenos opostos, como visões luminosas ou densas trevas, aflições ou êxtases. Em si mesmos, porém, esses eventos excepcionais permanecem secundários e não essenciais ao próprio misticismo e à santidade: podem ser sinais dela, como carismas singulares, mas o verdadeiro objetivo é e sempre será a comunhão com Deus." Portanto, disse Leão, "para evitar cair na ilusão supersticiosa, devemos avaliar prudentemente tais eventos, por meio de um discernimento humilde, de acordo com o ensinamento da Igreja."
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