28 Setembro 2024
Em El nacimiento de la Tierra (Penguin Random House, 2024), o escritor estadunidense explora ecossistemas terrestres, marinhos e aéreos para mostrar como os seres vivos têm um forte impacto nos processos geológicos e na transformação do planeta em todos os níveis, com uma escrita carregada de estupefação e descobertas poéticas.
A reportagem é de Laura Casielles, publicada por La Marea/Climática, 27-09-2024. A tradução é do Cepat.
Sou uma leitora regular de poesia. O que me cativa neste gênero é a sua capacidade de nos fazer ver algo onde antes não víamos nada, ou víamos apenas a sucessão rotineira de coisas que não nos dizem nada. Sua capacidade de revelar repentinamente uma camada de realidade que sempre existiu e que de repente parece ser matizada por uma luz inescapável. Ultimamente, muitos dos livros que me aproximam dessa experiência, porém, não são necessariamente poemas, mas alguns como este, O nascimento da Terra. Como nosso planeta ganhou vida, de Ferris Jabr.
Livro "O nascimento da Terra. Como nosso planeta ganhou vida" de Ferris Jabr
Mas o que encontro neles não é aquele tipo de poesia que domina a imaginação, mas aquele outro tipo que nos captura ao aprender algo incrível. Estou convencida de que a estupefação um dos caminhos que pode levar a uma tomada de consciência da natureza extraordinária do mundo que nos rodeia e, consequentemente, da imensa responsabilidade de cuidar dele. A maravilha que este livro propõe é, de fato, radical: a hipótese de que a vida poderia ser algo mais do que normalmente entendemos por esse termo.
Eu estava lendo o livro há alguns dias, quando fiz uma caminhada nas montanhas com algumas amigas. E, enquanto caminhávamos, não pude deixar de, de vez em quando, olhar para as pedras sobre as quais avançávamos e dizer-lhes: “Meninas, vocês sabem que lá embaixo, bem lá embaixo, há seres vivos? Seres microscópicos que, em vez de oxigênio, respiram rocha?”
Começa por aí o questionamento do que entendemos por vida a que me referia, e Jabr o propõe como possibilidade desde as primeiras páginas do livro: “Nunca houve uma medida objetiva nem uma definição da vida precisa e universalmente aceita, apenas uma longa lista de qualidades que presumivelmente distinguem o animado do inanimado. Contudo, uma divisão tão clara é inútil. Os cristais reproduzem fielmente suas estruturas altamente organizadas à medida que crescem, mas a maioria das pessoas não pensa neles como seres vivos. Pelo contrário, alguns organismos, como as artêmias e esses microanimais semelhantes a ursinhos de borracha chamados tardígrados, podem entrar num período de extrema inatividade durante o qual param de comer, crescer e mudar de qualquer forma durante anos, mas continuam a ser consideradas criaturas vivas”.
A partir daí, O nascimento da Terra conduz-nos pela mão numa longa viagem. Para o interior da terra ou para as profundezas do mar, também para a atmosfera: aos lugares extremos onde as criaturas que existem não são muito parecidas com as que conhecemos. E também no tempo: uma viagem ao passado distante em que este planeta começou a desenvolver o que aprendemos é o que o diferencia dos demais. “A vida não é algo que aconteceu na Terra, mas algo que aconteceu à Terra”, diz, citando o astrobiólogo David Grinspoon.
A partir dessa perspectiva, o compromisso de Jabr é explorar como a vida apareceu, mas também como ela vem se modificando e se recriando. E, aliás, ao planeta. O seu olhar esclarece as formas como este grande ecossistema que é toda a Terra foi transformado pela ação até das mais pequeninas das suas criaturas, num círculo ecológico que incorpora o que acontece em várias escalas. Aos seus olhos, todo o planeta estaria vivo, num certo sentido: no de estar sujeito a constantes transformações na interação e na afetação mútua entre uma multidão de seres que o são.
O livro tem uma estrutura muito clara. Três partes, divididas por sua vez em outras três. As grandes, sendo âmbitos: ‘Rocha’, ‘Água’ e ‘Ar’. Dentro delas, muitas outras subdivisões que focam no que três tipos de criaturas fizeram e fazem com esses elementos: as microscópicas, as que vemos a olho nu e estamos acostumados a prestar atenção e, por fim, nós, os humanos. Jabr nos convida a olhar para o impacto geológico, ambiental e biológico de todos os seres, desde micróbios até castores, algas ou a grama de um jardim desajeitado que tentamos cultivar nos fundos da casa.
É assim que deslizamos sem quase nos darmos conta do fascínio reverencial do que as bactérias ou o plâncton foram capazes de modificar ao longo de milhões e milhões de anos, até o não menos arregalado espanto diante do que os humanos foram capazes de desequilibrar em apenas alguns séculos. Porque sim: este ensaio deixa claro que, desde que inventamos o arado até quando enchemos tudo com plástico, os seres humanos tiveram um impacto completamente desproporcional em relação aos demais habitantes do planeta.
É verdade que quando se trata desta nossa espécie desajeitada, não existam apenas histórias de destruição. Há também belos exemplos de pessoas que se conscientizam, aprendem e fazem mudanças. Pessoas que de repente pegam um coador de cozinha e analisam a água de uma poça até sua última gota, ou pessoas que rastejam nos joelhos por uma caverna para levar para casa diversas amostras de um micróbio que excreta metal.
Em geral, as descobertas nas quais Jabr mais se detém são aquelas que têm a ver com perceber os elementos que, segundo as hipóteses de quem trabalha nelas, poderiam contribuir para reverter os efeitos da crise climática. Assim temos, por exemplo, Sergey Zimov, determinado a devolver ao Ártico a biodiversidade que tinha em tempos de megafauna. Convencido de que tudo pode começar por estabelecer ali populações de grandes herbívoros, ele levou vinte e cinco cavalos de Yakutia para a estepe, uma raça siberiana especialmente grande, capaz de se alimentar de grama congelada. Ou Lorraine Sadler, que vasculha o fundo da baía da Califórnia à procura de florestas subaquáticas de kelp, um tipo gigante de alga que poderá ser capaz de capturar imensas quantidades de carbono, cujo excesso é um fator importante na crise climática.
“Havia uma dimensão do mundo que praticamente passou despercebida: o próprio solo sob seus pés”. Eu tinha lido isso naquela mesma manhã, no capítulo que fala sobre Asmeret Asefaw Berhe, uma bióloga eritreia para quem aquela revelação mudou o curso de sua vida. Por isso andava pelas montanhas de Madri prestando muita atenção aos meus passos, mais consciente do que o habitual de que caminhava sobre uma espécie de milagre do tempo, das interações e dos mistérios. “Meninas, vocês sabiam que uma única colher de chá da terra em que estamos pisando contém uma população muito maior do que o número de humanos vivos hoje?”
Termino o livro sabendo muitas coisas que não fazia ideia sobre esse fantástico mundo. Sei que existe uma bactéria em forma de baguete que vive no escuro e em temperaturas até superiores a 60ºC e obtém a sua energia da decomposição do urânio. Sei que se não fosse o plâncton o mar não teria areia, espuma nem haveria cheiro no ar; e sei também que há partes desse plâncton que “parecem candelabros, cestos de vime ou balas de açúcar trançadas. Outros parecem pás de um moinho de vento, rodelas de frutas cítricas ou fogos de artifício congelados no exato momento da explosão”. Sei que também há surpresas perturbadoras, como novos tipos de rocha causados pela fusão de minerais com o plástico proveniente de resíduos, e uma grande probabilidade de que os fósseis encontrados no futuro tenham relevos em forma de canetas ou de cedros.
E não sei, não sei se é um excesso de confiança na estupefação motivada pelo meu amor pelo poético. Mas tendo a pensar que, percebendo essas coisas, algo tem de nos fazer mudar a nossa maneira de estar neste mundo. Como algas modificando o ar, como micróbios mudando, pouco a pouco, a textura da rocha.
Quem é Ferris Jabr? Escritor da New York Times Magazine. Também escreveu para New Yorker, Harper's, Atlantic, National Geographic e Scientific American. Seu trabalho foi incluído em antologias da coleção The Best American Science and Nature Writing.
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Ferris Jabr: um novo olhar sobre o significado da vida na Terra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU