27 Setembro 2024
"O sol se reflete no mar que, há apenas dois anos, tinha estado no centro de um acordo histórico sobre as águas territoriais entre Israel e o Líbano: deveria permitir o compartilhamento de recursos energéticos e agir como precursor de um possível reconhecimento da fronteira terrestre, mas hoje é um detalhe esquecido. De Beirute, em vez disso, chegam atualizações terríveis sobre o número de vítimas causadas pelos ataques aéreos israelenses: mais de 500 desde que o governo de Netanyahu decidiu relançar a ofensiva no 12º mês da guerra", escreve Davide Lerner, jornalista italiano que cobre Israel, os territórios palestinos e a Turquia, em artigo publicado por Domani, 26-09-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
A viagem de carro ao longo do litoral israelense em direção à fronteira libanesa atravessa uma paisagem mediterrânea imersa em uma calma surreal. Mesmo quando a escalada mais violenta da história do conflito entre Israel e o Hezbollah não se manifesta, ainda está à espreita, pronta para atacar em qualquer lugar repentinamente. Antecipada pelas sirenes que avisam sobre a chegada dos foguetes do Hezbollah.
As cidades israelenses ficam cada vez menos animadas à medida que se avança para o norte, mas as ruas nunca se esvaziam completamente. É somente depois do vilarejo de Rosh Hanikrà, a poucas centenas de metros da cancela da fronteira, que um posto de controle do exército obriga nosso carro a dar meia-volta.
O sol se reflete no mar que, há apenas dois anos, tinha estado no centro de um acordo histórico sobre as águas territoriais entre Israel e o Líbano: deveria permitir o compartilhamento de recursos energéticos e agir como precursor de um possível reconhecimento da fronteira terrestre, mas hoje é um detalhe esquecido. De Beirute, em vez disso, chegam atualizações terríveis sobre o número de vítimas causadas pelos ataques aéreos israelenses: mais de 500 desde que o governo de Netanyahu decidiu relançar a ofensiva no 12º mês da guerra.
A leste de Rosh Hanikrà, nas encostas das colinas por onde passa a barreira da fronteira israelense, fica o vilarejo fantasma de Shlomi. Entre as casas vazias e os carros abandonados, encontramos um homem corpulento com uma barba preta bem cuidada, que toma conta do único supermercado aberto na área. “Eu não desisto de abrir a loja”, diz Shlomi Issa Tomas, 35 anos, camiseta preta e antebraço tatuado. “Todos os dias fico até as 19h, depois volto para dormir com minha esposa e três filhos que estão deslocados em Nahariya.” Ao longo do dia, apenas dois alarmes lhe fizeram companhia, e fica imediatamente claro que ele está com vontade de conversar.
Issa, o último israelense do vilarejo fronteiriço abandonado sob o fogo do Hezbollah, é na verdade um católico libanês. Sua história lança luz sobre um dos possíveis resultados dessa guerra. Ele conta que seu pai, enquanto registra os preços no caixa, fazia parte do Exército do Sul do Líbano, uma milícia que, da década de 1980 até 2000, lutou ao lado de Israel no sul do país dos Cedros. Em especial, entre 1985 e a retirada israelense em maio de 2000, esse grupo armado local facilitava a ocupação israelense da chamada “faixa de segurança”, com a qual a IDF tentava proteger os apêndices do norte do Estado judeu.
“Quando a guerra começou, imediatamente trouxe de volta à minha memória a época em que eu era criança”, conta Issa. “Nós conhecíamos o Hezbollah desde pequenos”. O pai de Issa, de fato, estava envolvido em ações contra a guerrilha anti-israelenses do Hezbollah e dos militantes palestinos na época da faixa de segurança. No entanto, quando Issa tinha 12 anos, o primeiro-ministro israelense Ehud Barak, quase sem aviso prévio, anunciou a retirada israelense. Cerca de 6.000 libaneses desse grupo, conhecido em Israel como “Zadal”, correram o risco de ficar à mercê dos milicianos inimigos, sem a cobertura das IDF.
Imploraram asilo e, por fim, acabaram obtendo a cidadania israelense.
Na época, o público israelense era quase unânime em considerar sem sentido o confronto contínuo com o Hezbollah na zona de segurança. Mas agora, nas embaixadas em Tel Aviv e nos corredores dos palácios do poder em Jerusalém, as palavras “ezor bitahon”, ou seja, zona de amortecimento, voltaram à moda. Esse é o resultado provável das próximas fases dessa guerra sem fim.
Israel vai invadir? E depois voltará a ocupar um pedaço do Líbano, como voltou a ocupar Gaza?
Tomas, como costuma acontecer com os libaneses desse grupo, é visceralmente hostil aos compatriotas do Hezbollah. “Para mim, aqui fora, onde passa aquele muro, está o Irã”, diz apontando para a colina do lado de fora da loja. “É a fronteira com o Irã”, repete, fazendo alusão à relação muito próxima entre a milícia xiita libanesa e Teerã. “Espero que acabemos com eles de uma vez por todas, eles merecem”, continua ele. E ainda: “É melhor atingi-los pelo ar, para não colocar os soldados em perigo”.
Enquanto a primeira geração de “zadalnikim” permaneceu nostálgica do Líbano e inicialmente se dispersou nos Estados Unidos, Canadá, França e outros países ocidentais, a segunda geração está mais integrada em Israel. Os jovens costumam servir nas forças de segurança do país: Issa, por exemplo, fez parte da unidade de elite do exército israelense Golani. “Este é o meu país, não olho para trás”, explica ele. Retornar ao Líbano tinha se tornado uma perspectiva impensável. Mas quem sabe, agora ele poderia voltar para lá, como seu pai, a serviço do exército israelense.
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Viagem entre os católicos israelenses que ajudam os militares da IDF. Artigo de Davide Lerner - Instituto Humanitas Unisinos - IHU