Por: André | 10 Fevereiro 2015
Propostas por um teólogo e economista australiano, em uma carta aberta a Francisco. Uma contribuição simples e concreta para a reforma da cúria, já em andamento.
A reportagem é de Sandro Magister e publicada no sítio italiano Chiesa, 09-02-2015. A tradução é de André Langer.
A partir desta segunda-feira, e durante os dois dias subsequentes, os nove cardeais do conselho que auxiliam o Papa no governo da Igreja universal farão um resumo do trabalho realizado até o momento no que se refere à reforma da cúria.
E nos dias 12 e 13 de fevereiro, submeterão suas propostas ao exame de todo o colégio cardinalício, reunido no consistório.
O consistório será secreto, mas em todo caso nenhuma conclusão será tirada. O próprio Papa Francisco tomou seu tempo e postergou qualquer decisão para ao menos 2016.
De fato, as propostas que vazaram até agora parecem estar ainda muito longe de configurar um projeto orgânico. Incluem, por exemplo, a unificação de um determinado número de oficinas curiais em duas novas congregações, uma para a justiça e paz e a outra para a família e o laicato, articuladas, cada uma delas, em cinco departamentos. Mas não há nenhum acordo sobre o seu funcionamento prático.
Existe a mesma incerteza no que diz respeito a alguns dicastérios chaves já existentes, como a Secretaria de Estado, a Congregação para a Doutrina da Fé e a Congregação para os Bispos.
A Secretaria de Estado está em processo de mudança; junto a ela encontra-se a recém criada Secretaria para a Economia, mas ainda não se tem nenhuma ideia em relação às competências que lhe serão finalmente atribuídas e quais não.
A Congregação para a Doutrina da Fé, entre cujas tarefas está o controle – palavra por palavra – da correção dogmática de todos os discursos e documentos da Santa Sé e do Papa, é, muitas vezes, desautorizada. Não é raro que suas correções e observações caiam no vazio.
No que diz respeito à Congregação para os Bispos, encarregada de selecionar os candidatos que dirigirão as dioceses, uma inovação que já está em andamento é que funciona de maneira intermitente. Efetivamente, com o Papa Francisco acontece com frequência que seja apenas ele quem escolhe o novo bispo, deixando completamente de lado a congregação com seus procedimentos e ignorando de maneira deliberada as orientações e as expectativas dos episcopados locais. Um clamoroso exemplo desta autocracia papal foi a nomeação do novo arcebispo de Chicago, Blase Cupich.
Em qualquer caso, a reflexão sobre o que poderia ser uma Congregação para os Bispos renovada não avança. A proposta de que os bispos sejam eleitos pelas comunidades locais aparece muitas vezes nos meios de comunicação, mas em nível de puro desejo.
E, portanto, haveria amplo espaço para inovações mais profundas e realizáveis.
O texto que segue indica, de fato, algumas destas possíveis inovações.
Tem formato de carta ao Papa e seu autor é o teólogo australiano Paul Anthony McGavin, da Arquidiocese de Camberra e Goulburn, anteriormente diretor da School of Business da Universidade de Nova Gales do Sul e presidente da junta acadêmica da mesma faculdade, depois sacerdote e pároco e atualmente capelão da Universidade de Camberra, autor de ensaios muito apreciados.
As cinco novidades que ele propõe partem principalmente de uma análise crítica das modalidades concretas segundo as quais os bispos agem em relação aos seus sacerdotes.
Esta análise ocupa a primeira parte da carta, cujo texto na íntegra está disponível em outra página do sítio Chiesa (em inglês).
A seguir, reproduz-se o início da carta e a segunda parte da mesma, com as cinco propostas de reforma da Congregação para os Bispos.
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Carta aberta ao Papa Francisco, de Paul Anthony McGavin
Estimado Santo Padre,
Escrevo-lhe sobre a reforma da Congregação para os Bispos. Você disse que os cardeais, durante o conclave para a eleição do Papa, desejavam que se reformasse a cúria romana e alguns aspectos desta ação conquistaram a atenção do público. No entanto, ficamos sabendo pouco sobre a reforma da Congregação para os Bispos. Gostaria de explicar porque é fundamental.
A referência originária e constituinte da mesma encontra-se em Marcos 3,13-14: “E Jesus subiu ao monte e chamou os que ele quis. E foram até ele. Então Jesus constituiu o grupo dos Doze, para que ficassem com ele e para enviá-los a pregar”.
Naturalmente, você, Santo Padre, tem grande familiaridade com este texto, com a natureza pessoal do chamado que nele se relata e com a natureza colegial do próprio chamado. O que gostaria de destacar como sacerdote diocesano é o “estar com ele”, o estar com Jesus. Esta ênfase poderia ser desenvolvida nos termos da relação entre o sucessor de Pedro e o colégio apostólico dos bispos. Mas antes gostaria de ressaltar e enfocar este “estar com” referido a cada um dos bispos diocesanos “com” os seus sacerdotes. [...]
Poderíamos nos perguntar: “Qual é o vínculo entre estas observações e a reforma da Congregação para os Bispos?” A resposta está na recuperação de um verdadeiro princípio de responsabilidade dos bispos sob o mandato petrino. A Congregação para os Bispos necessita ser remodelada e potencializada novamente como instrumento para a “confirmação dos irmãos” no exercício de um ministério episcopal responsável, que reflete os sentimentos do [documento curial de 2004] “Diretório para o ministério pastoral dos bispos” e dos princípios evangélicos subjacentes.
Como se pode realizar tudo isto? Proponho, na sequência, alguns passos iniciais:
1. Parece que a documentação que é preparada para a visita quinquenal dos bispos ad limina é produzida no escritório do bispo diocesano. Efetivamente, é ele quem escreve o relatório sobre o que foi realizado. O núncio pontifício do lugar pode proporcionar ulteriores informações à cúria romana. Mas a coleta desta informação ulterior não é sistemática e, certamente, não procede da consulta direta do correspondente presbitério diocesano.
Seria preciso recorrer, ao contrário, a um sistema similar àquele utilizado pela Congregação para a Educação Católica quando esta congregação era responsável pelos seminários, com garantias que, no entanto, não estavam presentes nas visitas aos seminários, para garantir que as consultas aos seminaristas não fossem orquestradas pelos reitores dos mesmos seminários.
Uma delegação de visitadores da Congregação para os Bispos deveria fazer-se presente em algumas dioceses selecionadas antes das visitas ad limina ao Papa e à cúria romana. A delegação dos visitadores deveria agir independentemente, tanto dos bispos diocesanos como das conferências episcopais nacionais, dado que uma conferência episcopal age normalmente como uma associação de interesse comum. A delegação dos visitadores deveria ser acessível a todo aquele que queira reunir-se com ela, inclusive os leigos, mas, sobretudo, o clero e os seminaristas. Com a finalidade de que a delegação dos visitadores seja informada de maneira aprofundada, esta deveria incluir competências locais que poderiam proceder do clero e do laicato.
A escolha dos membros da delegação dos visitadores pode ser árdua, porque os bispos e as burocracias episcopais não têm interesse em que esse controle seja desinteressado. Não se exclui que, na seleção de uma delegação de visitadores, o único recurso de que a Congregação para os Bispos dispõe seja o conselho do núncio do lugar.
2. Após o relatório da delegação dos visitadores, a Congregação para os Bispos deveria agir de maneira oportuna e proativa. Na Austrália, raramente aconteceu que se tenha destituído bispos; e quando ocorreu foi com atrasos prolongados. Parece que apenas as aberrações sexuais levam a uma sanção rápida. Mesmo um claro distanciamento da doutrina católica suscita apenas intervenções tardias. Enfim, quando uma administração episcopal não respeita um procedimento canônico correto, parece que não provoca reação alguma.
Os padres estão conscientes do fato de que recorrer à Congregação para o Clero provoca apenas, entre os bispos, táticas de discriminação e procrastinação, pois há uma falta de competência prática na aplicação dos decretos da Congregação para o Clero que sejam favoráveis ao clero. O instinto episcopal para a soberania absoluta e a falta de transparência e responsabilidade tem raízes profundas.
Esta dinâmica manifestou-se recentemente da maneira pública na Austrália, na forma de uma “Comissão Real” e diferentes investigações parlamentares sobre a gestão episcopal dos casos de abusos sexuais contra menores. Em muitos casos foi embaraçoso ver o quanto os bispos se sentem desorientados quando se encontram diante deste tipo de exame público. Esses exames públicos civis foram, em determinados aspectos, mal interpretados, pois centraram a atenção sobre a atuação institucional da Igreja, quando o problema é, sobretudo, a atuação ou não atuação social em um sentido mais amplo. No entanto, estas investigações públicas demonstraram o que acontece quando faltam transparência e responsabilidade na estrutura institucional.
São necessários um pensamento estratégico, um planejamento e uma capacidade de realização do que se pode e se deve fazer para que as visitas ad limina sejam instrumentalmente mais construtivas e para contrabalançar a influência corrosiva e corruptora da falta de responsabilidade episcopal. Trata-se de reconfigurar e potencializar o mandato da Congregação para os Bispos.
3. Do ponto de vista aqui adotado, deduz-se que os atos pontifícios que são iniciativa exclusiva do Papa deveriam ser realizados com prudência e moderação. Não faltam ocasiões para estes atos.
Santo Padre, Seu venerado predecessor incluiu com um motu proprio o nome de José nos textos da consagração eucarística. Há outro texto litúrgico que teria necessidade de uma inserção motu proprio. Refiro-me aos ritos de ordenação ao diaconato e ao sacerdócio nos quais o candidato, de joelhos diante do seu bispo sentado, promete “respeito e obediência” ao seu bispo e aos seus legítimos sucessores.
Lido de maneira isolada, o texto litúrgico não esclarece suficientemente que se trata de um respeito e de uma obediência filiais. Sempre imaginei o quanto seria terrível para nós termos, para o matrimônio, textos litúrgicos nos quais a esposa prometesse “respeito e obediência” ao esposo, mas nos quais o esposo, por sua vez, não prometesse “respeito e honra” à esposa. Para este outro momento litúrgico crucial e público seria necessário incluir um texto que evidenciasse os privilégios e as responsabilidades do bispo quando recebe esta solene promessa por parte de quem se está ordenando.
Esta inclusão poderia fazer com que o bispo que ordena responda: “E eu, da minha parte, te prometo um serviço filial da tua vocação ministerial segundo o modelo de Cristo, meu e teu mestre”. Cada padre e diácono deveria ter a possibilidade de pedir respeitosamente ao seu bispo que dê contas do seu modo de tratar os seus filhos e irmãos no ministério sagrado.
4. Há, entre os bispos, uma percepção prática insuficiente de que seu episcopado deve ser exercido por “um homem sob autoridade”, e que um elemento crucial desta “autoridade” é o Código de Direito Canônico. Certamente, a autoridade dos bispos é pessoal, mas é também uma autoridade que é exercida canonicamente, e é exercida olhando para os procedimentos corretos.
A responsabilidade dos bispos deveria comportar o controle da observância das leis canônicas em suas administrações, assim como também o controle da coerência no respeito dos procedimentos corretos. Na Austrália, diante da “Comissão Real”, os bispos descreveram a Congregação para o Clero – “o Vaticano” – como um obstáculo às suas políticas de proteção da infância, quando na realidade a Congregação para o Clero pedia que os bispos observassem o justo procedimento canônico em sua gestão dos casos. Em seu perfil estratégico a Congregação para os Bispos necessita de uma atitude dinâmica quando pede aos bispos que deem conta da justa administração canônica em todos os aspectos do governo episcopal.
5. Muito frequentemente as dioceses sofrem estranhos intervalos prolongados entre os mandatos episcopais. As razões disto podem ser muitas e complexas, mas, mesmo assim, está claro que a Congregação para os Bispos não está suficientemente estruturada para uma ação estratégica clarividente em matéria de sedes episcopais vacantes.
Experimentar interregnos prolongados enfraquece tanto as dioceses como os padres diocesanos. Os administradores diocesanos não têm a possibilidade de iniciar novos planos e, deste modo, os planos e os programas do bispo precedente se consolidam, inclusive os desaconselhados e aqueles que não funcionam corretamente. Os padres se adaptam a estar sem bispo e este não é um bom costume para um presbítero diocesano.
Sem dúvida, há muitas outras coisas que poderiam ser ditas sobre o tema da reforma da Congregação para os Bispos. Mas estas poucas considerações poderiam proporcionar um fio condutor, do ponto de vista de um padre diocesano com grande experiência de alto nível na ordem civil e com algumas décadas de ministério diocesano, longe dos centros de influência e com a vantagem de ser um observador imparcial.
Respeitosamente confia-as a você, Santo Padre.
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Cinco novas ideias sobre como selecionar os bispos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU