Contragolpe. Destaques da semana

Arte: Marcelo Zanotti | IHU

Por: Cristina Guerini | 23 Novembro 2024

O assunto da semana não podia ser outro: Contragolpe, a operação da Polícia Federal que montou o quebra-cabeça da tentativa de golpe após as eleições de 2022, que foi impresso e agora pode ser auditado. O plano de assassinar Alexandre de Moraes, Lula e Alckmin são a cereja do bolo do plano golpista. A prisão do alto escalão da Caserna e o indiciamento de 37 outros envolvidos, entre eles, Jair Bolsonaro, escancaram o submundo do crime que ainda ronda os Três Poderes, agora travestido de homem-bomba. Continuamos repercutindo a instalação do governo trumpista, o limiar de uma nova frente de guerra na Ucrânia, as decisões do G20 e a COP29. Também é tempo de fazer memória. Esses e outros assuntos nos Destaques da Semana do IHU.

Confira os destaques na versão em áudio.

Punhal verde e amarelo

O Brasil amanheceu na terça, 19 de novembro, mais uma vez, estarrecido com as manchetes, que agora percorrem o mundo. A inacreditável tentativa de golpe, cunhada de Punhal Verde e Amarelo, e o plano de assassinato contra a chapa vencedora das eleições presidenciais em 2022 e o ministro do STF evidenciam a fragilidade da nossa jovem democracia. Contudo, as investigações demonstram que as instituições estão funcionando e já colocaram na prisão membros da elite do Exército brasileiro. No dia 21, a novela ganhou mais um capítulo com o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 36 pessoas dos núcleos bolsonarista e militar. Para analisar a trama golpista e seus impactos, o IHU conversou com Rudá Ricci, João Pedro Schmidt e Miguel Rosseto

Jogo democrático

Os inquéritos mostram que o atentado do homem-bomba ao STF na semana passada não foi fato isolado, como pontuou Christian Dunker. Em outra análise, Fernando de la Cuadra assinala que “o ataque pode ser lido muito claramente a partir deste sentimento de triunfo global da extrema-direita que a recente vitória de Trump provocou no Brasil – e no resto do planeta. Se Bolsonaro conseguirá reverter as decisões da justiça [...] embora deva ser reconhecido que após a vitória indiscutível nas eleições municipais de outubro passado, os setores ultraconservadores se sentem mais encorajados a quebrar o tabuleiro e as regras do jogo democrático para impor um regime autocrático nos próximos anos”. 

Regressão democrática

A erosão democrática em escala global está onde cresce a antipolítica, a apatia, a indiferença e a insatisfação com o funcionamento da democracia, é onde com mais força aparecem fenômenos como os candidatos excêntricos e outsiders, que conseguem manter níveis notáveis de apoio, apesar da virada antissocial e autoritária que impõem, argumenta Mario Ríos Fernández. Para o autor, “a regressão se materializa no baixo apoio à democracia, no aumento da indiferença ao tipo de regime político — o que leva à aposta por projetos políticos de duvidosa trajetória democrática —, no colapso do desempenho dos governos e na busca por lideranças unipessoais e excepcionais, e na crescente imagem negativa dos partidos políticos. Esses fatores abrem a porta para atitudes favoráveis ao autoritarismo”, sublinha. E, no caso brasileiro, o iletramento digital parece ser um forte componente que leva à adesão a projetos autoritário, haja visto as reações às revelações sobre a trama golpista. Para manter e defender suas ideias, as pessoas acusam as instituições, a democracia e os meios de comunicação como se fossem estes os atores de um complô contra os golpistas.

Deriva fascista

As respostas prontas para a estrondosa vitória trumpista já não dão conta de entender o fenômeno. Por isso, atentar para as perguntas que ainda não fizemos é crucial, apontam Giuseppe Cocco, Murilo Corrêa e Allan Deneuville. Os autores trazem cinco paradoxos que nos ajudam a compreender por que as mobilizações democráticas têm falhado. Os pesquisadores ainda argumentam que os sujeitos pobres "fazerem tudo por si mesmos, apoiando-se estrategicamente nas relações de sujeição que tocam seus corpos, conforme elas encarnem a promessa de um potencial de maximização de suas liberdades. Esse desejo é uma forma de crença no único futuro realista – mínimo, infinitamente contraído, autorreferente, e sediado num planeta em que a vida apenas começou a desmoronar".

Estratégia populista

Estamos publicando diferentes análises que tentam compreender esse fenômeno mundial, mas cabe destacar a de Slavoj Žižek, filósofo esloveno. Para ele, "talvez a melhor caracterização de Trump seja a de que é liberal, ou seja, um fascista liberal, a prova definitiva de que o liberalismo e o fascismo funcionam juntos, que são dois lados da mesma moeda. Trump não é apenas autoritário, seu sonho também é permitir que o mercado funcione livremente em sua faceta mais destrutiva, da especulação brutal à rejeição de todas as limitações éticas nos meios públicos (contra o sexismo e o racismo) por considerá-las uma forma de socialismo". No seu ensaio, ainda defende que “a religião como força é o efeito da desintegração pós-política da sociedade, da dissolução dos mecanismos tradicionais que garantiam vínculos comunitários estáveis. A religião fundamentalista não é apenas política, é a própria política, ou seja, sustenta o espaço para a política. E o mais perturbador ainda é que não é mais apenas um fenômeno social, mas a própria textura da sociedade. De modo que, de certa forma, a própria sociedade se torna um fenômeno religioso", classifica.

Neoliberalismo autoritário

Sob o neoliberalismo autoritário, as nomeações de quem vai compor o governo trumpista seguiram essa semana. Inclusive com declarações do presidente eleito de que vai cumprir com seu plano de deportação em massa de migrantes usando militares. Algo que já surge como controverso entre o empresariado norte-americano, que prevê queda do PIB por conta da ausência de mão de obra estrangeira. Um negacionista e defensor dos fósseis, Chirs Wright, estará à frente as das políticas de energias renováveis. O nacionalismo, indica José Fiori, deverá guiar as políticas internacionais nos próximos quatro anos.   

Retomando a confiança

Enquanto a extrema-direita continua com seu discurso radicalizante, que fez Trump e outros ganharem as eleições, a esquerda mantém uma postura quase apática, fazendo o jogo do sistema. Crítico a esse marasmo, o filósofo Renato Janine Ribeiro propõe a criação de “estratégias de mobilização e educação política, como as universidades de verão dos partidos europeus, em especial portugueses e franceses, que são grandes eventos de formação política para jovens”. Além disso, instiga ao PT a olhar para base, a procurar entender os desejos das pessoas.

Superando o pensamento mágico

Para caminhar em direção a um futuro mais democrático, reposicionando a esquerda no mundo, “é fundamental centrar na democratização do Estado e na melhoria da qualidade dos serviços públicos. Um Estado mais democrático é a única instituição social com peso suficiente para se contrapor à lógica da acumulação capitalista e condição necessária para darmos passos mais avançados na direção da socialização dos meios de produção e na construção de uma democracia substantiva”, destaca a análise de Mauro Patrão, professor da UnB. Outro problema, coloca o autor, é o pensamento mágico. “Acreditar que o pensamento positivo na análise da conjuntura faz com que a conjuntura fique mais positiva”, acrescenta.  

G20: vitória diplomática

A Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, assinada por 82 países signatários, foi lançada na abertura da cúpula do G20. A reunião no Rio de Janeiro mostrou a força diplomática de Lula e do Brasil no cenário internacional. No documento final do encontro dos Líderes do G20, estão entre os temas prioritários o combate à fome e à pobreza e a taxação de super-ricos. Entre esse seleto grupo, composto por cerca de 3 mil pessoas, verifica-se que a taxa média de imposto está entre zero e 0,5%. Além disso, o financiamento climático está entre os pontos do documento, mas, no final das contas, o G20 não aportou recursos, como era esperado pela COP29. A conferência do clima deve encerrar essa sexta com um plano de financiamento muito aquém do esperado, isso se houve acordo. 

Fantasma nuclear

A autorização do presidente Biden para o uso de mísseis com capacidade de alcançar 300 km dentro da Rússia é uma vitória para a Ucrânia, mas que pode deflagrar uma nova etapa. Em retaliação ao uso do armamento, Putin disparou um míssil balístico hipersônico, escalando ainda mais o conflito e agitando o fantasma nuclear. Outra autorização dos Estados Unidos que fez Putin acusar os norte-americanos de prolongar a guerra, foi a aprovação do fornecimento de minas terrestres antipessoais à Ucrânia. Classificadas como instrumentos traiçoeiros de morte, as minas terrestres matam e mutilam inocentes ao redor do mundo, especialmente crianças. 

Genocídio

Que o extermínio provocado por Israel em Gaza pode ser classificado como genocídio, não é novidade por aqui. A peculiaridade dessa informação está na mudança do discurso papal em relação ao assunto. Essa semana o papa Francisco solicitou uma investigação para avaliar se ocorre genocídio em Gaza. A importância está no posicionamento de quem ocupa destaque na liderança mundial. Há muitos favoráveis à declaração do papa, mas também relutantes, que o acusam o pontífice de antissemita. A expedição de mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional contra Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro, e seu antigo ministro da Defesa, Yoav Gallant, por crimes de guerra e contra a humanidade, é mais aceno da comunidade internacional para tentar frear a guerra que está dizimando a Faixa de Gaza. Aliás, essa semana, mais um ataque israelense em Beit Lahia, onde se encontraram os corpos de recém-nascidos com mamadeiras entre os escombros. 

Celebremos os santos nossos de cada dia

Na esteira do Jubileu de 2025Francisco lançou um novo pedido às Igrejas locais: comemorar e honrar anualmente as figuras espirituais locais – santos, veneráveis e servos de Deus de suas regiões. Uma proposta ao estilo Bergoglio, que tem suas ideias fundamentadas na Teologia do Povo. É um ato para fazer memória aos santos do cotidiano, que são as pessoas que vivem a vocação cristã no dia a dia, em cada gesto, em cada ação popular, enfrentando a fome, a miséria e as adversidades com alegria e esperança. 

Martírio

Na semana que passou fizemos memória ao que ficou conhecido como Massacre da UCA. O martírio dos jesuítas Ignacio Ellacuría, Segundo Montes, Ignacio Martín-Baró, Amando López, Juan Ramón Moreno, Joaquín López, e da trabalhadora da UCA Elba e sua filha de 16 anos, Celina Ramos, ambas salvadorenhas, tem um novo desdobramento. 35 anos após o crime, ocorrido em 16-11-1989, O Segundo Tribunal de Instrução de San Salvador enviou na segunda-feira a julgamento 11 acusados de serem os mentores do crime, entre eles, o ex-presidente el-salvadorenho Alfredo Cristiani.

Desejamos uma boa semana a todas e todos!