23 Novembro 2024
"A própria teologia do sacerdócio deve ser revista e renovada, não digo revolucionada. A imagem do sacerdote numa relação vertical com Cristo precisa ser repensada", escreve Francesco Strazzari, cientista político e professor de Relações Internacionais na Scuola Universitaria Superiore Sant’Anna, em Pisa, na Itália, citando Yves Congar. O artigo é publicado por Settimana News, 19-11-2024.
Já em 1943, no livro de Godin e Daniel, intitulado França, um país de missão, tomou consciência do declínio das vocações e dos sacerdotes. Desde então, houve uma proliferação de livros sobre o assunto; foram realizadas investigações e realizadas conferências e assembleias plenárias do episcopado para investigar as causas e propor planos estratégicos.
Em 1968, ano dos protestos estudantis, Jacques Duquesne, prestigiado escritor e jornalista católico, colocou uma questão perturbadora ao público em geral. “Amanhã, uma Igreja sem sacerdotes?”
O corajoso bispo de Orléans, dom Guy-Marie Riobé escreveu no Le Monde: "Para viver, as comunidades cristãs precisam de sacerdotes. As comunidades têm o direito de ter uma palavra a dizer na eleição dos seus ministros. Muitas vezes há dentro deles homens dispostos a colocar-se ao serviço dos irmãos, a receber formação, a assumir um ministério. Por que recusar a ordenação de sacerdotes leigos casados, se não porque existe um bloqueio ao celibato, ligado a uma imagem inaceitável da sexualidade?”
O bispo pediu para reabrir a questão, que parecia ter sido prejudicada pela publicação de um documento do Vaticano sobre o valor do celibato. A Santa Sé recordou Riobé com certa dureza, mas a situação tornou-se cada vez mais dramática e a obstinação de Roma foi criticada até por teólogos nada inescrupulosos.
A revista Témoignage Chrétien publicou nessa época uma importante investigação realizada pelo Instituto Francês de Opinião Pública sobre a imagem do padre. Quanto ao celibato, 2 de cada 3 franceses eram contra. 73% acreditavam que era normal o padre exercer uma profissão.
No início da década de 1980 registaram-se alguns fenômenos típicos de um declínio do cristianismo na França: o declínio vertical da prática religiosa, o envelhecimento do clero, o abandono frequente do ministério na faixa etária entre os 35 e os 45 anos, o número reduzido de as admissões no seminário, o declínio da Ação Católica e também o cansaço da investigação teológica.
No dia 6 de dezembro de 1983 conheci dom Jean Vilnet, novo presidente da Conferência Episcopal Estudos no Instituto Católico de Paris, na Sorbonne e em Roma. Ex-reitor do seminário de Chalons-sur-Marne, bispo de Saint-Dié desde 1964, vice-presidente da Conferência Episcopal em 1978.
Muitas questões são abordadas. Uma diz respeito às “assembleias dominicais sem sacerdote”. Pergunto se estão satisfeitos ou pensando em outras soluções, ordenar homens casados, por exemplo. A resposta: "No momento chamamos ao sacerdócio os jovens que aceitam o compromisso do celibato. Os católicos franceses ainda não estão preparados para ter homens casados como líderes comunitários. É uma questão de tempo e maturidade".
Estas poucas palavras foram suficientes para irritar Roma. Vilnet foi repreendido pela Cúria Romana. "Não se iluda – Senhor Presidente da Conferência Episcopal – disseram-lhe: a concessão do sacerdócio aos homens casados é uma utopia". Eles recorreram a todos os meios para fazê-lo se retratar.
Perguntei ao famoso teólogo dominicano Yves Congar, que conheci em dezembro de 1981 no convento dominicano da Rue des Tanneries, em Paris, a sua opinião sobre o celibato obrigatório: "É um problema muito difícil, mas não vejo uma única solução. Existem razões para o celibato gratuito e razões para o celibato obrigatório. Vejo que há um grande número de vocações para o ministério, mas não para o celibato e muitas vezes são vocações profundas.
Vejo que, para os jovens, o celibato não é um sinal tão forte. As estatísticas dizem isso. Há o problema dos padres casados. Pessoalmente, sou da opinião – já o disse e escrevi várias vezes – que é possível conceder o sacerdócio a homens casados. Conheço pessoalmente alguém que poderia ser um padre muito bom. Na minha opinião, poderia ser o capelão do hospital. Penso que deveria ser o Conselho Pastoral quem decide e julga caso a caso. Conheci e conheço pessoalmente casos de jovens que se tornariam sacerdotes de boa vontade se não existisse a lei do celibato. Acredito verdadeiramente que a questão do celibato é uma das causas da crise do mistério ordenado.
A própria teologia do sacerdócio deve ser revista e renovada, não digo revolucionada. A imagem do sacerdote numa relação vertical com Cristo precisa ser repensada. É verdade que o sacerdote tem o poder de consagrar, de perdoar os pecados. Na teologia, a partir da Idade Média, o sacerdote é definido unicamente a partir da sua relação com Cristo. O sacerdote hoje deve ser considerado a partir da relação horizontal, da relação com a comunidade cristã. É em função da comunidade que o sacerdote é ordenado”.
Hospitalizado nos “Invalides”, fui visitá-lo. Brincamos – o que é muito raro – com algumas figuras proeminentes, incluindo as da Cúria Romana. Coloquei na cabeça dele o novo chapéu de cardeal e ele se deixou fotografar. "É ridículo!" e abriu um sorriso. Ele me desejou uma boa viagem. “Até a próxima”, disse ele, acompanhando-me com seu olhar. Foi o último encontro tocante porque ele faleceu em 22 de junho do mesmo ano (1995).
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Memórias Parte 4: França: Igreja sem padres? Artigo de Francesco Strazzari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU