Por: Jonas Jorge da Silva | 06 Junho 2017
O tema era As raízes da desigualdade social no Brasil, mas como grande economista que é, Ladislau Dowbor (PUC-SP) não se restringiu aos traços históricos de nossas mazelas sociais, ao contrário, tornou a conferência uma aula, olho no olho, a respeito da complexidade do sistema econômico atual, no qual, por não ser uma ilha, o Brasil está profundamente imerso. Este economista, de uma longa história de resistência e defesa da democracia, mesmo nos períodos mais sombrios da ditadura civil-militar, esteve presente na terceira etapa do ciclo de estudos Brasil: conjuntura, dilemas e possibilidades, no último sábado, dia 03 de junho, em Curitiba. A atividade é promovida pelo CEPAT em parceria com o Núcleo de Direitos Humanos da PUCPR, Cáritas Regional Paraná e apoio do IHU.
Ladislau Dowbor não gosta de ideias simplistas, o que procura, sim, é tornar mais simples para as pessoas o que é a economia e como ela faz parte da nossa vida, nas mais diversas áreas. Lamenta muito a forma como o debate sobre a economia é enviesado e truncado, distanciando as pessoas comuns da compreensão de algo vital para o funcionamento da sociedade.
Nessa sua busca em aproximar a economia das pessoas comuns, já escreveu vários livros e artigos elucidativos a respeito dos dilemas do atual sistema econômico mundial e das alternativas que a sociedade brasileira precisa incorporar em sua agenda.
Não existe receita fácil para resolvermos nossos problemas políticos e econômicos rumo a uma sociedade que busque a superação de nossa histórica desigualdade social. Alguém mais afoito, dispensaria toda sua energia em batalhar pelo “Fora Temer”, mas a resposta não passa simplesmente por aí, já que não são simplesmente os indivíduos, mas, sim, o modo como o sistema funciona que está viciado em sua raiz.
Dowbor está convencido que as coisas só funcionam em prol dos interesses da cidadania, se as pessoas são capazes de se organizar em torno de seus interesses. É preciso construir novos caminhos, a partir do controle da sociedade sobre os seus recursos, o que chama de “democracia de rédeas curtas.
(Foto: Cepat)
O experiente economista, perseguido pelos ditadores brasileiros, acabou tendo a oportunidade de viajar por diversos países, conhecer diferentes experiências e trabalhar em vários projetos de desenvolvimento de estratégias econômicas para a superação de problemas específicos de regiões da África, Europa e América Latina. Foi a partir de uma longa experiência de vida e trabalho que chegou à conclusão que ‘esquemões’, repletos de maniqueísmos, a partir de extremos (capitalismo x socialismo, privado x público), não servem para nos ajudar a transformar a realidade de vida das pessoas. Ao contrário, o sectarismo ideológico e os ódios só alimentam a ignorância e distancia as pessoas da busca de alternativas.
Por essa razão, não perdoa o que chama de cretinice das elites brasileiras, que buscam manter os privilégios seculares, a partir da visão de que os pobres devem “permanecer em seus lugares”. O pensamento único empobrece e, em termos econômicos, isso não funciona. As disparidades sociais só fazem aumentar o círculo vicioso da violência, intolerância e marginalização social. Seria possível ter uma realidade social muito diferente, se não fosse a visão curta e mesquinha dessas elites. “No Brasil podemos ter democracia, desde que não a utilizemos”, critica.
É preciso que as pessoas passem a compreender melhor como funciona a economia e quais são as questões fundamentais para uma melhoria na qualidade de vida delas. “Uma democracia que não controla o uso de seus recursos, que democracia é?”, questiona o economista. A sociedade, a partir de sua organização, precisa aprofundar a democracia, buscando ter o controle sobre o que acontece com os recursos públicos e os diversos potenciais que temos.
Para Dowbor, diante da complexidade da forma como a economia está organizada hoje, também é necessário que a luta sindical ultrapasse as reivindicações específicas da categoria e faça alianças com outros atores a partir das demandas locais. A luta por melhores salários é importante para combater a desigualdade de renda, contudo, isso não é o suficiente. Existem melhorias em setores fundamentais da sociedade, como na saúde, educação, cultura, lazer, saneamento básico, mobilidade urbana, etc., que uma vez alcançadas podem ser consideradas um salário indireto para toda a população. Para isso, é preciso privilegiar um sistema público que garanta o investimento nas pessoas, sem se resumir a atender os interesses daqueles que mais lucram com as desigualdades sociais.
O que se vê hoje é que a alarmante desigualdade social, a devastação ambiental e o descontrole financeiro travam o dinamismo de uma economia em favor da vida. A preocupação dos economistas de plantão gira em torno do aumento do Produto Interno Bruno, que se trata de uma arma ideológica que escamoteia as verdadeiras deficiências do sistema econômico, quando o assunto é o bem-estar de toda a sociedade.
Além disso, no cenário atual, os lucros provenientes da especulação crescem exponencialmente, ao passo que a economia real fica estagnada. Trata-se da prevalência do capital improdutivo sobre o capital produtivo. Ou seja, os mais ricos preferem ganhar mais com os papéis do que investindo na indústria e serviços que realmente beneficiem a vida da maioria. No caso brasileiro, com os juros exorbitantes, os bancos lucram absurdos a partir do endividamento da população. Infelizmente, a lógica do enriquecimento fácil prevalece em detrimento de uma organização econômica que, de fato, esteja planejada racionalmente. Sem falar do absurdo dos paraísos fiscais, que provocam grande dano para toda a sociedade.
Dowbor também ressaltou que é necessário repensar o que se produz, para quem a produção se destina e quais são os impactos ambientais da mesma. O capital improdutivo e as grandes fortunas precisam ser taxados, a partir da mudança nas relações de força, uma tarefa nada fácil. Ao invés dos grandes bancos utilizarem a poupança da população para obter lucros exorbitantes, a próprio sociedade deveria se organizar em cooperativas onde o dinheiro do cidadão fosse investido nas necessidades de sua comunidade. Assim, seria possível pensar em soluções para melhorar a qualidade de vida de todos, recuperando espaços públicos e recursos que são essenciais para a qualidade de vida nas cidades. Para o economista, não se trata de se fechar em um esquema privatista ou estatista, mas, saindo do simplismo dessa dicotomia, desenvolver sistemas de economia mista que melhor se encaixem na realidade de cada lugar e experiência.
Ladislau Dowbor disponibiliza um blog (http://dowbor.org) com uma grande riqueza de materiais, entre eles artigos e livros que podem ser baixados gratuitamente. Pode-se destacar, por exemplo, o recente livro O pão nosso de cada dia: processos produtivos no Brasil (Fundação Perseu Abramo, 2016), onde é possível ter uma visão geral da economia, a partir de seus mecanismos e articulações, tendo como foco os desafios que precisam ser enfrentados pelo Brasil.
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“Uma democracia que não controla o uso de seus recursos, que democracia é?” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU