19 Julho 2016
Para ajudar uma pessoa viver um amor ordenado, deve-se privilegiar, em primeiro lugar, a reconquista do amor, ou a reconquista da ordem?
A pergunta é de Gilberto Borghi, (1) em artigo publicado no blog Vino Nuovo, 14-07-2016. A tradução é de Ramiro Mincato.
Eis o artigo.
Não há como negar que a dimensão sexual é aquela em que a distância entre as diretivas éticas do magistério e a realidade vivida pelos fiéis de hoje, é máxima. Neste contexto, alguns teólogos católicos estão ocupados em pedir ao Papa Francisco uma interpretação oficial de 19 frases contidas em Amoris Laetitia como o artigo do Grillo publicado hoje que, dizem eles, são ambíguas. Convencidos, talvez, de que assim se possa parar a "deriva sexual", devida, segundo eles, da condição cultural atual, em que a desorientação ética e a subjetividade do juízo são os mestres.
Na verdade, acredito que é realmente prejudicial, para a fé e para a saúde mental dos crentes, esta maneira de colocar a "resposta” católica na deriva subjetivista e na desconstrução das referências éticas tradicionais. Em particular, precisamente, em matéria sexual. A hipótese da qual partem estes teólogos, é que a certeza e a firme clareza da regra ética protege contra o mal. Sobre isto, levanto duas ênfases muito problemáticas contra eles. A firmeza e o absoluto da regra provoca, ao contrário, medo do pecado a ser evitado a qualquer custo, como se através do medo, se pudesse realmente crescer mais em nossa vida de fé. Na verdade, o magistério já definiu exatamente o contrário: "A percepção do mal provoca ódio, aversão e medo do mal que está por chegar. Este movimento se completa na tristeza do mal presente ou na cólera que a ele se opõe". (CIC n . 1765). Ou seja, do temor do mal surge apenas o próprio mal e a cólera a ele conexa. Não cresce a fé, e pior ainda nos afasta da alegria de sermos salvos.
Em segundo lugar, a precisão e a clareza da regra leva a pensar que por meio do esforço consciente posso manter-me dentro das regras e, sentir-me, assim, "certo" com Deus, como se eu fosse capaz de salvar-me a mim mesmo. E aqui também o Magistério faz ouvir sua voz: "A preparação do homem para acolher a graça é já uma obra da graça. Esta é necessária para suscitar e manter nossa colaboração na justificação pela fé e na santificação pela caridade. Deus completa em nós aquilo que começou, pois começa, com sua intervenção, fazendo que nós queiramos e acaba cooperando com as moções de nossa vontade já convertida" (CIC n. 2001). Assim, de seu, o homem coloca apenas a disponibilidade para deixar-se converter e o desejo de colaborar com a ação interna do Espírito. Bem outra coisa que o esforço da vontade para autossalvar-se, permanecendo dentro das regras!
A redenção cristã não fica de pé pelo respeito da Lei. São Paulo é muito claro sobre a pervasividade do pecado, e sobre a não eficácia salvífica da Lei: “eu não conheci o pecado, senão pela Lei. Pois não conheceria a cobiça se a Lei não dissesse: Não cobiçarás. Mas foi o pecado que, aproveitando-se da ocasião dada pelo preceito, excitou em mim todas as cobiças, porque sem a Lei, o pecado estava morto. Outrora, sem a Lei, eu estava vivo mas, com a vinda do preceito, o pecado reviveu, e eu fiquei morto” (Rm 7, 7-10). Ou seja, a lei serve para revelar o pecado, mas não tem nenhuma possibilidade de libertar do pecado. Ao contrário, aumenta o efeito do mal. O próprio Paulo diz: "Deus encerrou a todos na desobediência, para usar com todos de misericórdia " (Rm 11,32). É a graça de Deus, portanto, isto é, o seu amor gratuito, que nos salva: "O que era impossível para a Lei, visto ser fraca devido à carne, Deus o fez, tendo enviado o seu próprio Filho em estado de solidariedade com a carne do pecado, e em sacrifício pelo pecado, condenou o pecado na carne" (Rm 8,3).
Se as coisas são assim, o princípio formal efetivo da escolha ética concreta para a pessoa é sua consciência. Ainda o magistério: "No íntimo da consciência, o homem descobre uma lei que ele não colocou sobre si mesmo, mas à qual deve obedecer. Esta voz, sempre chamando-o a amar, a fazer o bem e evitar o mal, no momento oportuno ecoa em seu coração: faz isto, evita aquilo" (Gaudium et Spes n. 16). Santo Tomas chega até a dizer que o homem deve sempre seguir a própria consciência, mesmo que esta esteja no erro, ao ponto de afirmar que o incrédulo pecaria se aderisse, contra suas convicções, à fé proposta pela Igreja. E Francisco acrescenta: "Também nos custa deixar espaço à consciência dos fiéis, que muitas vezes respondem o melhor que podem ao Evangelho no meio dos seus limites e são capazes de realizar o seu próprio discernimento perante situações onde se rompem todos os esquemas. Somos chamados a formar as consciências, não a pretender substituí-las” Amoris Laetitia, n. 37).
E se o princípio formal é a consciência, o princípio fundamental, isto é, o conteúdo, é o amor, e não a correspondência a uma lei externa. "As paixões são muitas. A paixão mais fundamental é o amor provocado pela atração do bem. O amor causa o desejo do bem ausente e a esperança de alcançá-lo. Este movimento tem a sua conclusão no prazer e na alegria do bem possuído "(CIC n. 1765). A guiar-nos, a saber, a moral cristã, é o amor, o prazer e a alegria a ele conjuntos. A lei externa só tem a tarefa de assinalar, em sede de verificação ética, se você está caminhando na direção certa ou não. Mas não tem capacidade de dar ao homem a força de caminhar.
Isto não significa que não se podem dar orientações éticas objetivas no cristianismo. É objetivo que a relação sexual fora do matrimônio, em geral, não é bom para o homem. Mas para Franco, acostumado a ter relações com qualquer mulher, sem compromissos sentimentais, e agora parece realmente enamorado de Helena, ter relação sexual com ela e só com ela, mesmo antes do casamento, pode ser uma indicação de progresso moral, não necessariamente de seu fracasso. Mas quem pode realmente reconhecer essa positividade senão a sua própria consciência? Nem mesmo seu diretor espiritual, admitido que o tenha, pode ter certeza de que tal ato possa realmente ser um progresso ético. E se for honesto, deverá ajudar Franco a ler a sua própria consciência, e não, a substituir-se a ela.
Então a questão é esta: para ajudar estas pessoas a chegarem a um amor ordenado, deve-se privilegiar, em primeiro lugar, a reconquista do amor ou a reconquista da ordem? No plano ético, para o Cristianismo, vem antes a ordem ética ou o amor? Se também aqui olhamos para o Evangelho, cada vez que Cristo encontra alguém, em primeiro lugar, Ele o ama, o faz sentir-se amado, assim como é, na condição em que está. E quando se abre para a fé, Cristo o reconhece e o indica à pessoa. Só depois, no final do encontro, avança uma afirmação ética para sua vida, depois que ele se deixou converter por aquele amor que recebeu. A fé nasce do amor, não da ordem ética. Que no máximo, é uma consequência. A primeira coisa, portanto, a que se deve olhar, não é a ordem, mas o amor. É dali que se deve partir e fazer crescer. Porque o amor é o motor da vida cristã.
Em vez disso, muitas vezes, a Igreja ainda dá por descontado que seja a ordem ética a base da fé. Na realidade, não é a base, mas, no máximo, uma consequência. Uma regra externa, de fato, pode ser observada também, sem motivação no amor de Deus. Diante de fortes pressões culturais e por meio de um esforço da vontade, posso impor-me a permanecer dentro da regra, mas vivida assim, não tem nenhum valor de amor. "Se eu entregar meu corpo para ser queimado, mas não tiver amor, nada disso me aproveita" (1 Cor 13,3). A respeito da regra de per si, portanto, ela nada diz respeito do meu real crescimento interior, do amor e da fé. Não é garantia suficiente. Muitas vezes, até quarenta anos atrás, numa fé apoiada sobre a cultura e sobre suas regras, muitos casamentos, talvez, duraram por anos, com uma sexualidade feita pelo "uso" do outro, sobretudo do homem sobre a mulher, sem que houvesse violação das regras objetivas da fidelidade. E, frequentemente, o casal dava por descontado, que isto estava certo, porque a regra, em todos o casos, estava observada.
O coração da vida sexual, no entanto, baseia-se no amor, na doação de si no relacionamento erótico. A consequência disto, hoje, é que o percurso educativo exigido, no plano sexual, deve colocar no centro o desejo de amor, e não tanto, e principalmente, sua conduta ordeira. Se buscamos, hoje, como primeiro objetivo, a recomposição de uma ordem ética, ao invés do desenvolvimento de um amor efetivo, corremos o risco de ser engolidos pelo sistema pós-moderno, que, como um computador, pré-organiza tudo, para manter o controle total sobre as pessoas, até mesmo sobre sua capacidade de amar, que, deste modo, morre ao nascer. O que a Igreja, muitas vezes, preocupada com a objetividade ética ainda não consegue ver, arriscando tomar-se o lado mais deletério da pós-modernidade, é que a anulação do valor da pessoa, como ser único e irrepetível, anula a sacralidade da consciência, com o resultado de sua potencial "comercialização". Uma lógica na qual o espaço para o amor se aniquilou.
Nota biográfica do autor
1.- Nasci em Faenza, no início dos anos 60, tentei tornar-me padre, mas depois percebi que não era o meu negócio. Em seguida, estudei muito, talvez para compreender-me e encontrar-me. Primeiro Teologia, depois, Filosofia, em seguida, Psicopedagogia e finalmente, Pedagogia Clinica ... (todo mundo tem seus demônios!). Ensino Religião, sou Formador para a cooperativa educacional Kaleidos e o Pedagogista Clínico.... Trabalho para fazer as pessoas se sentirem melhor, o quanto é possível... Neste site, tento dizer o que está acontecendo nas minhas aulas, e oferecer algumas reflexões. Daqui nasceu o livro, publicado em 2013, intitulado: Un Dio inutile.
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O que alguns teólogos não compreendem da Amoris Laetitia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU