11 Julho 2016
Certamente, não se pode dizer que, nas crônicas do massacre de Dhaka, Faraaz Hossain não ganhou o espaço que merecia: pudemos todos ouvir a sua história, a do estudante muçulmano que, embora tendo a possibilidade de sair do Holey Artisan Bakery, optou por ficar ao lado das suas amigas não muçulmanas, aceitando, assim, morrer com elas. É a história "contra a corrente", aquela que nos faz dizer que "não são todos assim".
A reportagem é de Giorgio Bernardelli, publicada no sítio Vino Nuovo, 06-07-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Pensem nisto: não há estação da infinita via sacra do terror que não tenha também esse rosto. Que, aliás, também não é tão singular: a minha pequena experiência pessoal é de que, quanto mais se buscam histórias desse tipo, mesmo em dias terríveis, mais elas se encontram.
Apenas mais alguns exemplos justamente destas horas: ainda em Dhaka, à mesa com os empresários italianos, também havia uma bengalesa colega deles, Ishrat Akhond, uma mulher que lutou nos últimos anos para libertar as crianças das fábricas e mandá-las para a escola. Também ela foi morta pelos jihadistas (com todo o respeito àqueles que – com tanta desenvoltura e vontade de respostas fáceis –, nestas horas, manejam com o machado um tema complexo como as condições de trabalho em Bangladesh).
Na corrente de dor destas horas, porém, não existe apenas Dhaka. Por exemplo, há também a já trágica cotidianidade da intifada das facas em Israel e na Palestina. Onde – depois de uma israelense de 13 anos morta na sua cama por um palestino pouco maior do que ela –, nas horas em que se consumava o drama em Bangladesh, também houve um rabino morto enquanto, com a esposa e os filhos, percorria de carro uma das estradas que ligam os assentamentos israelenses na Cisjordânia.
Também lá – no lugar de um ódio profundo, alimentado por feridas recíprocas que todos logo estamos prontos para narrar – basta ler um pouco mais aprofundadamente a história para descobrir dois detalhes não indiferentes.
Primeiro: morreu apenas ele porque uma família palestina, logo após da emboscada, interveio para tirar do carro o restante da família dos colonos. Segundo: no dia seguinte, durante a shiva, o luto judaico, a família de colonos israelenses respondeu com um gesto igualmente forte. A um grupo de frenéticos que, com o cadáver ainda quente, invocavam vingança, eles responderam: "Qualquer um que queira gritar frases sem sentido é convidado a ir embora. Não era isso que o papai queria. Nós queremos nos concentrar na sua memória e em como fazer o bem. Ele também tinha amigos árabes".
Depois, houve o massacre de Karrada, em Bagdá; com mais de 200 mortos, a maioria crianças, mortas na véspera do Eid, a festa que marca o fim do Ramadã. Um fato terrível, justamente no país onde tudo começou (e que, talvez, justamente por isso, temos menos vontade de lembrar).
Pois bem: se olhássemos para dentro do drama de Karrada, descobriríamos que também lá haveria uma senhora história a ser contada. A de Farid Bahnam, cristão morto no "massacre dos xiitas". Na Bagdá mergulhada no sectarismo por causa do qual tantos cristãos foram forçados a deixar Karrada, Farid tinha ficado na linha de frente para ajudar todas as pessoas deslocadas, que hoje também chegam naquele bairro, fugindo das zonas do Iraque onde a guerra contra o Isis está sendo travada. Uma ajuda sem distinções confessionais.
Assim como a oração por todas as vítimas que o patriarca caldeu Luis Raphael Sako e os poucos cristãos que permaneceram em Karrada viveram junto com todos os outros nestas horas.
Vou parar por aqui, embora pudesse continuar longamente com essas histórias "contra a corrente". Paro, porque quero chegar a uma pergunta, que é a que eu mesmo me faço: como devemos olhar hoje para essas histórias?
Às vezes, eu tenho a dúvida de que elas existem apenas para mim. Ou que, realmente, são álibis para nós, incuráveis otimistas, que nos agarramos a qualquer esperança "a fim de não olhar a realidade na cara", como muitos já me disseram.
No entanto, todas as vezes em que uma dessas histórias consegue emergir dos fluxos mais periféricos da informação global, ela sempre ganha uma força extraordinária. Podemos vê-la brotar por toda a parte.
Por quê? Somos realmente todos tão ingênuos? Ou acaso não há algo de mais profundo, mas que ainda não entendemos? Quanto mais avançamos nesse túnel, mais eu me convenço de que essas histórias são a única arma verdadeira que temos para lutar contra o fanatismo jihadista. A única capaz de deslocar a ideologia louca da qual essa onda de morte se alimenta e através da qual se espalha.
Nestas horas, os nossos meios de comunicação pululam de análises, entrevistas, comentários; afiados ou vulgares que sejam, trata-se apenas de palavras que, hoje, não nos servem precisamente para nada. Ao contrário, fazem exatamente o jogo de quem construiu uma narrativa na qual tudo gira em torno das ações violentas.
Mas hoje precisamos de mais: precisamos de meios de comunicação que filtrem os fluxos da humanidade e nos ajudem a abrir os olhos a sério. Precisamos entender que a "contracorrente" não é decidida pela realidade, mas por nós mesmos, com as nossas narrativas. Que reduzir o mundo em esquemas sectários, em que o bem está totalmente de um lado, e o mal, totalmente de outro, já significa se render.
Precisamos voltar a buscar o humano dentro da realidade; que é feita, sim, de contradições e violências – é claro –, mas também de inúmeras surpresas. E são justamente essas reversões que implodem a era das reduções binárias, dos reflexos condicionados elevados a regra de vida, do "Curti/Não curti" cósmico.
Que rostos nos interessa buscar? E onde nos interessa buscá-los? É também da resposta muito concreta a essas duas perguntas que depende, hoje, a nossa possibilidade de resistir diante de quem já escolheu o mal.
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O terrorismo, o Islã e as histórias contra a corrente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU