23 Junho 2016
"Com a resposta às minhas observações do último dia 15 de junho, Fulvio De Giorgi continuou o diálogo que tinha sido aberto com o seu texto do dia 28 de maio passado. Como me parece muito importante seguir com precisão as argumentações individuais do historiador, respondo-as abaixo, valorizando algumas das suas observações e discutindo outras, para que cresça a cordialidade eclesial, à qual ambos prezamos, tentando aprofundar melhor o que nos une e também o que provisoriamente nos divide."
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, leigo casado, professor do Pontifício Ateneu S. Anselmo, de Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, de Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, de Pádua.
O artigo foi publicado no seu blog Come Se Non, 21-06-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Parece-me muito importante que Fulvio De Giorgi tenha reconhecido uma profunda sintonia com aquilo que, há muito tempo, é escrito a propósito do pontificado de Francisco e do seu profundo relançamento do Concílio Vaticano II.
Nesse plano, na verdade, concordamos profundamente, e não posso deixar de me reconhecer largamente naquilo que ele escreve. Em vez disso, eu poderia expressar aquilo com que me sinto desconfortável assim: eu não diria que o "pertencimento cordial à Igreja" requer que se selecione com largueza demais as "fontes" sobre as quais raciocinamos. Se, por um lado, parece-me que Francisco é lido apenas "a partir da direita", por outro, tenho a sensação de que Bento XVI é considerado apenas "a partir da esquerda". Essa dupla opção, que certamente é conduzida "ao bem", contudo, causa em mim um desconforto e um certo dissenso que tento aqui esclarecer, dentro de um consenso fundamental.
Método apologético e integralismo metodológico
Como, na lógica de um debate aberto, devemos jogar com as cartas descobertas, observo que eu contestei a De Giorgi um "método apologético", enquanto ele imputa a mim de sucumbir a um "integralismo metodológico".
A minha contestação é de subordinar a reconstrução da história a "categorias teológicas" lineares demais e pouco fundamentadas, enquanto ele contesta a mim o fato de construir a história de modo "integralista", ou seja, com base em fontes apenas "internas", como se a história de um papado pudesse ser reconstruída apenas com base em "atos intraeclesiais".
Parece-me, todavia, que essas contestações recíprocas não acertam o alvo. A verdadeira questão é: como podemos compreender um "papado" senão nos referindo aos "atos" efetivamente feitos por um papa? E a reconstrução dos atos de um papa certamente pode ser submetida a uma seleção, mas quando faltam "fatos" demais, quão convincente é a reconstrução?
Aqui, eu levanto uma pergunta não retórica, que dirijo ao meu interlocutor com a mais profunda seriedade.
Talvez, a resposta a uma "reconstrução apologética" deva ser uma "reconstrução integral" (não integralista) de um papado. Em sentido apologético – no sentido mais alto do termo – De Giorgi defende que, aos méritos de Francisco, é preciso aproximar os de Bento XVI. Essa, na sua opinião, seria quase uma regra metodológica para fazer "história não integralista" e em sentido católico.
Para mim, trago no coração uma história integral. Posso tentar discutir o que foi afirmado por De Giorgi recordando uma série de "esquecimentos" seus não causais.
O pontificado de Bento XVI e o Concílio Vaticano II
A reconstrução da figura do Papa Bento XVI proposta por De Giorgi parece modelada sobre um estereótipo nobre: façamos de Bento XVI o precursor de Francisco. Por outro lado, reciprocamente, tende-se a fazer de Francisco o simples sucessor de Bento XVI. Curiosamente, são citados, da Evangelii gaudium, todos os poucos textos explicitamente em continuidade com os temas caros a Bento XVI, mas não se dedica uma única citação aos muitíssimos e longuíssimos textos em que Francisco muda estruturalmente de argumentação, fontes e imagens.
Mas voltemos aos "dados removidos".
Uma leitura "integral" do pontificado de Bento XVI não pode esquecer e quase apagar todos estes atos:
- discurso à Cúria Romana sobre hermenêutica da descontinuidade e hermenêutica da reforma (2005);
- discurso de Regensburg, com a acusação de des-helenização dirigida a Lutero e à inculturação (2006);
- discurso de Auschwitz, com a definição do nazismo como "um povo abusadas por um grupo de criminosos" (2006);
- notificação contra a teologia de Jon Sobrino, ao qual Peter Hünermann levantou críticas pesadas sobre forma e método adotados;
- motu proprio Summorum pontificum, para tentar restituir vigência universal às formas rituais pré-conciliares (2007);
- correção do Código de Direito Canônico para criar uma distinção ontológica entre diaconato e presbiterado/episcopado (2009).
Cada um desses documentos se coloca nos primeiros cinco anos de pontificado e estabelece um "florescimento conciliar" que eu gostaria que De Giorgi conseguisse justificar apenas com o seu método apologético.
Digo-o com muita simplicidade. Se aplicarmos o meu método integral, por mais que se possam perceber semelhanças entre Francisco e Bento XVI, muito maiores são as dessemelhanças. Não se trata de perspectivas, mas de dados incontornáveis, que não podem ser redimensionados, ignorados ou removidos.
As "ações qualificantes"
Se analisarmos, em vez disso, as "grandes linhas" do papado de Bento XVI de acordo com a reconstrução de De Giorgi, encontramos, surpreendentemente, em primeiro lugar, a "linha dura" contra a pedofilia. Depois, segue-se um contraste com o niilismo considerado "não antimoderno", mas de acordo com as filosofias "pró-modernas"; para depois acrescentar dois eventos "epocais", como a beatificação de Rosmini e a "renúncia ao ministério" como gestos aberta e inequivocamente conciliares. Algumas dessas indicações merecem atenção.
Observo desde já que, como De Giorgi me convida a não fazer caricaturas dos papas, e como eu o levo a sério, pergunto-lhe como ele pensa em pôr em ordem esses atos, qualificantes para ele, com aqueles que eu o recordei e que considero ao menos igualmente qualificantes.
Dou apenas um exemplo. Pode-se dizer, certamente, que Bento XVI antecipou Francisco ao atingir a chaga da pedofilia. Mas, justamente no plano histórico, acredito que a pedofilia não é, acima de tudo, um problema de "sujeira na Igreja": essa categoria, usada desse modo, torna-se ideológica, porque é limitativa, causa um grave mal-entendido e esconde a imperfeição mais grave.
Fazer da pedofilia apenas um problema "moral" induz a responder apenas com normativas mais severas e mais autoritárias. Na realidade, com Francisco, entendemos bem que a raiz da pedofilia não é um "distúrbio sexual", mas, acima de tudo, é a autorreferencialidade eclesial, um modo de pensar a relação entre Igreja e mundo, um modo de ler a autoridade em sentido clerical e em tornar irrelevantes os "outros".
Que a pedofilia só pode ser combatida com a reforma do modo de compreender e de gerir a autoridade é uma ideia que escutamos muitas vezes, mas apenas de Francisco, não de Bento XVI.
O mesmo poderíamos dizer da categoria de "diálogo". Certamente, Bento XVI dialogou com Habermas, mas não pôde ou não soube dialogar nem com o padre Gy, nem com o padre Falsini, nem com Jon Sobrino, nem com Torres Queiruga... E se reabilitar Rosmini não era muito fácil, muito mais difícil era evitar liquidar com uma frase Lutero ou Maomé, a reforma litúrgica ou a família ampliada.
Em suma, a caricatura de Bento XVI antecessor de Francisco é tão perigosa quanto a caricatura de Francisco como sucessor de Bento XVI. A "maior dessemelhança" não impede de reconhecer semelhanças, legados e heranças, inspirações e dependências. Mas exige, creio eu, que a cordialidade eclesial, na sua paixão pela verdade, não se deixe levar por homologações ou contorções.
Uma diversidade a se conjugar
"Tomar a iniciativa de perder a iniciativa" – assim eu descrevi o gesto corajoso de renúncia do Papa Bento XVI – não me parece ser um "modo não generoso" de descrever aquilo que o papa emérito fez na sua última ação: aquelas palavras, de fato, são literalmente uma definição que o filósofo Jean-Luc Marion utilizou para descrever a experiência do dom.
Assim, eu não gostaria de terminar esta intervenção sem reconhecer o quão útil foi, para mim, me dispor a escutar até o fim a "história apologética" escrita por De Giorgi. Ela me permitiu, de fato, captar algumas dimensões do pontificado de Bento XVI que eu tinha considerado com menos atenção. Mas a minha "vocação à integralidade" – espero que não ao integralismo –, ao me fazer reconhecer essas semelhanças que eu havia subestimado, no entanto, não me permite sobreavaliá-las. Elas acrescentam um tom mais moderado ou até irredutível à leitura abrangente de um papado que, nas suas linhas essenciais, se caracterizou por uma forte impaciência em relação àquela abertura conciliar, pela qual o Papa Francisco, em vez disso, alimenta uma natural e diria quase espontânea simpatia e sintonia.
Estou convencido de que um método apologético – no melhor sentido do termo – e um método integral – nos termos aqui propostos por mim –, em vez de se oporem e se contradizerem, poderiam e deveriam convergir, com cordial reconhecimento e com diferenciada serenidade.
Tanto os teólogos quanto os historiadores poderiam se beneficiar com isso. Só então poderiam reconhecer – juntos e concordemente – que a verdadeira questão não é um "confronto" entre Bento XVI e Francisco, mas uma leitura que não dê álibis às formas redutivas com que se tenta diminuir e mal-entender a obra reformadora do Papa Francisco.
No fundo, na raiz de todas essas considerações, há uma questão "pedagógica". Não de uma pedagogia simplesmente "legal" e "formal", mas de uma pedagogia da fé e da consciência. Acredito que, sobre isso, embora na diversidade de ênfases e de sensibilidades, a discussão entre De Giorgi e mim pode e deve soar como uma necessidade comum de defender o desígnio conciliar e reformador do Papa Francisco das resistências mais ou menos obtusas que tentam obstaculizá-lo, interpretá-lo mal e desacreditá-lo.
Nessa obra, tanto o método apologético quanto o método integral devem se ajudar mutuamente. Para caminhar segundo a fiel liberdade inaugurada pelo Concílio Vaticano II, com todas as necessárias diferenciações de tom e de sensibilidade.
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A história, os fatos e os pontificados: de acordo e em diálogo para seguir os passos do Vaticano II. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU