20 Junho 2016
Para além das decisões que serão tomadas e dos documentos que serão aprovados, será importante o Concílio pan-ortodoxo como tal, e será realmente "grande e santo" na medida em que se tornar uma ocasião de comunhão, uma oportunidade para "se olhar na cara e se deixar desarmar", isto é, um evento que se revele maior do que os seus próprios protagonistas e abra espaços insuspeitos de paz e de comunhão.
A opinião é do monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado no jornal La Stampa, 19-06-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Abre-se nesse domingo, solenidade de Pentecostes para as Igrejas ortodoxas, um sínodo ferido: quatro das 14 Igrejas autocéfalas consideraram que os tempos não estavam maduros e que os preparativos eram insuficientes para a cúpula plenária de toda a Ortodoxia.
É o dilema dilacerante que, muitas vezes, na sua história, a Igreja – não só a Ortodoxa – se viu enfrentando: encontrar-se juntos como irmãos para discutir e discernir também as questões que nos separam, a fim de chegar à unidade desejada pelo Senhor para os seus discípulos, ou esperar para superar as divergências e chegar àquela unidade antes de celebrá-la e anunciá-la como testemunho no mundo contemporâneo?
O Concílio pan-ortodoxo de Creta é um concílio que não se celebrava há 12 séculos e que viu uma paciente e obstinada preparação de mais de 50 anos. No entanto, mesmo depois que todas as preparações pareciam ter feito uma sólida convergência em tempos, modalidades e assuntos em discussão, o trecho final dessa maratona pan-ortodoxa foi íngreme, capaz de pôr novamente em discussão os acordos preliminares alcançados.
Assim, em vez de ser o lugar onde, em um espírito de redescoberta fraternidade e de oração, se poderia fazer decantar as questões ainda irresolvidas, deixando que o Espírito iluminasse com a luz do Evangelho tensões às vezes não isentas de cálculos políticos ou mundanos, eis que Creta corre o risco de ser o cadinho onde as divergências se coagularão, e as ausências acabarão pesando mais do que as respectivas opiniões.
Esse é um risco e uma ferida sentida com ainda maior dor por aqueles que, como eu, trabalham há décadas juntos para a sua comunidade, para que as Igrejas irmãs da Ortodoxia consigam explicitar a unidade e a comunhão que as habita e possam, assim, contribuir de modo determinante àquele "ser um" que é a conhecida característica essencial de todos os cristãos.
Não cabe a nós, nem a ninguém de fora do mundo ortodoxo, julgar qual é a atitude mais fecunda para o progresso da corrida do Evangelho na companhia dos homens. Em vez disso, poderíamos converter isso em motivo de reflexão e também de admiração, porque as tribulações que as Igrejas ortodoxas enfrentaram nessas últimas semanas e enfrentam nestes dias lembram a todos, cristãos de todas as confissões, crentes e não crentes, o esforço da sinodalidade, de tomar decisões juntos que afetam a todos.
Sim, há um "esforço da caridade", como São Paulo a define, um esforço de fazer o bem na sociedade, um esforço de chegar juntos a uma visão da realidade e a opções a serem feitas que tenham como alvo não os interesses pessoais ou de uma parte, mas os da coletividade, do conjunto dos crentes ou dos cidadãos.
A sinodalidade tão tenazmente defendida e buscada também pelo Papa Francisco não é obtida a um preço baixo: requer paciência, escuta do outro, disponibilidade para fazer com ele duas milhas quando ele nos obriga a fazer uma, e a não ter reservas de nós mesmos, capacidade de ritmar o próprio passo naquele mais lento, ductilidade para renunciar aos aspectos não essenciais das nossas convicções, mas também resolução ao manter fé nos compromissos feitos, respeito pelas decisões tomadas com o apoio de todos, solicitude e santa impaciência em nome daqueles que venham a sofrer atrasos ou preguiça, responsabilidade para com aqueles que confiaram em nós.
Nesse sentido, não nos iludamos que o fato de ter um "papa", alguém acima do conjunto dos seus pares, facilite, por si só, a tarefa de pensar, decidir e agir em conjunto ou alivie muito o esforço cotidiano do caminhar juntos. Se, de acordo com um ditado medieval católico emprestado do Código Justiniano, "o que diz respeito a todos deve ser decidido por todos", a intervenção dirimente de uma autoridade superior, às vezes, pode desbloquear situações de impasse, imprimindo acelerações benéficas, mas não é suficiente para fazer com que cada um sinta como próprio o percurso empreendido e se insira nele com convicção confiante.
Além disso, a história da Igreja está cheia de exemplos de reformas institucionais tentadas que encalharam por falta de partilha por parte daqueles que as deveriam ter implementado nos diversos níveis e por carência de homens à altura da tarefa.
O Concílio de Creta, portanto, pode ser, também em virtude das feridas que o caracterizam, uma ocasião preciosa, o ponto de reinício de um longo processo conciliar: ainda nos sínodos dos primeiros séculos, era normal que um único evento conciliar se realizasse em várias sessões subsequentes, e não foi de outra forma no Vaticano II, para o qual, antes do seu início, muitos observadores, dentro e fora da Igreja, tinham hipotetizado uma única e breve sessão de trabalhos.
Para além das decisões que serão tomadas e dos documentos que serão aprovados, será importante o Concílio como tal, e será realmente "grande e santo" na medida em que se tornar uma ocasião de comunhão, uma oportunidade para "se olhar na cara e se deixar desarmar" – como gostava de repetir o Patriarca Ecumênico Atenágoras, que relançou com força a ideia do Sínodo pan-ortodoxo no início dos anos 1960 –, isto é, um evento que se revele maior do que os seus próprios protagonistas e abra espaços insuspeitos de paz e de comunhão.
Essa é a oração que deveria habitar nestes dias em cada cristão, mas também é o desejo que deveria surgir espontaneamente no coração de cada pessoa de boa vontade.
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Concílio pan-ortodoxo: o esforço e a alegria de decidir juntos. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU