20 Junho 2016
O jornal francês La Croix, 07-06-2016, publicou o testemunho exclusivo e anônimo de um jovem sacerdote francês, que convida os leigos a saírem de uma "relação infantil" com os padres, que favoreça o clima de impunidade no qual alguns deles puderam cometer abusos.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
"Não está acontecendo, ele não está fazendo isso, não é possível." Isso era o que gritava interiormente o adolescente que eu era quando o capelão da minha escola fazia aquilo que anos de ocultamento me impediram por muito tempo de nomear e de dizer. "Não é possível."
Eu pensava tão forte nisso que eu acreditava. Só o corpo registrou o fato, e o espírito se viu humilhado quando a memória voltou à baila, como um choque. Evidentemente, eu tinha introjetado bem aquele esquema segundo o qual essas coisas não podem acontecer. Não por parte de um padre. Não por parte daquele que me acompanhava e tinha a minha confiança. Não naquela instituição de prestígio onde eu o encontrava todos os dias. Não durante a confissão. Não no início do século XXI.
"Não é possível." Graças ao que está acontecendo neste período, aquela negação parece desaparecer nas dioceses: o bispo que me recebeu recentemente não minimizou os fatos e vai assumir, espero, as suas responsabilidades em relação àquele padre. O olhar da nossa sociedade se foca nesses últimos tempos sobre as vítimas, cujo grito, sufocado, pedia há muito tempo para ser ouvido.
"Aconteceu", para a instituição, abalada quando começou a admitir, em voz baixa, que "é possível". Mas, nesse quadro, falta o resto do rebanho.
"Não é possível." Batizados, pais, catequistas, leigos comprometidos ou não, talvez nós também não acreditamos que era impossível? Nós também não nos colocamos viseiras? Involuntariamente, é claro, simplesmente mantendo em nós e ao nosso redor, em particular entre os jovens, uma imagem do padre que não é correta. Relendo a minha história, percebo o quanto eu estava, como adolescente, amarrado a uma representação do padre como um santo homem, por ser homem de Deus: aquele que, portanto, nunca pode estar no erro, em nada do que diz ou faz. Representação herdada do meu ambiente, certamente, mas que me parece muito difundida.
Hoje, sou padre: isso pode surpreender. Aquilo que eu passei não me impediu de seguir em frente, de discernir, mesmo que tenha sido justamente no momento das escolhas decisivas que o véu da negação se rasgou: o meu agressor também era a pessoa que me acompanhava, que me ajudou no discernimento e que, nesse sentido, também "fez o bem". Para mim, foi complicado, em um certo momento, separar, no meu coração, o meu ressentimento contra ele dos benefícios que eu lhe devo.
Mas "Deus é maior do que o meu coração", e nunca duvidei da realidade de um chamado ouvido muito antes, de um desejo que cresceu e se enraizou independentemente daqueles fatos, com os quais eu não me identifico, mesmo fazendo parte da minha história, e me tornam atento a qualquer forma de influência dentro da Igreja.
A esse respeito, não é anódino que eu tenha escolhido a vida consagrada, que dá ao presbiterado um quadro comunitário: sou irmão antes de ser padre, e acredito firmemente no "sacramento do irmão", aquele estar juntos na humanidade a caminho para Deus. Como "jovem padre", eu descubro hoje as alegrias do ministério. É a oportunidade de ver mudando, desde a minha ordenação, o olhar que me é dirigido.
Em certos contextos, manifesta-se deferência em relação a mim, uma espécie de respeito ligado mais ao meu status do que à minha pessoa. E isso indica, às vezes, que se espera de mim um papel distante daquele pelo qual fui ordenado padre. Eu não sou perfeito ou santo por ser padre, mas sou chamado à santidade como todos. E é precisamente porque há um chamado geral à santidade que precisamos de padres. Paremos, parem de idolatrar o padre como um ser flutuante acima dos mortais e separado das muitas vicissitudes da existência, como o erro ou a dúvida. É preciso amar os padres, e não idolatrar neles uma imagem.
O clericalismo que venera uma imagem do padre, mais do que amar os padres, não afeta apenas os ambientes clássicos, mas impregna profundamente as nossas mentalidades. Então, eu acrescentaria isto: a ordenação não faz de mim o administrador ideal, sendo padre não me faz indispensável a todas as reuniões paroquiais, porque o sacerdócio não é algo em virtude do qual eu teria uma ciência infundida que me permitiria tomar sempre a decisão certa e colocar todos de acordo. Essa é uma relação infantil com o padre, e eu acho que os escândalos que vêm à tona, com todo o seu desconforto, devem pôr novamente em discussão essa atitude, que não está certa na relação com o clero.
Dizendo isso, não pretendo afastar o olhar das culpas de governo dos bispos, nem convidar a uma suspeita generalizada em relação aos padres, mas simplesmente salientar que uma denúncia do "sistema" não seria completa se aqueles que não são padres não se fizessem as mesmas perguntas.
O problema do silêncio da Igreja é, acima de tudo, o do silêncio das vítimas e esse silêncio é mantido, ao menos passivamente, por aquelas imagens que permanecem nas mentes de todos, e que nós mantemos inconscientemente. Algo deve mudar, coletivamente, para que os "mea culpa" vindos de cima não soem como admissões de impotência. A dor que o povo de Deus sente agora que as vítimas conseguem falar nos mostra que é necessária, e que começou, uma purificação das nossas representações.
O fato de que existem ovelhas negras, ou lobos, no redil é uma coisa. O fato de que os nossos medos e as nossas cegueiras coletiva lhes permitam continuar se enfurecendo, favorecendo um clima de silêncio que sufoca o grito, é outra coisa. E, sobre este último ponto, todos devemos trabalhar, para que, um dia, se possa dizer, realmente: "Não é possível".
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"Parem de idolatrar o padre" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU