17 Junho 2016
O Brasil foi o primeiro país latino-americano a instaurar uma ditadura militar e o último a criar uma Comissão da Verdade que contribuísse para restaurar justiça e a memória de seus anos de chumbo. Mesmo depois de tê-la criado, em 2011, não vê de fato avançar na sociedade as discussões sobre esse passado que apontam para um futuro distante daqueles dias sombrios. Os entraves são muitos, ainda, mas também são muitas as pessoas determinadas a superá-los. É o caso de Tata Amaral, que estreia Trago comigo, seu longa-metragem mais recente, em salas brasileiras nesta quinta-feira, dia 16 de junho. Tata, que comemora 30 anos de cinema este ano, embarcou no projeto quando se deu conta de que as vítimas diretas do regime estão “aí, vivas, capazes de citar os nomes dos torturadores”, sem que a maioria esteja disposta a ouvi-las.
A reportagem é de Camila Moraes, publicada por El País, 16-06-2016.
O filme, uma remontagem da série que a cineasta fez para a TV Cultura em 2009, mostra os passos de um diretor de teatro, ex-militante estudantil vivido por Carlos Alberto Riccelli, para recordar seus dias de resistência e luta armada, enquanto trabalha com um grupo de jovens atores em uma peça de teatro sobre seu tempo de militância. Foi um trabalho que ele, depois de tantos anos coberto por uma carcaça de esquecimento, relutou em fazer. Mas que abraçou quando entendeu que era o caminho a seguir, como diz o personagem, “para conseguir dormir à noite”. “Quando decidi fazer a série, depois o filme, tinha percebido a necessidade de iluminar o passado para curar feridas do presente. Parti de uma motivação pessoal, mas quando a história da peça de teatro veio parar nas minhas mãos vi que ela retratava bem o resgate da memória, porque rememorar é justamente construir uma narrativa”, conta Tata, que lançou no Facebook a campanha #TragoComigoUmaLembrança para difundir junto com o filme uma série de vídeos com relatos sobre a tortura no Brasil.
Mas a diretora não queria que a história ficasse somente no plano da ficção. Combinou cenas ficcionais com relatos reais de militantes torturados para costurar um filme que, além de rememorar, fosse capaz de chamar as novas gerações. Um desses depoimentos foi dado por Amélia de Almeida Teles, que militava no Partido Comunista do Brasil nos anos de chumbo e terminou nos porões do DOI-Codi, torturada inclusive pelo comandante Brilhante Ustra – homenageado na Câmara dos Deputados por Jair Bolsonaro no último 17 de abril. Na opinião de Teles, cuja família moveu uma ação contra Ustra que resultou na primeira condenação de um agente da ditadura como torturador, é essencial abrir esse e outras oportunidades de diálogo. “As novas gerações não conhecem parte da história do Brasil, por causa de uma política institucional não explicitada para que não se faça memória daquele período. Tanto é assim, que muitos arquivos de torturadores permanecem fechado e faltam peças para reconstruir e esclarecer aquele período”, diz.
O embate geracional é uma das apostas mais interessantes do longa. De um lado, coloca um diretor de teatro mais velho, que pouco a pouco resgata seu espírito de militante. De outro, atores jovens, que desconhecem sua luta e nem sempre entendem suas motivações. O primeiro os acusa de alienados; eles questionam “se o movimento era elitista”, “por que tinha poucos negros” e fazem outras perguntas pertinentes, mostrando-se de fato interessados quando a discussão finalmente se instala. Tata Amaral esperava gerar esse tipo de reação também nas plateias, mas nem em seus “piores pesadelos” imaginava que o debate envolveria, por exemplo, pessoas que hoje saem às ruas para pedir a volta da ditadura. “A atualidade do filme me impressiona. Quando fizemos a série, sete anos atrás, isso nem passava pela nossa cabeça. Acho que ele se faz mais necessário do que nunca”.
“Quem pede a volta da ditadura faz isso por ignorância política”, opina Amélia Teles. Para ela, que hoje integra a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos e é assessora da Comissão Municipal da Memória da Verdade da Prefeitura de São Paulo, quem viveu sabe o que é – ainda que, como o personagem central de Trago comigo, alguns mergulhem no esquecimento. “Fui testemunha ocular daquele período obscuro e não quero esquecer. É minha bandeira. Mas já vi muitos militantes da época, que viveram fatos violentos e não conseguem se lembrar. Cada um reage de um jeito”. O que é preciso, para pessoas como Tata e Amélia, é reagir.
Assista:
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Falar, o único caminho para curar os males da ditadura - Instituto Humanitas Unisinos - IHU