15 Junho 2016
"A Constituição de 1988 não cabe no PIB. Esta é a narrativa que está por detrás de boa parte das medidas já anunciadas ou encaminhadas pelo governo interino. A dívida pública é questão explicativa fundamental do déficit público", escreve José Álvaro de Lima Cardoso, economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
Eis o artigo.
A natureza das propostas anunciadas pelo governo interino até o momento, ou já encaminhadas ao Congresso, têm eixos bem definidos: diminuição do tamanho do Estado, acumulação de recursos para fazer superávit primário e pagar rentistas, redução dos custos do trabalho, ameaças à soberania do Brasil. Tais propostas estão sendo encaminhadas no contexto de brutal crise mundial, e fazem parte das estratégias adotadas em boa parte do mundo de transferir o ônus da crise para os trabalhadores. As manifestações dos representantes do governo Temer nos diversos ministérios, vêm impregnadas da ideologia de que o déficit público tem como causadores os salários do funcionalismo público e os direitos sociais decorrentes da Constituição de 1988. A estratégia é conhecida. Usa-se a crise como pretexto para retirar direitos trabalhistas, desmanchar o que sobrou dos direitos sociais e privatizar o que for possível de patrimônio público.
A Constituição de 1988 não cabe no PIB. Esta é a narrativa que está por detrás de boa parte das medidas já anunciadas ou encaminhadas pelo governo interino. A dívida pública é questão explicativa fundamental do déficit público, pois a maior parte do déficit é causada em função dos seus serviços. Porém nada de substancial tem sido mencionado para enfrentar o problema. Pelo contrário, uma série de medidas vem sendo anunciadas para garantir o pagamento dos serviços da dívida. Neste ano, por exemplo, os gastos com pessoal e encargos no funcionalismo público federal, deve cair em termos reais, já que os R$ 269 bilhões previstos, são inferiores ao valor gasto em 2015 (R$ 256,4) corrigidos pela inflação do ano passado. Por outro lado a destinação orçamentária para pagamento de juros e encargos da dívida pública, que era em 2015 de R$ 208,3 bilhões, passou, neste ano, na lei orçamentária, para R$ 304,1 bilhões. Nenhum outro item de gastos, além daqueles com a dívida, teve um aumento de 40% reais.
O governo interino editou, ainda no dia 12/05, a Medida Provisória 727, que retoma o processo de privatização dos anos de 1990. Na prática, essa medida abre a possibilidade de privatização de todas as empresas controladas pela União e estados. Mas o alvo central dos defensores da medida e investidores são as joias da coroa: Petrobrás, Caixa Econômica, Eletrobrás, Banco do Brasil. Sobre a MP diz o seguinte o Clube de Engenharia: “Configura-se como um cheque em branco da sociedade repassado ao Executivo Federal. Cheque em branco através do qual a sociedade concorda em ser destituída de titularidade e direitos sobre recursos naturais e humanos da Nação brasileira”, A MP foi publicada praticamente em sigilo e pode ir a plenário para ser votada em regime de urgência.
Ao mesmo tempo o governo prepara uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) direcionada a limitar o crescimento real das despesas públicas. Com a medida objetiva desvincular a evolução dos gastos da evolução PIB, conforme definido pela Constituição de 1988, que possibilitou passar de 13,5% para 23% do PIB a participação do gasto social do país. O curioso é que a citada PEC pretende limitar com base no aumento da inflação as chamadas despesas primárias, que não consideram os gastos do governo com o pagamento dos juros e amortização das dívidas interna e externa. Fica assim de fora da regra almejada os gastos com a dívida pública que, nos últimos 12 meses totalizaram quase R$ 500 bilhões e que é, sem dúvida, o principal problema fiscal a ser enfrentado.
O economista João Sicsú fez uma simulação do que teria ocorrido nos últimos dez anos nas áreas da saúde e da educação se estivesse valendo a regra Temer-Meirelles. Segundo a referida projeção se a regra da dupla Temer-Meirelles estivesse em vigor desde 2006, a saúde teria perdido, entre 2006 a 2015, R$ 178,8 e a educação, R$ 321,3 bilhões, em relação ao que foi efetivamente investido nessas áreas. Esta é uma amostra eloquente da natureza do programa social que o governo golpista está reservando para o povo trabalhador deste país. Programas ultra neoliberais, como o que o governo interino pretende implantar, estão sendo questionados no mundo todo, nem o FMI prescreve mais programas desse tipo. Já conhecemos os passos dessa estrada: não resolverá os problemas do Pais e irá concentrar ainda mais a riqueza.
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Penalizar os mais pobres é saída para o 1% mais rico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU