27 Mai 2016
A Igreja católica deve celebrar o aniversário do início simbólico da Reforma, ou seja, a afixação à porta da igreja de Wittenberg das teses sobre as indulgências da parte de Lutero?
O artigo é de Ghislain Lafont, o monge beneditino francês, publicado por Settimana News, 23-05-2016. A tradução é de Benno Dischinger.
Eis o artigo.
Celebração sìm, mas penitencial
Muitos pensamentos me vieram refletindo sobre esta questão. O primeiro é que, se uma celebração tivesse lugar, seria algo bom e certo que ela fosse acima de tudo penitencial. A História mostra que as responsabilidades relativas à progressiva e depois definitiva separação entre as comunidades protestantes e a Igreja católica que não escutava, são amplamente compartilhadas: “Não existe distinção: todos pecaram” (Ro 3,23). Dado que a Reforma protestante foi, em primeiro lugar, um fenômeno alemão, poder-se-ia imaginar que uma celebração deste tipo ocorra na Alemanha, em Colônia, por exemplo, onde no século dezesseis o arcebispo Alberto de Brandenburgo foi certamente um dos culpados desta ruptura.
Abertos ao futuro
Nesta celebração penitencial poderemos, assim, inserir também uma Ação de graças: não houve talvez aí atores como, por exemplo, Carlos V de uma parte, e Melanchton da outra, os quais realmente procuraram encontrar um percurso de entendimento?
Uma segunda observação é que uma celebração deste gênero só pode ser orientada ao futuro. Quando se comemora um aniversário, é precisamente para orientar ao futuro. Após o Concílio Vaticano II, com o decreto Unitatis redintegratio, após as numerosas consultas e reuniões com o Conselho Ecumênico das Igrejas (Fé e constituição), após a ratificação do recente acordo sobre a Justificação, não se pode hoje não auspiciar progressos em vista de um mútuo reconhecimento sempre maior. Se uma participação, qualquer que ela seja, da Igreja católica nas celebrações protestantes, pode ajudar a progredir neste caminho, não é preciso refutá-la, mas determinar-lhe com discernimento (palavra cara ao Papa Francisco) a maneira e as formas.
Mensagens do passado
Uma terceira observação é que se poderia tentar ampliar a reflexão. O ano de 2017 marca meio milênio a partir da Reforma (um quarto da era cristã!). Em 1954, fazia-se memória do quase milênio da ruptura entre Constantino e Roma, e dois importantes volumes foram publicados da parte católica, com o título Novecentos anos depois. Isto antes do Concílio. Penso que hoje tal obra teria que ser integrada também pelos estudos provenientes da Ortodoxia. 2022 marcará o XIV centenário da Egira, início da expansão muçulmana. Poderíamos tentar pensar, e talvez rezar, estes fenômenos de ruptura, com o objetivo de discernir a “maneira de Deus” agir.
Num passado ainda recente, de toda parte, estas rupturas não eram consideradas senão de maneira negativa, com anátemas e envios ao inferno. Hoje percebemos melhor que Deus, no seu silêncio (“as águas de Siloé escorrem no silêncio” – Is 8,6), promove o positivo, vê no fundo dos corações, une à paixão de seu Filho o mal e o sofrimento, provoca conversões que ele sugere e sustenta: dito diversamente, Deus se conforma ao seu Ser profundo que é “misericórdia”.
O Islã difundiu sobre o globo o reconhecimento da unicidade de Deus unida a elementos essenciais da existência humana: a prece constante, a esmola, o jejum.
O Oriente cristão, subjugado pela paixão guerreira do Islã, manteve, em solidão no interior do seu espaço, o Evangelho e a liturgia da ressurreição.
Os três pilares da Reforma – a Escritura, a fé, a graça – têm reforçado muitos cristãos ocidentais no seu caminho para Deus.
A Igreja católica, finalmente, se mostrou sólida nas suas estruturas e imbuída de mística, capaz, ao mesmo tempo, de resistir às forças danosas da modernidade e ao mesmo tempo assumir as culturas, impelida por uma forma missionária repensada incessantemente em sua globalidade.
É provavelmente isto que Deus vê, e talvez isto que faz. O negativo é demasiado visível (“o rumor não produz o bem, o bem não faz rumor”), doloroso, às vezes desesperador, mas os olhos da fé são convidados a atingir o Evangelho e a seguir os seus caminhos, que são de perseverança e de reconciliação no horizonte do Reino que vem.
Por isso, enquanto espero que as correntes rígidas da Ortodoxia não triunfem no Concílio pan-ortodoxo que se realiza no mês de junho próximo, da mesma forma auguro que, em nível local e em nível universal, possamos encontrar juntos, Reformados e Católicos, as formas discretas e justas de uma ou mais celebrações comuns, humildes e plenas de esperança, do aniversário de 1517.
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Celebrar o início da Reforma? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU