Por: Cesar Sanson | 19 Mai 2016
"Não sei até quando a 'Globo' não vai querer mostrar. Só sei que Junho continua firme e forte, desnudando as pautas que continuam sem serem resolvidas. E multiplicando midiativismos para tudo quanto é lado". O comentário é de Fabio Malini, professor do Departamento de Comunicação da Universidade Federal do Espírito Santo, onde coordena o Laboratório de pesquisa sobre Internet e Cultura - Labic, em artigo publicada por Medium, 18-05-2016.
Eis o artigo.
No dia 17 de junho de 2013, surgia nos Assuntos do Momentos do Twitter o termo #oPovoNãoÉboboAbaixoARedeGlobo. Sempre achei o termo panfletário demais e, em certa medida, hipócrita (já que, no interior dos movimentos sociais, a relação com a emissora da tevê sempre foi de amor e ódio). Enfim, resolvi deixar coletando os tweets sobre o assunto. Depois eles foram para o arquivo morto. Lembro que, numa noite sem sono, em Paraty, fiquei trabalhando com a rede: 43 mil usuários compartilhando mais de 65 mil RTs. Mas desisti de publicizá-la, em função desse meu preconceito acadêmico. Hoje fui no acervo do Labic (riquíssimo sobre Junho). E refiz o trabalho, que pode ser conferido nesse grafo de RTs da referida hashtag.
O que impressiona no grafo: sem robôs, sem petistas, sem tucanos. Junho de 2013 foi uma grande derrota para a imprensa brasileira. Uma derrota nunca digerida. No começo, os veículos (leia-se: os editores) radicalizaram contra as manifestações e só mudaram quando viram seus repórteres começando a apanhar da Polícia nas ruas.
Logo essa posição ideológica dos editores (povo na rua = desocupados) foi intensamente questionada com a invenção do enunciado “Isso a Globo não mostra”, o termo mais frequentemente correlacionado ao #OPovoNãoÉ… Focada em construir uma narrativa dos vândalos versus a PM, a “Globo” foi confrontada com centenas de imagens da brutalidade policial, injustiças sociais e virais humorados satirizando a seletividade da emissora. Esse tweet virou símbolo do período: http://bit.ly/1qmxeuv. Esse também: http://bit.ly/1sgqmjB
De outro lado, a emissora ferida na credibilidade, viu a audiência dar viralidade às transmissões ao vivo dos coletivos midialivristas de Junho. O relato enunciativo destes, marcado pelo repórter como alvo da violência do poder, portava a franqueza necessária para explodir uma rede de ninjas pelo país à fora. Abria-se ali então uma segunda derrota, a no modo de narrar os fatos (no fundo, a recuperação da reportagem enunciativa característica da imprensa nos anos de chumbo do getulismo). Depois disso, todo o modus operandi do midiativismo foi logo capturado pela Globo: celular na mão, repórter na multidão, quando esta tinha a multidão como aliada. O #IssoAGloboNãoMostra virou a metáfora contra a narrativa jornalística tradicional.
Sou um dos que consideram que a narrativa do golpe parlamentar (o uso dessa lei bizarra de impeachment) seria apenas uma marola se não houvesse uma intensa participação social em torno de uma diversificada jornada de hashtags (a maioria dela gerida pelo governismo, é verdade). Essa narrativa é vencedora, apesar da derrota na Câmara. Até hoje há jornalistas que fazem uma ginástica danada, usando fontes para lá de duvidosas, para afirmar: Dilma é criminosa, ela pedalou. De novo não querem mostrar. Mas, novamente, a “Globo” (a metonímia que significa “imprensa”) não quis mostrar as apropriações de indignação contra o sistema político apodrecido, projetando na figura de Dilma a centralidade desse sistema. Dilma, a parte, tornou-se o próprio todo.
O que nos resta, após o ocaso do petismo (e sua opção desastrosa de aliança com a velha oligarquia e suas negociatas para garantir as obras da Copa e das Olimpíadas), é aceitar o governo Temer como sendo a cura desse apodrecido sistema? De novo, vem à cena a velha revolução passiva gramsciana: muda-se tudo para nada ser mudado. Não sei até quando a “Globo” não vai querer mostrar. Só sei que Junho continua firme e forte, desnudando as pautas que continuam sem serem resolvidas. E multiplicando midiativismos para tudo quanto é lado.
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Isso a Globo não mostra: Junho de 2013 e a ferida não curada na imprensa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU