Por: Cesar Sanson | 12 Mai 2016
Abraçada por movimentos sociais. Isolada por seus pares políticos. Essa foi a presidenta Dilma Rousseff nos últimos 15 dias de seu Governo, que pode chegar ao fim nesta quarta-feira com o Senado votando o afastamento dela do cargo dentro do processo de impeachment.
A reportagem é de Afonso Benites e publicada por El País, 11-05-2016.
Uma intensa agenda de solenidades no período fez com que ela desse quase meia volta ao mundo. Entre o dia 25 de abril e 10 de maio, a presidenta esteve em dez cidades brasileiras, percorrendo a distância de 19.400 quilômetros. Com exceção de Porto Alegre (RS), a cidade onde fez sua carreira profissional, Rousseff discursou por todos os lugares onde passou. Foram 15 declarações públicas dadas sempre para espectadores que estavam prontos para aplaudi-la.
Depois de ser hostilizada na Copa das Confederações de 2013 e na Copa do Mundo de 2014, ouvir panelaços e outros protestos sempre que aparecia na TV ou em ambientes que não lhe eram familiares, Rousseff passou a falar apenas para os seus. E esses quase nunca lhe faltaram. A claque puxada por movimentos de trabalhadores, de feministas, de direitos de gênero ou de estudantes sempre estava pronta para gritar “Fora Cunha”, “Fica Querida” ou “Dilma guerreira da pátria brasileira”. Já seus aliados políticos minguaram cada vez mais.
Desde o dia 17 de abril, quando a Câmara dos Deputados votou o impeachment, as “máscaras caíram” (como ela mesma já disse) e foi possível apontar alguns dos traidores. O grupo era heterogêneo. Ia desde o palhaço e deputado Tiririca (PR-SP), que havia prometido ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que votaria contra o impeachment, até a três ex-ministros de Dilma: Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), Alfredo Nascimento (PR-AM) e Mauro Lopes (PMDB-MG). Isso sem contar com o senador Ciro Nogueira (PP-PI) e o então ministro das cidades Gilberto Kassab (PSD), dois políticos que fizeram o jogo duplo de negociar com a presidenta e com o seu pretenso substituto, o vice Michel Temer (PMDB).
Abismo político
O completo isolamento político foi notado em vários gestos. Um deles foi no lançamento do plano Safra de Agricultura Familiar. Apenas um governador (o maranhense Flávio Dino) esteve no ato. Em outros momentos, fora de crises, encontros como esses eram lotados de representantes de Estados, principalmente do Norte e do Nordeste do Brasil, onde há um número maior de campesinos. Mais um sinal: raros políticos fora da esfera partidária PT-PCdoB solicitou audiências com a presidenta desde o início de abril. Um deputado que discutiu estratégias jurídicas para barra o impeachment relatou que em um período de quase três horas de reunião, o telefone da petista não tocou nenhuma vez. “Infelizmente, ela está fora da presidência e já sabe disso há tempos. Assim como todo o mundo político. Outras pessoas, no lugar dela, já teriam pulado nesse abismo que tem na sua frente. Mas ela é uma guerrilheira, não vai renunciar”, relatou o parlamentar ao EL PAÍS.
E esse veio de lutadora tem se aflorado nos últimos dias, quando depois de conversar com parte de sua base eleitoral ela desistiu de defender novas eleições para endurecer os discursos. Analisando as últimas 15 falas públicas da presidenta nota-se que as palavras luta/lutar foram ditas 102 vezes por Rousseff. Só foram menos citadas do que golpe (120 vezes) e impeachment (105 vezes). O duro discurso no qual diz ser vítima de um golpe arquitetado pelo vice Temer, pelo presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha, e por parte dos derrotados nas eleições de 2014, serve para a militância petista. Mas não consegue convencer até agora nem o meio político nem o jurídico, os únicos capazes de salvar o seu mandato, de que ela não tenha cometido crime de responsabilidade ao editar seis decretos de crédito suplementar sem a autorização legislativa ou de ter feito "pedaladas fiscais".
Se não pode mudar os rumos da história (termo citado por ela nove vezes nas últimas duas semanas), ela tentará reescrever a sua lutando e denunciando o que, na sua visão, é uma injustiça. “Eu não estou cansada de lutar, eu estou cansada é dos desleais e dos traidores. E tenho certeza que o Brasil também está cansado dos desleais e dos traidores. E é esse cansaço que impulsiona a mim a lutar cada dia mais”, afirmou a um grupo de militantes que participava da 4ª Conferência Nacional de Políticas para Mulheres, em Brasília. No ato, ela prometeu participar de qualquer manifestação que for convidada para defender a democracia.
Os discursos duros e a feição sisuda, realçada nestes momentos de crise, quase impediram a presidenta de sorrir ou demonstrar qualquer emoção que não o de uma guerrilheira prestes a sofrer uma derrota. Nas últimas duas semanas o semblante de Rousseff só se alterou em três ocasiões. A primeira foi no dia 4 de maio, quando a ministra da Agricultura Katia Abreu (PMDB) fez um sincero discurso no qual pedia para ser responsabilizada junto com Dilma pelas pedaladas fiscais, pois ela seria uma das que insistiu para que a presidenta investisse no setor agrícola e portanto para facilitar o financiamento a agricultores via o Plano Safra de 2015, que também foi colocado sob juízo no processo de impeachment. "Nós não estamos aqui para ser reconhecidos no momento, para receber os louros do momento e da hora. A popularidade vai, a popularidade vem, mas a dignidade e a honra se forem um dia nunca mais retornarão. Tenho orgulho de estar ao seu lado, de ser sua ministra, de ser sua parceira e de ter a senhora como presidente do Brasil. Confio na sua honestidade, no seu espírito público e, principalmente, tenho a convicção do legado que a senhora vai deixar para o Brasil", disse ela.
Um raro ato de lealdade vindo de uma política que não obedeceu às ordens de seu partido de romper com a gestão petista. A segunda ocasião foi quando o presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA) anulou o processo de impeachment, no dia 9. Dilma parecia uma criança sorrindo diante de um brinquedo novo, mas mesmo assim, quando teve de tratar do assunto disse que era preciso analisá-lo com cautela porque o país vivia uma conjuntura de “manhas e artimanhas”. E a última saída do script foi no dia 10, quando para uma plateia de quase 400 mulheres fez o que pode ter sido seu último discurso como presidenta. Os sorrisos foram distribuídos logo após abraçar dezenas das militantes, como se estivesse em campanha eleitoral.
Últimos atos
Antes de abandonar a faixa presidencial no gabinete do terceiro andar do Palácio do Planalto – não haverá transmissão do cargo –, a presidenta tomou medidas que oneram os cofres públicos em mais 8 bilhões de reais. Ela reajustou o valor do programa Bolsa Família em 9%, a tabela do Imposto de Renda em 5%, aumentou os subsídios do Plano Safra e anunciou uma nova fase do programa habitacional Minha Casa Minha Vida. Todos atos que dificilmente serão revertidos pelo seu sucessor, já que soariam como um primeiro embate com parcela importante da sociedade brasileira.
Assim que Rousseff deixar a presidência brasileira e perder metade de seu salário (que hoje é de 33.000 reais), a petista se dedicará não só a denunciar o “golpe”, mas também a contribuir para um novo livro que o jornalista Ricardo Batista Amaral está escrevendo sobre ela. Fora do principal cargo do país, Rousseff deverá se intercalar entre duas moradas, o Palácio do Alvorada, a residência oficial da presidência (ainda que afastada) e seu apartamento em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, para onde ela já enviou parte de seus objetos pessoais que estavam em Brasília.
Dilma não vai descer a rampa do Palácio do Planalto, como havia previsto inicialmente. Mas, participará de um ato na frente do Planalto em que estarão militantes (MST, UNE, MTST, CUT e outros). Talvez com a presença de Lula. Deve sair do Planalto ladeada pelos poucos ministros que ainda lhe são fieis, como os petistas Aloizio Mercadante, Jaques Wagner e Ricardo Berzoini, além da peemedebista Kátia Abreu. A expectativa é que o mentor dela, o ex-presidente Lula a receba junto com militantes, celebridades e intelectuais de esquerda.
A mulher que entrou na presidência sem ser política (era chamada de poste), que é criticada por não saber dialogar nem administrar um país, deverá deixar o cargo diante de um dos maiores atos políticos desde a redemocratização brasileira. Há analistas políticos que dizem que a “morte” de Dilma representará o renascimento da esquerda, ainda que ela leve anos para se recompor.
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Dilma vive últimos dias abraçada a movimentos sociais e longe dos políticos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU