05 Mai 2016
“O país tem a propensão arraigada de esquecer o passado e, talvez por isso, lhe caia bem o rótulo de país do futuro”, afirma Pedro Dutra da Fonseca, professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS, em artigo publicado por Zero Hora, 05-05-2016.
Eis o artigo.
Nos últimos dias, a cotação do dólar ficou abaixo de R$ 3,50. A queda é internacional, mas aqui acentuada com a perspectiva de mudanças na economia. Péssimo para o setor exportador, cujo crescimento representa uma das últimas esperanças para minorar a recessão e o desemprego. Mas há quem comemore, a torcida a favor é robusta.
Dólar baixo (ou, se quiser, real valorizado) foi a política adotada por Lula sob a regência de Henrique Meirelles, cotado para novamente assumir a pasta da Fazenda, e depois mantida por Mantega. Todo governo a abençoa. Para começar, a inflação cai, pois represa os preços “dolarizados”, como gasolina, fretes, remédios, produtos químicos, TV por assinatura, passagens aéreas.
Preços baixos estimulam o consumo, e por isso muitos rotulam tal política de “populismo cambial”, pois reelege qualquer governo. O consumo cresce sem ser sustentado por investimentos, o que não lhe assegura manter tal trajetória no longo prazo. Mas o clima inicial é de euforia. Saúda-se uma “nova” classe média nos aeroportos, enquanto a “velha” prefere, bregamente, ir a Miami comprar o que aqui se acha em qualquer shopping.
Hoje sai às ruas pelo impeachment, paradoxalmente com saudade do governo Lula e de seu dólar baratinho. Com este, o país se desindustrializa, mas os endividados em dólar comemoram, com o aval da ortodoxia econômica, para quem, se o dólar chegou um dia a menos de R$ 1,60, é porque resultava do equilíbrio entre oferta e procura: como se um dos preços mais relevantes da economia devesse ser tratado da mesma forma que as verduras da feira.
Com tanta gente a favor, qualquer argumento contrário era rechaçado: é estraga-prazer no meio da festa perguntar quem e quando se pagará a conta. Mas a conta foi para o futuro, que é o nosso presente. Veja o atual índice de desemprego e as propostas cogitadas pela provável equipe econômica futura para saber quem as vem pagando e as pagará.
Hoje não se tem mais a demanda chinesa que deu retaguarda à tal política, de modo que será difícil voltar ao passado. Mas os últimos dias mostram que a tentação é grande.
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O dólar tentador - Instituto Humanitas Unisinos - IHU