04 Mai 2016
Quando Tamara Adrián, deputada venezuelana transgênero opositora, interveio em um painel sobre inclusão, na sessão de encerramento da Semana Internacional da Sociedade Civil (ICSW2016), que aconteceu em Bogotá, cerca de 12 mulheres latino-americanas se levantaram irritadas e deixaram o salão.
A reportagem é de Constanza Vieira, publicada por IPS e reproduzida por Envolverde, 03-05-2016.
Adrián falava da corrupção que campeia na Venezuela, governada pelo presidente chavista Nicolás Maduro, e do bloqueio institucional às reformas promovidas pela oposição, majoritariamente no parlamento. Seu antecessor na palavra, da Transparência Internacional, havia se referido à corrupção dos governos de esquerda nos países sul-americanos.
Já fora do auditório da Plaza de Artesanos, rodeada por grandes parques no ocidente da capital colombiana, as mulheres, que representavam movimentos sociais, discutiam que, ao atacar a corrupção da esquerda, a direita se esquece – para citar apenas um caso – do então presidente brasileiro Fernando Collor (1990-1992), destituído por corrupção.
“Por que não citam os que deram golpes de Estado na América Latina e são corruptos?”, questionou a salvadorenha Marta Benavides, com seus cabelos brancos. Ela afirmou à IPS que não é contra cada um expor sua opinião, “mas que pelo menos respeitem. Nem todos concordamos com o que foi dito: que a América Latina é corrupta. É um fenômeno global, e aqui temos que falar a verdade”.
Essa verdade, a seu ver é que e “América Latina passa por uma situação bem difícil, com golpes de Estado de diferentes tipos”, e ressaltou que seu pronunciamento não era uma defesa da presidente Dilma Rousseff, que enfrenta um processo de impeachment por ter supostamente alterado dados econômicos, ou do governante e esquerdista Partido dos Trabalhadores.
“Quero que se fale da verdadeira corrupção. No Brasil, tentam voltar ao poder os que deram um golpe de Estado como o de 1964 para continuar destruindo tudo: não só o Brasil, seus povos e seus recursos, mas isso vai afetar todo o mundo”, apontou Benavides. Para ela, todos os integrantes do painel “estavam dizendo mentiras” e não havia uma opinião divergente.
Porém, ao se retirarem, essas mulheres não ouviram, no mesmo painel, Emilio Álvarez-Icaza, secretário executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que denunciou que todos os governos do continente (de direita, de esquerda, do norte e do sul) estrangulam financeiramente esse organismo e o Tribunal Interamericano de Direitos Humanos. “Está perto de arrebentar uma crise econômica no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, formado por essas duas instituições autônomas, vinculadas à Organização de Estados Americanos (OEA)”, ressaltou.
“No financiamento regular da OEA, a CIDH é uma prioridade de 6%, e o Tribunal Interamericano de 3%”, resumiu Álvarez-Icaza. “Dizem que os orçamentos refletem as prioridades com clareza. Somosuma prioridade de 9%”, afirmou o secretário da CIDH sobre este aparato judicial que julga os Estados e protege líderes sociais e defensores de direitos humanos mediante medidas cautelares. E também qualificou como “inadmissível, vergonhoso” que esse sistema “se mantenha por doações europeias ou de outros atores”.
As vozes foram múltiplas nesta variada assembleia, realizada no final de abril, convocada pela Civicus, uma aliança global da sociedade civil. Do encontro participaram cerca de 900 delegados de mais de cem países. No encerramento foi eleita uma nova junta diretora da Civius.
Tutu Alicante, advogado de direitos humanos da Guiné Equatorial, é considerado “inimigo do Estado” e vive asilado nos Estados Unidos. Ele contou à IPS que seu país está “muito isolado do resto da África, e precisamos da ajuda da América Latina para apresentar nossos casos em nível mundial”. O presidente do país, Teodoro Obiang, está há 37 anos no poder, e foi reeleito por mais sete anos no dia 24 de abril, com mais de 90% dos votos, em eleições das quais a oposição não participou.
Seu filho é vice-presidente e já se apresentou para sucedê-lo. “Pelos interesses dos Estados Unidos e da Inglaterra no petróleo e no gás, acreditamos que vai conseguir”, pontuou Alicante. Para ele, o mais interessante da assembleia foi as pessoas que conheceu, “a sociedade civil mundial que trabalha para construir um mundo muito mais igualitário e justo, embora tenham faltado comunidades indígenas e afros. Estamos na Colômbia, onde há uma comunidade afro importante e que não participou da assembleia”.
Mas “há um espírito de que cresçamos e mais gente seja incluída”, destacou Alicante. Quando dizia isso, se aproximou uma das mulheres mais importantes do movimento indígena colombiano, Leonor Zalabata. Líder do povo arhuaco, de Sierra Nevada de Santa Marta, liderou as reivindicações por educação e saúde próprias, autonomia indígena e organização das mulheres de sua comunidade. Ela se despediu do encontro como uma das personagens centrais.
Uma mulher de aparência árabe e nome árabe, Raaida Manaa, abordada pela IPS, resultou ser uma jornalista que descende de libaneses e vive em Barranquila, capital do Caribe colombiano. Ela trabalha com a Associação Internacional para os Esforços Voluntários, com sede em Washington. Ela destacou como “o mais importante” do encontro o fato de ter sido convocado justo neste momento na Colômbia, protagonista de um processo de paz com as guerrilhas marxistas.
Isso chama no sentido de enfrentar a paz “de maneira responsável e com um plano estratégico para fazer bem as coisas!, enfatizou a jornalista, que daria o seguinte título a uma matéria sobre a assembleia: “Unida, a sociedade civil tem poder”. E o começo seria: “Se trabalharmos juntos e nos conectarmos com o que outros estão fazendo em outros países, o que fizermos terá maior sentido também”.
Na Colômbia há uma notável migração árabe. Em 1994, a maior população palestina fora do Oriente Médio vivia na Colômbia, embora muitos tenham fugido quando a guerra colombiana recrudesceu.“A luta pacífica deve ser a única”, disse o Nobel da Paz 2015, Ali Zeddini, da Liga de Direitos Humanos da Tunísia e que esteve presente em todas as jornadas da assembleia. Mas, acrescentou, “não se pode obter uma paz duradoura e estável se não se resolver o problema palestino”.
Depois de a pressão mundial ter conseguido acabar com o apartheid sul-africano, o regime de segregação racial institucionalizada, resta a Palestina como a grande tarefa, opinou Zeddini, apoiando “energicamente” a candidatura ao Nobel da Paz do palestino Marwan Barghuti, condenado à prisão perpétua por Israel. Barghuti foi capturado em 2002, durante a Segunda Intifada.
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“Unida, a sociedade civil tem poder” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU