15 Abril 2016
“Brasilia começa esquentar. A temperatura da conjuntura está nas alturas. O Acampamento Brasil Popular está aumentando a todo momento. À tarde haverá mais um momento de formação política. Está previsto a fala de Leonardo Boff e outros. No final do dia sempre é momento de mobilização. A delegação indígena Xakriabá está se deslocando para Brasilia”, escreve Egon Heck, do secretariado nacional do Conselho Indigenista Missionário – CIMI, ao enviar o artigo que publicamos a seguir.
Eis o artigo.
“Nós resistimos a mais de 516 anos de golpes. Querem nos calar. Vamos gritar mais forte. Estamos dando continuidade à luta dos povos originários desse país. Estou indignado, mas não irado. Estamos prontos para a guerra. Se me matam vou renascer”. Essas são algumas das manifestações da delegação dos índios Xakriabá, de Minas Gerais.
Foto: Laila/Cimi
Um novo amanhecer
Mal os primeiros clarões de mais um belo dia de outono, se projetam sobre o Centro de Formação Vicente Cañas, e os Xakriabá iniciam seus rituais: pinturas corporais, afastamento de maus espíritos, agradecimentos e pedido de forças a Tupã e aos encantados. Terão pela frente uma missão nada fácil. Lutar pelos direitos dos povos indígenas num contexto extremamente polarizado entre os que pleiteiam o impedimento da presidente Dilma e os que avaliam essa postura como um golpe.
De uma coisa eles têm certeza: deverão estar unidos, articulados e mobilizados pelos seus direitos, seja lá qual for o desfecho da atual crise. Havendo impeachment ou não. É com essa convicção que partiram resolutos para o espaço do acampamento da Frente Brasil Popular, integrada pelos movimentos sociais, sindicatos, partidos políticos, povos e comunidades tradicionais, trabalhadores sem terra, movimento dos pequenos agricultores, atingidos por barragens, movimento das mulheres camponesas, dentre outros. Não alimentam ilusões diante da malograda política indigenista do atual governo, mas confiam no poder de transformação social a partir da luta e aliança de todas as vítimas históricas desses momentos de profundas crises econômica, política, social e ambiental. Continuarão exigindo seus direitos, independente dos desfechos conjunturais. A demarcação dos seus territórios será exigida, pois se trata de direitos constitucionais originários, portanto anteriores à criação do Estado brasileiro. Igualmente denunciarão, em fóruns nacionais e internacionais, as violências, a criminalização, as omissões e a falta de políticas públicas eficazes para a garantia de seus direitos. Estarão combatendo a PEC 215 e todas as iniciativas no Congresso, que visam tirar os direitos indígenas. Denunciarão a criminalização de lideranças indígenas, funcionários da Funai e aliados.
Na avaliação sobre as mobilizações, os guerreiros e guerreiras, em sua grande maioria de jovens, externaram sua crença de que tem sido positiva a presença junto aos movimentos sociais e a participação no momento informativo/formativo e na mobilização contra os “impérios e monopólios da comunicação”.
Cobraram da Funai o andamento de processos de regularização de seu território e visitaram gabinetes de ministros do Supremo Tribunal Federal. Entregaram um documento no qual chamam atenção para ameaças a seus direitos. No final do dia, a delegação ainda participou de mobilizações do acampamento da Frente Brasil Popular.
Foto: Laila/Cimi
Em carta entregue ao ministro do STF, Luiz Edson Fachin, expressam as preocupações de seu povo e dos povos indígenas do Brasil:
Nós, Povo Indígena Xakriabá, oriundos da margem do rio São Francisco, reunidos em Brasília-DF entre os dias 11 a 15 de abril de 2016 vimos até Vossa Excelência entregar esta respeitosa carta e requerer o que nela segue:
Nosso povo, assim como a grande maioria dos povos indígenas do Brasil, teve seu território roubado por fazendeiros sob a guarida do Estado brasileiro. Na luta pela demarcação, que já dura mais de um século, várias lideranças nossas foram assassinadas. Por esse motivo, a demarcação das nossas terras é uma dívida que o Estado tem com nossa gente.
Ademais, não admitimos que o marco temporal, discutido pelo STF, possa impossibilitar que nossas terras nos sejam devolvidas. Essa interpretação nociva da Constituição Federal tende a retirar o direito à terra de milhares de indígenas e quilombolas, por isso pedimos encarecidamente que possa ser contra mais esse ataque a nossos direitos garantidos no art. 231 da Constituição.
Por fim, pedimos a Vossa Excelência que possa contribuir com os povos indígenas e, para isso é necessário apenas a aplicação do direito indígena previsto na Constituição de 1988. Não aceitamos a retirada dos nossos direitos e, por isso, mais uma vez, rogamos por Vossa intervenção em nosso favor (Brasília-DF, 13 de abril de 2016. Lideranças Xakriabá).
Quem resistiu a mais de cinco séculos de golpes, massacres, invasões, etnocídio, genocídio e toda a forma de violências, certamente atravessará esse mar de incertezas, incólumes e dispostos a continuar contribuindo com a construção de um Brasil mais justo, com menos corrupção e mais solidariedade, mais democrático e participativo.
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Povos Indígenas no Brasil: 516 anos de golpes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU