05 Abril 2016
Luís de Sousa, investigador do GOVCOPP - Research Unit in Governance, Competitiveness and Public Policies da Universidade de Aveiro e dirigente da Transparência e Integridade Associação Cívica, comenta as revelações dos Panama Papers.
Luís de Sousa, 42 anos, não vê novidades no modus operandi revelado pelo caso Panama Papers, que envolve um número ainda indefinido de figuras da política, das empresas, do desporto e das artes, em mais um escândalo de dinheiro enviado para offshores naquele país centro-americano. “Isto não é novo”, diz. “Não é a primeira vez que acontece e não há-de ser a última.” Este investigador do GOVCOPP - Research Unit in Governance, Competitiveness and Public Policies da Universidade de Aveiro e dirigente da Transparência e Integridade Associação Cívica está habituado a cruzar-se com casos deste tipo, tanto na organização que dirige, como nas suas investigações académicas sobre corrupção.
A entrevista é de Sónia Sapage, publicada por Público, 04-04-2016.
Eis a entrevista.
Estas revelações e o modus operandi que elas põem a nu são uma novidade para si?
Isto não é novo. Não é a primeira vez que acontece e também não há-de ser a última. Há uma atitude muito amoralista por parte dos governos que estão em situação de recessão e para quem todo o dinheiro é bem-vindo e não tem cor. Não! O dinheiro tem cor, pode parecer que não tem quando sai da "lavandaria", mas as "peças" vêm sujas de diferentes crimes ou abusos.
Quais são, normalmente, as origens desse dinheiro?
Ele resulta de abusos de natureza fiscal (muito comum em jogadores de alto nível, pessoas do mundo do espetáculos, políticos e empresários); desvio de verbas estatais (algumas até que não são sequer arrecadadas de impostos localmente – podem ser, por exemplo, dinheiros de ajuda humanitária, desviados por líderes corruptos); ou mesmo práticas ilícitas (como crime organizado, tráfico de droga, de armas ou humano). E isso acontece em prejuízo das finanças dos Estados e da qualidade de vida das populações locais. O dinheiro é todo lavado da mesma forma – o que provém da fuga ao fisco ou de diamantes de sangue. O mecanismo de lavagem é igual para todas as proveniências.
Diria que esta é uma altura boa para produzir mais legislação sobre offshores?
Já se tem feito muito sobre isto. O problema está nos mecanismos de controle e na falta de vontade política. Algumas instâncias compreendem que estas brechas criam muita instabilidade no sistema financeiro, mas todos os esforços são poucos. Tem havido um aumento dos esforços da comunidade internacional e dos países signatários de convenções internacionais em matéria de branqueamento de capitais, controlo de offshores e de combate ao financiamento do terrorismo. Durante anos a fio a sociedade civil tem criticado o uso dos offshores, tem alertado para os perigos que resultam da existência destes paraísos fiscais e de outro tipo de instrumentos muito em voga em tempos de recessão econômica, como é o caso dos vistos gold, por exemplo.
Do lado das empresas que prestam estes serviços como funciona?
Este tipo de criminalidade complexa exige um know-how brutal de funcionamento do sistema financeiro internacional. E esse está distribuído por dois tipos de agentes mediadores que têm de estar presentes: os peritos em offshores, ou em fundos, ou em empresas fantoche, que normalmente são consultores financeiros; e/ou grandes firmas de advogados que operam já em mercados internacionais e que são conhecedores das brechas, das leis e dos mecanismos de controlo e que vão trabalhando nas margens, para branquear o dinheiro que vai reentrar no circuito, limpinho. É essa a sua função. Pode haver ainda alguém com componente de tecnologias da informação, porque muito disto faz-se virtualmente. Importa estar em cima disto, sim. Se me fala de uma reflexão legislativa, é aqui que ela é mais necessária.
Pela dimensão do caso, ao nível as pessoas implicadas e da extensão de documentos, isto é muito transversal. Concorda?
Isto é sistémico, aliás, transsistémico. Não vamos pensar que situações destas não vão ser desvendadas no futuro. Algumas destas investigações vão originar novas investigações que são abertas até pelo poder judicial. E isto não é neutro, tem impacto na política externa. Quando os governos não assumem uma posição dura em relação a este tipo de práticas capitalistas e sem transparência, o que vai acontecer é que vai haver perdedores. E os perdedores somos todos nós, os contribuintes dos países que ficam sem o dinheiro da fuga aos impostos e as populações que ficam mais expostas. Isto cria uma má imagem do financiamento da economia e cria uma enorme suspeita e tensão relativamente àquilo que são os países que mais peso têm na gestão desta economia global. Movimentos extremistas estão a rebelar-se contra o Ocidente e contra um sistema económico injusto que é governado por estes países.
Mas esses países também usam offshores.
Claro! Estes grupos não são o Robin dos Bosques e também se financiam através disso. O que eu quero dizer é que fazem uma batalha discursiva sobre o sistema capitalista podre dominado pelo Ocidente, mas depois também compram armas ao Ocidente. É pura hipocrisia. Mas que há um impacto negativo em termos de relações externas, há.
Acredita que isto vai ter outro tipo de consequências?
Acredito que haja consequências a partir do momento em que as revelações são feitas. Isto não é perfeitamente inócuo.
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“O dinheiro é todo lavado da mesma forma” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU