15 Março 2016
Juan Manuel Santos (Bogotá, 1951) fez das negociações de paz com as FARC a bandeira de seu mandato como presidente da Colômbia. Não há dia em que não repita a transcendência que representa, para o país, acabar com um conflito armado que já dura mais de 50 anos, o último do hemisfério ocidental. Independentemente do ato de que se trata. Como ministro da Defesa, durante a presidência de Álvaro Uribe, lançou duros golpes contra a guerrilha. O atual avanço em direção à paz, no entanto, foi duramente criticado por seu antecessor (Uribe), que se soma à grande parte da opinião pública. O apoio ao acordo com as FARC possui um dos seus níveis mais baixos de popularidade, justo agora, que a reta final se aproxima.
A entrevista é de Javier Lafuente, publicada por El País, 12-03-2016.
Esse passo em direção a conduzir a guerra para tentar obter a paz tem representado “uma mudança abrupta” para o presidente colombiano. “Liderar um país em guerra é relativamente fácil. A gente mostra os troféus, aplaude e se mantém popular. Hoje, é mais difícil, porque é preciso mudar os sentimentos do povo, as percepções, ensinar que em lugar de clamar por vingança é necessário aprender a perdoar. E que, em vez de odiar, é possível se reconciliar”, ressalta Santos, apesar de admitir que essa guinada não é fácil. “Uma pessoa não é capaz de mudar os sentimentos da população de um dia para outro. É preciso implantar um grande esquema pedagógico, o que requer um esforço durante muitos anos”.
A entrevista, realizada na quinta-feira, ocorreu horas depois de que as FARC sugeriram, com base em algumas declarações de Santos feitas no dia anterior, estabelecer uma nova data para a assinatura definitiva do acordo paz, previsto para o dia 23 de março. O luminoso Salão Amarelo da Casa de Nariño contrasta com a escuridão de alguns corredores do palácio residencial, onde os funcionários caminham preocupados em não tropeçar. Nenhuma luz está acesa para economizar a maior quantidade possível de energia e contribuir para evitar os irremediáveis apagões temidos pelos colombianos.
Eis a entrevista.
Que documento será assinado no dia 23 de março?
Estamos fazendo um grande esforço, de todos os lados, para terminar no dia 23. Continua sendo uma data muito importante para chegar a acordos. O que eu disse foi que não vamos assinar um tratado ruim apenas para cumprir com esse prazo.
Então, o que poderia ser assinado? Estão preparados para um cessar-fogo bilateral?
Falta chegar a um ponto para decidir o fim do conflito. Já estamos de acordo em relação ao desenvolvimento rural, à participação política, ao narcotráfico, e, o mais importante de tudo, às vítimas. Ainda não resolvemos as questões relacionadas à desmobilização, ao desarmamento e à reintegração dessas guerrilheiros à vida civil. Estamos fazendo um grande esforço para terminar.
Se o acordo não for assinado no dia 23, quando poderia ser concluído?
Eu acredito que as duas partes querem terminar o quanto antes, para poder começar a implementar o acordo. Não quero estabelecer uma data porque depois ela será cobrada.
As críticas contra o tratado de justiça não param, sobretudo no que diz respeito à ideia de que nenhum guerrilheiro será condenado à prisão. Quanto essa medida vai pesar depois da assinatura?
Não há acordo de paz perfeito. Pela primeira vez na história, as duas partes concordaram em se submeterem a uma justiça de transição, que tem que ser menos rígida do que o normal. Mas, os máximos responsáveis por crimes contra a humanidade vão ser julgados, condenados e sancionados. Estamos aplicando os padrões internacionais e de nossa Constituição, com acréscimos. Acho que chegamos a um ponto de equilíbrio aceitável para todos.
Recentemente, houve muita polêmica por um ato de pedagogia das FARC em que os negociadores apareceram acompanhados por guerrilheiros armados. O que Colômbia precisa para acreditar que os líderes das FARC vão fazer política sem armas?
Quando a população vir que assinamos os acordos vai dizer: “Que maravilha”. Toda essa desinformação é o que faz com que as pessoas acreditem que estamos entregando o país ao castrochavismo, ao comunismo, ou que me tornei um membro das FARC… nada disso é verdade. É tudo uma estratégia para semear o medo e mentiras.
Além de negociar com as FARC, é preciso prestar contas à oposição e aos cidadãos. Como isso foi feito no decorrer desses três anos?
Foi muito difícil, mas aprendi muito. Eu pensava que as vítimas iam ser o lado mais rígido, e me surpreendeu que tenha sido ao contrário. Elas foram as que mais demonstraram generosidade e disponibilidade para perdoar. Foi um processo muito complicado, não entendo como pessoas racionais e bem informadas podem estar contra alcançar a paz por meio de um processo tão bem programado e executado. Sinto que estou fazendo o que é certo, apesar de que, muitas vezes, não sou compreendido.
O que você pensa quando escuta do principal partido de oposição que eles estão contra uma ditadura?
Aí sim dou risada, porque esse tipo de ataques provocam apenas risos. São tão absurdos que não conseguem se sustentar com sua própria força.
Esta semana, o partido de Álvaro Uribe apoiou uma lei para criar áreas de concentração para os guerrilheiros. No entanto, as diferenças existentes com o ex-presidente em relação à paz continuam sendo muitas. Quanta paz é possível obter se Uribe não fizer parte do acordo?
A paz será alcançada, com ou sem Uribe, mas prefiro, mil vezes, que seja com ele. E que seja uma paz de todos. Isso enriqueceria o processo e limparia, muito mais, o futuro deste país.
Tomara que o que aconteceu esta semana se repita. Não tenho feito outra coisa a não ser convidá-lo para participar deste processo, porque ele quis fazer exatamente o mesmo. Não entendo porque antes era bom e agora é ruim.
As pessoas têm outras prioridades, não percebem a guerra diariamente.
Quando foi a última vez que vocês se falaram?
Já não me lembro.
Como você mudou sua percepção da guerrilha?
Entrei no processo com um grau muito alto de ceticismo, por isso, impus essas condições ao princípio: não haveria cessar-fogo até o final e nem acordos sobre nada até que não concordássemos em tudo. Mas, eu disse para mim mesmo: Preciso ir desenvolvendo confiança e ver que eles estão levando isso a sério. Foi um processo evolutivo. Hoje, estou absolutamente convencido de que eles estão decididos a alcançar a paz.
Em que momento você se deu conta de que o processo era irreversível?
Quando o Conselho das Nações Unidas, de forma unânime, aprovou o mandato para verificar o fim do conflito e as FARC aceitaram que o organismo monitorasse seu desarmamento. Aí fiquei 100% convencido.
Você optou por referendar os acordos mediante um plebiscito que está gerando muita polêmica. Se os colombianos não derem seu apoio, em que situação você fica?
Ainda existe gente que pensa que as FARC não vão assinar o acordo de paz. Quando virem isso acontecer, estou absolutamente convencido de que não só vão demonstrar seu apoio, como também o farão de forma abrumadora.
Em alguns momentos, você quis jogar a toalha e desistir. Até que ponto você estava obcecado pela paz?
Eu me apaixonei pela paz, mas aprendi a não me deixar obcecar por nada. Teria sido muito pior fazer o contrário, e ter chegado ao fim da minha vida pensando que tive a oportunidade e não a aproveitei. Paguei um preço caro por isso, política e pessoalmente. E você pode ter certeza de que esses custos vão se converter em grandes investimentos em satisfação pessoal e também em matéria política. No entanto, depois de terminar meu governo, não pretendo continuar fazendo política.
Faz quase dois anos que as conversas com o ELN tiveram início. Será estabelecido um processo formal com essa guerrilha?
Eu espero que sim, e que isso aconteça o mais breve possível. Seria muito melhor se o ELN decidisse fazer parte processo já em andamento, é óbvio. Mas se, por algum motivo, essa guerrilha escolher um caminho diferente, continuaremos a combatê-la com toda a efetividade.
Uma pesquisa recente indicou que, apesar de você ter chegado ao ponto de assinar o acordo de paz, 69% dos colombianos desaprovam a sua gestão. Quais você acha que são os motivos?
A opinião pública é muito volátil. Estive em situações de popularidade mais baixa e ganhei as eleições.
A economia da Colômbia vai continuar a crescer, mas a inflação disparou. Os cidadãos sentem esses efeitos no dia-a-dia. Por que não admitir que a situação não é boa?
Porque a economia vai bem. As taxas de crescimento de 3,1% do ano passado estão entre as mais altas da América Latina, e do mundo; tivemos uma redução da pobreza, nos últimos cinco anos, de mais de 12%; e diminuímos a pobreza extrema pela metade, gerando mais de 3,2 milhões de empregos, em sua maioria formais. É preciso reconhecer que a inflação subiu nos primeiros meses devido ao fenômeno do El Niño – que, dessa vez, causou as piores consequências em toda a nossa história – e à desvalorização do peso colombiano. É obvio que temos problemas e os estamos enfrentando. A inflação voltará ao limite estabelecido pelo Governo e pelo Banco da República, entre 2% e 4%.
O fenômeno El Niño é uma das razões pelas quais a Colômbia vive uma crise energética. É possível garantir que não haverá cortes de luz?
Se os colombianos economizarem, no mínimo, 5% de seus gastos com energia durante as semanas que restam até o fim do El Niño, não haverá cortes de luz. Se não fizerem isso, podem ocorrer apagões.
É considerada como uma opção adiantar a hora, como foi feito em 1992, para economizar energia?
Eu adiantei a hora nessa época, tive que fazer isso, e a medida dividiu o país. A população do norte gostava da mudança de horário, e a do sul ficou furiosa. Não vou repetir essa experiência, quero um país unido. Não vou alterar a hora.
Com essa série de problemas, e, depois do abrandamento do conflito, desde o último verão, você sente que há um desapego pela paz?
Os colombianos têm outras prioridades, não percebem a guerra diariamente. O povo tem outras preocupações, e isso é normal, é a evolução de um país em guerra para se tornar um país em paz.
Como você vê as mudanças políticas que estão acontecendo na América Latina?
A evolução política é parte dessa lei pendular da física, as coisas vão para um lado e para o outro. No caso colombiano, e no meu pessoal, vejo ambos os lados com interesse, porque eu sou partidário da terceira via. Estamos no extremo centro, e acredito que a aplicação desse pragmatismo econômico e social nos levou à liderança na região.
Um dos países mais conturbados é um dos que mais apoiou o processo de paz colombiano. Como estão as relações com a Venezuela?
Estão normais, dentro do que são as relações entre dois países com opiniões muito diferentes sobre muitas coisas. O que queremos é que, a todo custo, o governo e a oposição se sentem para dialogar e tomar as medidas necessárias para reverter essa deterioração que a Venezuela está sofrendo. Obviamente, essa situação nos preocupa, porque tudo que acontece nesse país vizinho nos afeta. O que desejamos é que seus problemas sejam resolvidos.
Você vai se reunir com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, durante sua visita a Cuba?
É o Obama que vai a Cuba, não está nos meus planos visitar a ilha.
Durante sua recente viagem a Washington, foi cogitada a possibilidade de uma visita de Obama à Colômbia caso o acordo de paz fosse assinado?
Conversamos, em várias oportunidades, sobre a possibilidade de Obama estar presente no ato de assinatura do acordo de paz. E seria maravilhoso que isso acontecesse.
O acordo será assinado na Colômbia?
Vamos ver quando isso estiver mais perto, mas alguma coisa tem que ser feita na Colômbia.
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Presidente da Colômbia: “Não há acordo de paz perfeito” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU