26 Fevereiro 2016
Uma mistura de ressaca, dúvidas, decepções e vontade de programar de imediato novas articulações para as votações. Com esses sentimentos deputados e senadores chegaram hoje (25) ao Congresso, após a aprovação de ontem, no Senado, do projeto que retira da Petrobras a obrigatoriedade de participação em pelo menos 30% nos contratos de exploração do pré-sal.
A reportagem é de Hylda Cavalcanti, publicada por Rede Brasil Atual - RBA, 25-02-2016.
A ressaca foi pela luta incessante dos parlamentares que se posicionaram, desde o início, contrários à proposta. A dúvida porque, mesmo com o anúncio de que a matéria contou com o apoio do Palácio do Planalto, muito afirmam não ter recebido aceno claro nesse sentido e se dizem decepcionados.
Por outro lado, desde o momento em que a votação tendeu para uma derrota, eles já começaram a se programar para fazer novas reuniões com o intuito de barrar a matéria durante sua tramitação na Câmara, para onde seguirá o texto a partir da próxima semana. Não será fácil, uma vez que a maioria das votações legislativas mostram que é no Senado que são modificadas a maior parte das matérias vindas da Câmara e não o contrário.
Ao mesmo tempo em que as lideranças evitam entrar em detalhes sobre o que houve no rumo final das negociações entre Executivo e o relator do substitutivo ao texto, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), os petistas e demais integrantes da base aliada tentam evitar confronto com o Executivo. Mas não escondem o ar de revolta. “O assunto será debatido melhor entre as bancadas, mas uma coisa é certa: o PT, e diria que toda a base aliada, são contrários ao texto da forma com foi aprovado ontem”, afirmou o líder de um partido de sustentação ao Executivo, ainda em tom confuso.
PT não apoia
Recém-nomeado líder do governo no Senado, Humberto Costa (PT-PE), que por enquanto acumula o cargo com a liderança petista na Casa, foi mais pontual. Ele se absteve de votar, devido à posição que ocupa, mas deixou claro que não faz parte das intenções do partido o apoio ao projeto. Costa foi um dos líderes que tentou adiar a votação.
“Sempre fomos contrários ao fim da prerrogativa da Petrobras de participar com um mínimo de 30% dos consórcios que forem explorar petróleo no pré-sal. Não faz muito sentido esse projeto, principalmente pelo preço do barril de petróleo e, inclusive, porque as multinacionais não dominam a tecnologia de exploração em águas profundas. Portanto, as empresas obrigatoriamente precisariam da presença da Petrobras nos consórcios e ele termina se tornando inócuo”, avaliou.
Mais contundente, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que se disse “traído” pelo Palácio do Planalto, prometeu ir para as ruas e participar da mobilização e discussão sobre o tema na Câmara, para que os deputados consigam “reparar o malfeito”. E se juntar ao grupo que quer fazer uma grande campanha no sentido de reverter o teor da matéria. “A iniciativa de acelerar os leilões é um risco à soberania nacional, inoportuna e prejudicial à Petrobras. Este momento, de crise econômica, não é o ideal para uma mudança no marco regulatório”, acentuou.
Contrário à ideia desde o início, o senador Roberto Requião (PMDB-PR) disse que o texto “não tem sentido” e que não haverá investimento estrangeiro, apenas a entrega das reservas brasileiras para as multinacionais. “Este é um projeto que quebra a Petrobras, porque, sem o pré-sal, ela não sobrevive à crise, que pode ser ultrapassada rapidamente.”
Em nota, o presidente do PT, Rui Falcão, afirmou que "apesar da derrota parlamentar sofrida, o Partido dos Trabalhadores continuará empenhado em resistir ao retrocesso representado por esta mudança da lei. Nossos deputados federais combaterão a medida, na Câmara, com a mesma tenacidade dos nossos senadores", e adianta que a legenda deverá participar de novas mobilizações populares contra o projeto que retira da Petrobras a exclusividade de operação do pré-sal. "O PT marchará ao lado das demais forças progressistas, dos movimentos populares e sindicais contra este ataque à soberania nacional e ao nosso desenvolvimento independente."
Dilma e a base
Em suas contas nas redes sociais, A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) divulgou um artigo em que abordou o simbolismo da votação de ontem e o saldo político do resultado.
"Não temos de criticar Dilma, apontar o dedo, chamá-la de traidora. Não, não é. É presidenta num contexto político duro, de disputa intensa, frágil politicamente, que governa com uma composição de forças políticas que têm grandes contradições entre si."
Gleisi apena ainda para que as forças que elegeram e mantêm a presidenta no cumprimento institucional de seu mandato mantenham a coesão, como forma de enfrentar novas ofensivas planejadas pelos setores conservadores do país, apesar do revés. "Se posicionar contra o governo é tudo o que a direita quer. Vamos defender nosso governo, vamos defender Dilma! E vamos continuar disputando e cobrando o compromisso com o nosso projeto. Essa luta não está perdida, ainda tem a votação na Câmara e temos condições de nos organizarmos e nos mobilizarmos. Cabe a nós mantermos a disputa sobre o que acreditamos, sobre os rumos do governo."
Patrimônio estratégico
Na Câmara, o líder do PT, deputado Afonso Florence (BA), que ainda não se posicionou porque está no plenário liderando as votações da manhã, já havia afirmado em artigo recente que “a Petrobras como operadora única é a garantia de que os conhecimentos e a estratégia de exploração do pré-sal estarão sob controle do Brasil”. Segundo ele, “tergiversar sobre o tema e, com argumentos insustentáveis, defender o fim da estatal como operadora única é, veladamente, defender a entrega desses recursos, de interesse estratégico nacional, para as multinacionais”.
Os primeiros a se posicionar na Câmara, de forma contundente, foram o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), Bohn Gass (PT-RS) e Enio Verri (PT-PR). Zarattini afirmou que o país não pode entregar um conhecimento e tecnologia desenvolvidos pela Petrobras para as grandes empresas internacionais e acentuou que “a bancada petista fará tudo para impedir a aprovação do projeto na Casa”. Gass destacou que o texto do senador José Serra significa a redução de renda, emprego e verbas para a saúde e educação no país. Para Enio Verri, trata-se da “perda da soberania e quebra da Petrobras”.
O deputado Alessandro Molon (Rede-RJ) afirmou que a Câmara precisa aproveitar para debater a matéria como deve, uma vez que isso não aconteceu no Senado (onde a proposta, de uma comissão especial, seguiu direto para o plenário em caráter de urgência), de forma a preservar o patrimônio estratégico que tem a Petrobras para o país. Glauber Braga (Psol-RJ) enfatizou que o texto, da forma como está, representa a entrega das riquezas nacionais do Brasil.
Serra minimiza mudança
Para os parlamentares que apoiaram a aprovação da matéria, a justificativa é de que a mudança "não foi tão grande". “A única coisa que o projeto faz é tirar a obrigatoriedade de essa empresa ter que investir em cada poço do pré-sal mais ainda, com 30%. Ninguém está entregando nada. Ninguém está levando nada embora. Tudo continua nas mãos do poder público, apenas a Petrobras não é obrigada a investir. Apenas isso. Se ela quiser, em um mês, ela manifesta sua intenção e controlará o poço”, disse o senador José Serra (PSDB-SP).
Na prática, o Projeto de Lei do Senado (PLS) 131 revoga a participação obrigatória da Petrobras na exploração do petróleo da camada pré-sal, mas dá à companhia a opção de reivindicar a sua intenção em participar dos contratos. A matéria foi aprovada na forma de um substitutivo elaborado pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR) por 40 votos a 26, com duas abstenções.
O substitutivo, conforme anunciado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), “teria sido negociado” mediante acordo entre PSDB, a bancada do PMDB e integrantes do governo. Insatisfeitos, os parlamentares da base aliada deixam claro que a briga não acabou.
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No Congresso, clima é de ressaca, dúvidas e contrariedade com votação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU