24 Fevereiro 2016
Pelo menos seis mil pessoas fugiram de Moçambique para o Malawi desde meados do ano passado. Esta é uma consequência das operações do exército moçambicano para desarmar as milícias ligadas à Renamo (Resistência Nacional Moçambicana), denuncia a organização de direitos humanos Human Rigths Watch (HRW). Em um comunicado emitido esta terça-feira, a organização fala de alegadas execuções sumárias, abusos sexuais e maus-tratos da parte das forças armadas na província de Tete, zona central de Moçambique e um reduto da Renamo.
A reportagem é de Joana Gorjão Henriques, publicada por Público, 23-02-2016.
“O exército de Moçambique não pode usar a desculpa de desarmar as milícias da Renamo para cometer abusos contra as mesmas ou contra os residentes locais”, diz Zenaida Machado, a investigadora da Human Rights Watch para Moçambique. “O governo deve iniciar, com urgência, uma investigação às denúncias de abusos e garantir que as operações de desarmamento são conduzidas de acordo com a lei.”
No início de fevereiro, o jornal moçambicano Savana relatou que o ACNUR, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, tem milhares de cabanas e centenas de tendas brancas num campo de refugiados em Kapise, a 300 metros da fronteira com Moçambique. Acolhem a vaga de refugiados moçambicanos que fugiram dos confrontos militares entre a Renamo e o Governo, liderado pela Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique). A descrição ao jornal de quem fugia dos conflitos passava por “atrocidades na origem e fome na chegada”: para fugir dos militares, alguns percorreram a pé mais de 70 quilômetros a pé em zonas de conflito, e foram obrigados a dormir no chão sem cobertores e ao frio. Os refugiados começaram a chegar em julho, “com pessoas que se diziam vítimas de perseguição e agressão das forças governamentais”, mas o número aumentou significativamente em dezembro, disse ao Savana o comissário do distrito de Mwanza, no Malawi, Gift Rapozo.
Segundo o jornal, refugiados disseram que as forças estatais quando chegavam às aldeias faziam ataques armados e sexuais, torturas físicas, incendiavam casas e celeiros, alegando que a população abrigava apoiantes da Renamo. A HRW recolheu depoimentos no mesmo sentido: “Mulheres descreveram como os seus maridos foram sumariamente executados, ou amarrados e levados para paradeiro desconhecido por soldados de uniforme, alguns deles transportados por veículos do exército. Em vários casos, os soldados incendiaram casas, celeiros e campos de cultivo, acusando os residentes locais de alimentar e apoiar as milícias.”
Na quinta-feira, dia 18, também o ACNUR emitiu um comunicado denunciando que os refugiados, a maioria mulheres e crianças, estão sendo pressionados a regressar ao país. Pediu às autoridades do Malawi que respeitem os seus direitos de asilo pois não está a registrá-los como requerentes desse estatuto. Além disso, o Governo moçambicano nega que sejam refugiados, tendo até dito que se tratavam de agricultores, recusa a situação de conflito e está passando a ideia de que eles podem regressar em segurança ao país. “Verificámos que os refugiados vêm do distrito moçambicano de Moatize, na província de Tete”, disse um alto oficial do Ministério da Administração e Segurança Interna, Beston Chisamire, à HRW. “Não temos intenção alguma de abrir um campo de refugiados. O nosso foco é a sua repatriação.”
Residentes do campo afirmaram, por seu lado, à HRW que não querem regressar a Moçambique por terem medo. “Por que razão deixaria a minha casa, os meus campos e os meus bens para vir viver neste campo sobrelotado se fosse seguro ficar em Moçambique?", disse uma idosa à HRW.
O Banco Mundial e os Médicos Sem Fronteiras estão a prestar assistência aos refugiados. A HRW diz que o campo que é de difícil acesso, está sobrelotado, tem apenas dois furos de água e nenhuma instalação escolar.
O conflito entre a Renamo e Frelimo vem desde o pós-independência em 1975. Passou por períodos menos conturbados mas recentemente, o presidente da Renamo, Afonso Dhlakama, anunciou que a partir de março vai governar à força as seis províncias (de um total de 11) onde teve maior número de votos nas eleições gerais de 2014 - o líder da Renamo desde 1979, que regressou à antiga base do partido na zona da Gorongosa e está em parte incerta, alegou fraude eleitoral.
Tem insistido na criação de autarquias nas províncias onde teve o maior número de votos mas não chega a acordo com o governo. No ano passado, o exército começou a desarmar milícias ligadas à Renamo – que se havia recusado fazê-lo.
Em meados de Janeiro, o secretário-geral da Renamo, Manuel Bissopo, foi baleado na Beira, Sofala, centro de Moçambique. A situação em Moçambique é tensa, relatam várias fontes, com o regresso das escoltas militares até Caia, distrito fronteiriço entre Sofala e Zambézia, para protecção dos ataques da Renamo.
Em entrevista ao jornal O País no dia 15 de fevereiro, Dhlakama disse: “Estou a dirigir a Renamo a partir de uma casa feita de palha e paus. Governar significa coordenar todas as atividades de todos os distritos. Ter em mão todo o poder executivo, ou seja, a população estar do seu lado e lidar com investidores nacionais e estrangeiros. Agora, se os atuais governadores mostrarem resistência à nossa governação ou, então, ordenarem as Forças de Defesa e Segurança para pôr em causa a nossa governação, aí não teremos outra hipótese senão empurrá-los… um bocadinho… para fora do palácio e colocar os nossos governadores nesses palácios. Portanto, a resposta seria essa. É uma resposta satisfatória e de reconciliação nacional”.
Questionado sobre atropelos à Constituição que esta posição implica, afirmou: “Legalmente, eu e a Renamo é que estamos no caminho certo, e não estamos violando a Constituição, pois ganhamos as eleições e podemos por direito formar um governo, tal como o faremos em Março. Aliás, pelo menos, vamos governar onde os editais confirmam que Dhlakama e a Renamo tiveram a maioria. O presidente [Filipe] Nyusi e a Frelimo estão governando onde perderam ou, então, onde ganharam através de fraude. Estes é que feriram a Constituição.”
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Cada vez mais moçambicanos refugiam-se no Malawi denunciando ataques do exército - Instituto Humanitas Unisinos - IHU