20 Janeiro 2016
O teólogo inspirador do Jubileu admoesta: “As leis estatais serão observadas, mas não são o último critério do ser cristão. A misericórdia vai além. E quem pede para ser acolhido tem o direito de viver num ambiente sadio e livre”.
O cardeal Walter Kasper é o teólogo da misericórdia. E, em nome da misericórdia, diz: também as leis podem vir em segundo plano, a partir daquelas que se referem à imigração. Ao cardeal, autor do livro que Bergoglio citou no seu primeiro Angelus como Pontífice, inspirador do sínodo sobre a família e do Ano santo extraordinário, foi confiada também a primeira de uma série de catequeses jubilares organizadas pelo Pontifício Conselho para a Nova Evangelização.
A entrevista é de Andrea Gualtieri, publicada por La Repubblica, 18-01-2016. A tradução é de Benno Dischinger.
“A acolhida – afirmou naquela ocasião Kasper – é uma obra de misericórdia e justiça que vai além das leis estatais”. Uma admoestação que chega junto com a jornada consagrada como Jubileu dos migrantes: “O Ano Santo da misericórdia – explica Kasper – recorda o que ensinam o Antigo e Novo Testamento: devemos acolher como irmãos e irmãs aqueles que chegam de opressões e perseguições. E antes ainda de entender se devam ou não ser considerados refugiados, devemos recordar que são seres humanos e como tais têm o direito de viver num ambiente sadio e livre. É claro que os imigrantes devem respeitar as regras da sociedade que os acolhe, mas nós devemos ser abertos porque isto nos pede a misericórdia cristã”.
Eis a entrevista.
Eminência, o senhor invoca conduta de abertura: como julga as tensões europeias para a suspensão da livre circulação sancionada pelo tratado de Schengen e o tom aceso da campanha eleitoral USA sobre os temas da imigração?
As leis estatais serão observadas, mas elas não são o último critério do ser cristão. A misericórdia vai além. O Estado não pode comandar a misericórdia. Neste sentido as leis estabelecem um nível mínimo de regras de convivência, a misericórdia vai além. E somente a misericórdia dá certo calor à nossa sociedade, sem ela e sem compaixão viveremos numa sociedade muito fria.
Quer dizer que se pode invocar uma objeção de consciência diante das leis que impõem rejeitar os migrantes?
Sim, existe uma questão de consciência. Devemos questionar-nos se um homem que não tem os documentos pode ser reenviado a um País onde é perseguido. É claro que um Estado tem o direito de requerer os documentos aos migrantes, mas há sempre espaço para a consciência pessoal.
O que responde a quem afirma que a acolhida põe em risco a segurança dos Países?
Não se pode dizer que todos os imigrantes são um risco par a segurança e não se pode esconder que também entre os cidadãos do lugar há perigos potenciais. E então é preciso ser prudentes, mas também abertos. Não se pode fixar uma prioridade entre acolhida e segurança: há um equilíbrio que os governos devem encontrar. Mas, a segurança não pode tornar-se um ídolo. E se deve recordar que também é um perigo não ser acolhedores, não ser misericordiosos.
Em nome da segurança, da França partiu um apelo para os hebreus de não endossarem a kippah para evitar expor-se como alvos. O que pensa a respeito?
Entendo a prudência, mas se deve defender um direito fundamental. Não pode ser proibido mostrar que se pertence a uma religião: sempre se deve reivindicar a liberdade religiosa, é uma questão de respeito e tolerância recíproca. Também os cristãos se encontram nestas condições: em muitos países islâmicos não podem endossar uma cruz. E por quê? Nós nos devemos empenhar a respeitar as tradições dos outros, mas também as nossas devem ser tuteladas.
Considera que a Europa esteja sofrendo um contragolpe no processo de integração?
Um tempo a Europa era homogênea, agora devemos aprender a conviver entre religiões diversas. Mas, isto pode ser um enriquecimento, também se pode aprender dos outros. E nós cristãos, que nos tornamos demasiado tímidos, podemos, por exemplo, aprender dos muçulmanos a coragem de professar publicamente a nossa religião: isto é um desafio para nós.
A propósito de desafios: o Papa solicitou a cada paróquia hospedar pelo menos uma família de imigrantes, mas uma pesquisa da revista Espresso denunciou as dificuldades de quem bate nos conventos e os dados da Fundação Migrantes da Conferência Episcopal Italiana - CEI revelam que na Itália – não só paróquias, mas também comunidades, conventos e santuários - hospedam ao todo 27 mil pessoas. Não crê que a resposta tenha sido demasiado tímida?
Entendo que em alguns casos haja problemas organizativos, mas as paróquias devem conseguir hospedar pelo menos uma família: uma solução sempre se encontra. A gente às vezes é um pouco reservada diante de forasteiros, mas eu creio que conhecendo os imigrantes como pessoas, olhando-os na face, vendo as crianças que sofrem, surge a compaixão e o muro desmorona. Talvez ainda devamos aprender a verdadeira misericórdia. Há uma regra de ouro: devo sempre perguntar-me o que quereria se fosse eu a encontrar-me numa situação de necessidade. Esta regra é uma herança de toda a humanidade que chega do Evangelho. Nós cristãos devemos estar prontos a testemunhá-la.
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“É lícita a objeção de consciência sobre as leis contra a imigração”, diz cardeal Kasper - Instituto Humanitas Unisinos - IHU