14 Janeiro 2016
Aviso do trajeto de atos não está na Carta e, para especialistas, Governo extrapola nas exigências.
A reportagem é de Marina Rossi e Felipe Betim, publicada por El País, 13-01-2016.
A secretaria de Segurança Pública de São Paulo colocou em uso, nesta terça-feira, uma nova tática para conter os manifestantes na cidade, ao cercar completamente a concentração do ato — organizado pelo Movimento Passe Livre (MPL) — e decidir por conta própria qual seria o itinerário. O protesto não chegou a acontecer devido à forte repressão da Polícia Militar. Na mesma noite, o secretário de Segurança Pública, Alexandre Moraes, prometeu mais repressão caso os manifestantes não anunciem previamente o roteiro dos próximos atos. Para Martim Sampaio, coordenador de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), esta nova estratégia é uma "tragédia anunciada". "Daqui a pouco a exigência vai aumentar. Vão começar a pedir o RG dos manifestantes".
No entanto, para o secretário Moraes, "não é possível que os manifestantes queiram livremente bagunçar a cidade toda". Ele se apoiou na Constituição Federal para afirmar que o direito à manifestação é garantido, contanto que as autoridades sejam avisadas previamente sobre o ato. "A Constituição demanda isso", disse. De acordo com o parágrafo 5º da Constituição, "todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente".
Para Sampaio, da OAB, a interpretação que o secretário faz da Constituição "é um pouco pragmática aos interesses do Governo do Estado". "Ele [Moraes] forçou a interpretação, e sabe disso. E isso fere a liberdade do indivíduo".
A questão é complexa. Se, por um lado, a Constituição de fato menciona a exigência de um prévio aviso às autoridades, por outro, o ato do MPL estava agendado desde a semana passada. Embora a data e o local do ato já estivessem divulgados previamente pela imprensa e pelas redes sociais há alguns dias, o MPL, por sua vez, não enviou um documento oficial comunicando a manifestação às autoridades, como requer Moraes. A Constituição fala em avisar sobre o ato, mas não menciona trajetos ou roteiros. Além disso, integrantes do MPL tentaram negociar com a Polícia Militar durante a concentração da manifestação de terça, sobre o trajeto que gostariam de fazer. A PM avisou que só havia uma possibilidade: percorrer o caminho que a Secretaria havia traçado.
Para André Augusto Bezerra, presidente do conselho executivo da Associação Juízes para a Democracia, a interpretação da Constituição feita por Moraes é "destituída de bom senso". "Essa manifestação estava avisada", diz. "Dizer ele que não sabia é algo difícil de acreditar". Para ele, a Polícia Militar não pode exigir um roteiro prévio da manifestação. "Mas a polícia de São Paulo todos os dias faz coisas que não pode. Não adianta culpar o soldado da polícia", diz. "Passou da hora de outras instituições, como o Ministério Público, responsabilizar quem de fato está violando a Constituição. Não adianta responsabilizar o soldado".
A ausência de um aviso prévio sobre o trajeto e, posteriormente, o descumprimento do roteiro estabelecido pelas autoridades foi o tiro de largada para que a polícia reprimisse a manifestação antes mesmo que ela começasse. Cercando o ato na primeira quadra da avenida Paulista, a PM atirou bombas de gás lacrimogêneo para dispersar os manifestantes para lugar algum, já que não conseguiam sair do cerco. “Foi usada uma estratégia militar, de batalha, para a manifestação”, disse Martim Sampaio, da OAB.
O Movimento Passe Livre costumava definir o roteiro das marchas em uma assembleia realizada durante a concentração do ato. No ano passado, todas as manifestações foram feitas desta maneira. Mas neste ano, porém, essa estratégia não deve ser mais usada. Segundo Luize Tavares, do MPL, nesta quinta, o movimento deve tirar um roteiro e apresentá-lo para a polícia. "A gente espera que haja diálogo", diz. "Não dá para o MPL fazer um trajeto que a polícia vai ditar [qual é]".
Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, o prefeito Fernando Haddad (PT) e o governador Geraldo Alckmin (PSDB) combinaram de pedir para que o Ministério Público peça à Justiça uma liminar para obrigar o MPL a informar o trajeto das próximas manifestações. Nesta quinta-feira, ocorrerá mais uma, com concentração em dois pontos: no Teatro Municipal, no centro, e no Largo da Batata, na zona oeste da cidade.
Antes disso, ainda de manhã, os membros do MPL e de outras organizações foram convocados para duas reuniões: uma às 9h da manhã com a Secretaria de Segurança Pública, que estende o convite ao Ministério Público; este, por sua vez, convocou um encontro às 10h da manhã, e também pediu a presença de autoridades do Município e do Estado. O MPL ainda não sabe se vai comparecer em alguma delas, segundo afirmaram ao El País.
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“Daqui a pouco a PM vai começar a pedir até o RG dos manifestantes” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU