08 Janeiro 2016
"Quando perguntam sobre o meu trabalho, respondo rápido: “- Trabalho com gestão de recursos hídricos.”. Frequentemente ouço de volta: “- Ah, essas coisas de meio ambiente?”. Por amor ao que faço, e não é fácil falar de amores, retruco como quem defende a amada: “- Não. Eu trabalho com recursos hídricos.”. Faço questão de explicar que gestão de recursos hídricos tem objetivos e princípios diferentes da gestão ambiental, que ela não é melhor nem pior, apenas diferente, que elas devem ser integradas, mas que não se sobrepõem", escreve João Ricardo Raiser, administrador e gestor dos Recursos Hídricos do Estado de Goiás, em artigo publicado por EcoDebate, 07-01-2016.
Eis o artigo.
E a água, José? Estranho falar sobre água, parece um assunto menor diante de tantas outras necessidades, como o famoso tripé: saúde, educação e segurança. Mas não se engane, é um assunto de igual relevância.
Quando perguntam sobre o meu trabalho, respondo rápido: “- Trabalho com gestão de recursos hídricos.”. Frequentemente ouço de volta: “- Ah, essas coisas de meio ambiente?”. Por amor ao que faço, e não é fácil falar de amores, retruco como quem defende a amada: “- Não. Eu trabalho com recursos hídricos.”. Faço questão de explicar que gestão de recursos hídricos tem objetivos e princípios diferentes da gestão ambiental, que ela não é melhor nem pior, apenas diferente, que elas devem ser integradas, mas que não se sobrepõem.
Que esse sistema de gestão, por ser moderno, descentralizado e participativo, se tiver a estrutura e o apoio necessários ao seu bom funcionamento, pode dar suporte às questões ambientais e ser um dos pilares da tão falada e necessária sustentabilidade.
Que a sua função é decidir o que fazer com esse recurso, um bem público, que tem disponibilidade limitada. Que a gestão é feita de forma democrática, por meio dos Comitês de Bacias Hidrográficas, com a participação de representantes do poder público, dos usuários e da sociedade, e que a política que rege essa gestão dispõe de instrumentos para planejar, orientar e controlar os usos, respeitando todos os interesses e necessidades, e fazendo com que esse recurso, escasso, atenda as demandas atuais e futuras, em quantidade e qualidade.
Diante de testas franzidas, arremato diferenciando água de recursos hídricos. Que “água” é a substância química composta de hidrogênio e oxigênio, essencial a todas as formas conhecidas de vida na Terra, que está dispersa na natureza, no nosso corpo, rios, nuvens etc, e se transforma em recurso, “recurso hídrico”, quando está relacionada a algum uso, como: abastecimento público, indústria, irrigação, geração de energia, transporte, turismo, entre outros.
Reconheço a complexidade do assunto, mas deixo claro que não é coisa nova, muito menos loucura ou invencionice para tirar a importância ou o foco de outras discussões.
Creio que parte da estranheza de se falar em gestão de recursos hídricos, vem do fato de acharmos que a água é abundante, e que, por consequência, que não há necessidade de gastar esforços ou dinheiro para gerir ou proteger algo que está disponível com fartura. Quando me deparo com essa falsa percepção de abundância, busco sempre extinguir esse mito, mostrando que, além de ter a disponibilidade restrita, ela é um dos principais insumos de qualquer processo produtivo, imprescindível a todas as atividades exercidas pelo homem. Por isso, todos são usuários de recursos hídricos, desde uma pequena irrigação às usinas hidrelétricas e nucleares.
Não sou o único a pensar assim. Existem outros que também trabalham e se dedicam a essa visão. E eu não falo de pessoas ou de lugares distantes. Falo do município de Rio Verde, e do seu Ribeirão Abóboras, um projeto premiado e reconhecido nacional e internacionalmente, que busca recuperar nascentes com o objetivo de garantir água para o abastecimento da cidade e de seu importante pólo agroindustrial, e ainda remunera financeiramente os produtores rurais, que passaram a ser conhecidos como “produtores de água”.
Falo de pessoas que trabalham para que, num futuro breve, o manancial que abastecerá grande parte da Região Metropolitana de Goiânia pelos próximos 20 a 25 anos, o nosso Ribeirão João Leite, também tenha os seus “produtores de água”. Falo de pessoas daqui, de representantes de Empresas Públicas, Secretarias e Agências, servidores públicos que buscam soluções e recursos para garantir o nosso futuro, que planejam, controlam e orientam os usos, com o objetivo de garantir o seu melhor aproveitamento. Falo de representantes da sociedade, que dedicam seu tempo a desenvolver conhecimentos sobre a água, contribuindo para a sua recuperação, conservação e bom uso. Falo de representantes dos usuários, da irrigação, da indústria, entre outros, que se mobilizam, não para pedir facilidades ou flexibilizações, mas para auxiliar na evolução desse sistema e contribuir para a garantia das condições necessárias à manutenção de suas próprias atividades.
Mas, e a água, José? Mesmo diante disso, infelizmente penso que estamos brincando com o nosso futuro, pois não investimos nem utilizamos de forma adequada este recurso, e estamos colocando em risco o desenvolvimento econômico e social da nossa população, dos Municípios, do Estado e do País.
Não estruturar e investir de forma maciça na gestão dos recursos hídricos é entregar os nossos passos e das próximas gerações a uma incerteza no mínimo cruel e perigosa. Nós, o Estado de Goiás e o Brasil, perdemos quando não fortalecemos essa estrutura de gestão e deixamos sem o devido cuidado e proteção um recurso tão precioso, que representa a diferença entre a existência ou não de vida, a garantia de poder ou não se desenvolver, gerar ou não riquezas.
Mas e a água, José? Digo, e agora José? Fica tudo como no poema de Drummond: “…Você marcha, José! José, para onde?”
Quem sabe quando a água falte de vez, quando os conflitos estiverem definitivamente instalados, quando os prejuízos ao desenvolvimento e à vida forem irremediáveis, como já aconteceu e acontece em outros países e até em outras regiões brasileiras, sendo causa de fome, doenças, pobreza, restrições ao desenvolvimento, desabastecimento e até de guerras, alguém consiga fazer o que não temos condições de fazer hoje: garantir boas condições para o presente e o futuro.
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E a água, José? Como garantir que a ‘festa’ não acabe? artigo de João Ricardo Raiser - Instituto Humanitas Unisinos - IHU