03 Dezembro 2015
Meia dúzia de estudantes machucados, com as roupas rasgadas e marcas de cassetete, entraram no ônibus narrando, aos berros, a violência policial que acabavam de sofrer durante uma manifestação em São Paulo. Apesar da repressão, diziam que não iam "arregar" da luta contra a reorganização escolar. "Isto aqui vai virar o Chile", gritavam, em alusão à Marcha dos Pinguins, série de protestos realizados por secundaristas em 2006 e que tomaram grandes proporções no Chile. Assim começa uma nova fase da história da reorganização escolar no Estado de São Paulo. E um velho personagem passa a figurar no centro dessa história: a Polícia Militar.
A reportagem é de Marina Rossi e Felipe Betim, publicada por El País, 02-12-2015.
Esta quarta-feira começou e terminou com o protagonismo da PM nas manifestações dos estudantes. Primeiro, alunos da escola Alves Cruz, na zona oeste, receberam golpes de cassetete e dois menores de idade saíram algemados depois que eles tentaram bloquear a avenida Dr. Arnaldo. Sem negociação sobre a desobstrução total da via, a PM usou a força e bombas de efeito moral para dispersar o grupo. Havia mais policiais que alunos. O batalhão contra a sala de aula. Quatro garotos e vinte cadeiras foram levados para a delegacia.
Na delegacia, Luís Braga, pai de um dos menores detidos, afirmou que a ação policial não vai impedir seu filho de continuar protestando. "Lógico que eu tenho medo da polícia. Mas eu espero que meu filho continue militando", disse.
No final da tarde, por volta de 17h30, foi a vez dos alunos da escola Fernão Dias, de Pinheiros. Pegaram suas pequenas cadeiras escolares e bloquearam o cruzamento da rua Teodoro Sampaio com a avenida Henrique Schaumann. A maioria dos manifestantes era adolescentes de entre 15 e 17 anos — cabeludos, com espinha na cara, aparelho nos dentes e rostos pintados — que entoavam gritos de ordem, pulavam, cantavam e dançavam, como se estivessem aproveitando o horário de recreio para exigir que a educação seja uma "prioridade" do Governo. De quebra, paralisavam o sagrado trânsito de São Paulo.
Agentes da PM tentavam negociar a abertura das vias sem êxito. Até que chamaram o batalhão de Choque. Com seus altos escudos, coletes a prova de bala postos e cassetes em mãos, se dirigiram aos estudantes para tentar mais uma vez negociar:
— Preciso passar com a viatura.
— Não.
— Acabou, tá? Já chega.
— Não.
— Se afastem.
— Não.
Bomba.
Bloquear vias importantes em horário de pico é a nova tática dos estudantes, que reúnem um grupo pequeno e tentam bloquear um cruzamento movimentado. Se antes a Polícia Militar agia de maneira mais reduzida, em algumas escolas da periferia, auxiliando movimentos anti-ocupação, agora os PMs também mudaram de estratégia, passando a reprimir, com truculência, os bloqueios.
Algumas estratégias anteriores dos secundaristas não vingaram. Contrariados com o anúncio da reorganização escolar — feito, segundo eles, sem um prévio diálogo com a comunidade escolar —, eles foram para as ruas em massa. Mas as marchas não tomaram corpo. No mês passado, os estudantes passaram então a ocupar as escolas. Hoje, 200 estão ocupadas. Ainda assim, o Governo resiste e afirma que não voltará atrás. "Nem passa pela cabeça dele [do secretário de Educação, Herman Voorwald] voltar atrás", assegurou Fernando Padula Novaes, chefe de gabinete da Secretaria de Educação do Estado.
Na terça-feira, durante um bloqueio debaixo da ponte do Piqueri, na zona oeste da cidade, a PM já havia usado uma bomba de efeito moral para "chamar a atenção dos envolvidos e dispersar a confusão", segundo a secretaria de Segurança Pública. A Secretaria alegou também que a bomba foi usada para "evitar o confronto entre motoristas que avançaram contra os manifestantes que bloqueavam a via". Ainda na terça-feira à noite, a avenida 9 de julho foi bloqueada, o Batalhão de Choque foi acionado, mais bombas foram utilizadas e quatro pessoas foram detidas. Com esse pequeno histórico, em três dias, ao menos oito bloqueios já haviam sido feitos e pelo menos 12 pessoas foram detidas.
Esta fase da operação policial foi anunciada, ainda que de maneira extraoficial, no último domingo. Naquele dia, Padula afirmou que o Governo estava se preparando para uma "guerra", cujo objetivo era "desqualificar o movimento" dos estudantes contrários à reorganização escolar. A medida do Governo Alckmin prevê fechar 92 escolas e deixar outras 754 atendendo somente alunos de uma determinada faixa etária. Na segunda-feira seguinte às declarações de Padula, os alunos começaram a bloquear vias da cidade.
O secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Alexandre de Moraes, disse nesta quarta-feira que a atuação da Polícia Militar para conter os estudantes foi legítima e que não houve excesso das autoridades. “As manifestações aconteceram com 20 a 40 alunos que se negaram a realizar o que a Constituição determina, que é a livre manifestação e passeatas, desde que haja comunicação prévia."
Moraes ainda afirmou que a Secretaria não permitirá essas manifestações, que bloqueiam um cruzamento inteiro, ocorram pela cidade. “Não é possível que 30 ou 40 pessoas obstruam toda uma cidade. Deve sempre se deixar uma ou duas faixas livres".
A ação da PM pode ser um tiro no pé para o Governo. Em junho de 2013, a violência policial foi a fagulha que levou a população a massificar as marchas depois de uma forte repressão da Polícia Militar e do Batalhão de Choque aos manifestantes. Na época, dezenas de manifestantes feridos pela ação da polícia e um fotógrafo ficou cego de um olho e uma repórter ficou bastante machucada, após serem atingidos por balas de borracha.
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Repressão de Alckmin inaugura a nova fase da reorganização escolar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU