01 Dezembro 2015
Em agosto deste ano, quando o país registrava 345.000 demissões, o professor João Saboia, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, lamentava a velocidade com que os cortes haviam ocorrido até ali, mas não acreditava que o país fechasse o ano com um número próximo a um milhão de demissões. Hoje, a projeção de 1,5 milhão de postos de trabalho a menos até dezembro confirmam um pessimismo ao qual ele resistiu. Nesta entrevista, feita por email, Saboia fala sobre a falta de perspectiva brasileira.
A entrevista é de Carla Jiménez, publicada por El País, 30-11-2015.
Eis a entrevista.
Já se perderam 819.000 postos de trabalho entre janeiro e outubro, segundo dados do Cadastro Geral do Ministério do Trabalho. O que podemos esperar para os próximos meses com números tão negativos como esse?
O ano de 2015 está perdido e as demissões vão aumentar até o final do ano. Tradicionalmente dezembro é o mês com mais demissões no CAGED por conta das contratações temporárias do período de Natal.
Os dados do IBGE divulgados mostram também que aumentou o número de pessoas saindo de casa para procurar emprego, o que aumenta a massa de desempregados. O que isso quer dizer?
Os dados da Pesquisa Mensal de Emprego de outubro mostram forte aumento do desemprego prejudicando principalmente os mais jovens. Isso confirma que a piora do mercado de trabalho continua firme.
Qual é a diferença entre o desemprego de 2015 e o desemprego dos anos 2000 ou anos 90?
De 2004 a 2014 o desemprego não parou de cair. A mudança em 2015 está sendo muito rápida e intensa. Em outubro deste ano a taxa de desemprego é mais alta do que em outubro de 2008. A continuar nesse ritmo poderemos chegar rapidamente aos níveis de 2003 quando a taxa de desemprego era de 12%. Em Salvador, já está em 12,8%.
Qual será o impacto desta perda para a desigualdade de renda, uma vez que a melhoria do emprego havia engordado os salários e melhorado a distribuição?
A melhoria da desigualdade nos últimos anos esteve muito ligada aos avanços no mercado de trabalho. Certamente a distribuição de renda já está piorando. Até 2014 ela continuava melhorando um pouco. Em breve teremos dados para confirmar a piora em 2015.
Você disse em uma entrevista à Folha que o maior problema do desemprego era o ajuste. O ajuste, porém, é necessário. E segundo o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, após ser implementado, a recuperação é rápida. Você concorda?
Há ajustes e ajustes. O do ministro Levy está sendo muito intenso e tem ajudado pouco a melhorar as contas públicas do país. Enquanto a taxa de juros permanecer no nível em que se encontra atualmente não haverá superávit primário que consiga estabilizar a dívida pública. Creio que os cortes de gastos já estão no limite. O investimento público está desaparecendo. Não há qualquer garantia de que a economia vai se recuperar em breve como afirma o ministro.
Há saídas para este desemprego atual ou é um preço caro que não há como deixar de pagar?
Claro que há saídas, mas para isso o ajuste teria que ser modificado rapidamente e não vejo como isso possa ser feito nas atuais condições políticas do país.
Chegamos ao fundo do poço com a perda de emprego ou nem encontramos o fundo dele ainda?
O fundo do poço ainda está longe. O mercado de trabalho deve continuar piorando em 2016.
Em uma conversa prévia, você comentou que se impressionava com a rapidez com que o mercado de trabalho brasileiro estava se deteriorando. Essa velocidade continua?
A velocidade continua muito grande. Basta olhar os dados da Pesquisa Mensal – desemprego disparando, renda média caindo 4% nos últimos 12 meses e o emprego formal caindo 4%.
Quais setores podem dar um refresco neste final do ano?
A única esperança seria o comércio por conta do Natal. Mas não creio pois as vendas estão muito baixas. Não acredito em refresco neste final de ano. A economia deve cair 3% neste ano e mais 2% em 2016. Minhas expectativas são bem desfavoráveis para o ano que vem.
O Governo conseguiu aprovar algumas medidas no Congresso, mas agora outro escândalo da Lava Jato, com o senador Delcídio do Amaral volta a enfraquecê-lo. Isso piora a perspectiva da economia?
Esses fatos dificultam ainda mais o governo em termos políticos, mas não vejo maiores desdobramentos econômicos. Ele estava aprovando aos poucos [projetos na Câmara], mas as dificuldades continuam imensas. Não dá para ter confiança neste Congresso e a base aliada está esfacelada. As expectativas não poderiam ser piores.
Qual o lado mais perverso desta crise atual?
O lado mais perverso é a possibilidade de se perder muito do que se avançou na última década em termos de ganhos sociais e econômicos. O processo de melhora foi longo e a piora está sendo muito rápida.
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Fila de desemprego em São Paulo. / Fernando Cavalcanti
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Em agosto deste ano, quando o país registrava 345.000 demissões, o professor João Saboia, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, lamentava a velocidade com que os cortes haviam ocorrido até ali, mas não acreditava que o país fechasse o ano com um número próximo a um milhão de demissões. Hoje, a projeção de 1,5 milhão de postos de trabalho a menos até dezembro confirmam um pessimismo ao qual ele resistiu. Nesta entrevista, feita por email, Saboia fala sobre a falta de perspectiva brasileira.
Pergunta. Já se perderam 819.000 postos de trabalho entre janeiro e outubro, segundo dados do Cadastro Geral do Ministério do Trabalho. O que podemos esperar para os próximos meses com números tão negativos como esse?
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Resposta. O ano de 2015 está perdido e as demissões vão aumentar até o final do ano. Tradicionalmente dezembro é o mês com mais demissões no CAGED por conta das contratações temporárias do período de Natal.
P. Os dados do IBGE divulgados mostram também que aumentou o número de pessoas saindo de casa para procurar emprego, o que aumenta a massa de desempregados. O que isso quer dizer?
R. Os dados da Pesquisa Mensal de Emprego de outubro mostram forte aumento do desemprego prejudicando principalmente os mais jovens. Isso confirma que a piora do mercado de trabalho continua firme.
P. Qual é a diferença entre o desemprego de 2015 e o desemprego dos anos 2000 ou anos 90?
R. De 2004 a 2014 o desemprego não parou de cair. A mudança em 2015 está sendo muito rápida e intensa. Em outubro deste ano a taxa de desemprego é mais alta do que em outubro de 2008. A continuar nesse ritmo poderemos chegar rapidamente aos níveis de 2003 quando a taxa de desemprego era de 12%. Em Salvador, já está em 12,8%.
P. Qual será o impacto desta perda para a desigualdade de renda, uma vez que a melhoria do emprego havia engordado os salários e melhorado a distribuição?
R. A melhoria da desigualdade nos últimos anos esteve muito ligada aos avanços no mercado de trabalho. Certamente a distribuição de renda já está piorando. Até 2014 ela continuava melhorando um pouco. Em breve teremos dados para confirmar a piora em 2015.
P. Você disse em uma entrevista à Folha que o maior problema do desemprego era o ajuste. O ajuste, porém, é necessário. E segundo o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, após ser implementado, a recuperação é rápida. Você concorda?
R. Há ajustes e ajustes. O do ministro Levy está sendo muito intenso e tem ajudado pouco a melhorar as contas públicas do país. Enquanto a taxa de juros permanecer no nível em que se encontra atualmente não haverá superávit primário que consiga estabilizar a dívida pública. Creio que os cortes de gastos já estão no limite. O investimento público está desaparecendo. Não há qualquer garantia de que a economia vai se recuperar em breve como afirma o ministro.
P. Há saídas para este desemprego atual ou é um preço caro que não há como deixar de pagar?
R. Claro que há saídas, mas para isso o ajuste teria que ser modificado rapidamente e não vejo como isso possa ser feito nas atuais condições políticas do país.
P. Chegamos ao fundo do poço com a perda de emprego ou nem encontramos o fundo dele ainda?
R. O fundo do poço ainda está longe. O mercado de trabalho deve continuar piorando em 2016.
P. Em uma conversa prévia, você comentou que se impressionava com a rapidez com que o mercado de trabalho brasileiro estava se deteriorando. Essa velocidade continua?
R. A velocidade continua muito grande. Basta olhar os dados da Pesquisa Mensal – desemprego disparando, renda média caindo 4% nos últimos 12 meses e o emprego formal caindo 4%.
P. Quais setores podem dar um refresco neste final do ano?
R. A única esperança seria o comércio por conta do Natal. Mas não creio pois as vendas estão muito baixas. Não acredito em refresco neste final de ano. A economia deve cair 3% neste ano e mais 2% em 2016. Minhas expectativas são bem desfavoráveis para o ano que vem.
P. O Governo conseguiu aprovar algumas medidas no Congresso, mas agora outro escândalo da Lava Jato, com o senador Delcídio do Amaral volta a enfraquecê-lo. Isso piora a perspectiva da economia?
R. Esses fatos dificultam ainda mais o governo em termos políticos, mas não vejo maiores desdobramentos econômicos. Ele estava aprovando aos poucos [projetos na Câmara], mas as dificuldades continuam imensas. Não dá para ter confiança neste Congresso e a base aliada está esfacelada. As expectativas não poderiam ser piores.
P. Qual o lado mais perverso desta crise atual?
R. O lado mais perverso é a possibilidade de se perder muito do que se avançou na última década em termos de ganhos sociais e econômicos. O processo de melhora foi longo e a piora está sendo muito rápida.
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