26 Novembro 2015
Um grupo de cinco pessoas que fez uma performance com lama em corredores do Congresso, na tarde desta quarta-feira, foi preso em flagrante sob alegação de crime ambiental.
A reportagem é de Ricardo Senra, publicada por BBC Brasil, 25-11-2015.
O auto de prisão feito pela Polícia Legislativa, ao qual a BBC Brasil teve acesso, diz que os manifestantes foram detidos com base na lei de crimes ambientais (9.605/98). O documento oficial cita o artigo 65 ("pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano"), além dos artigos 140 (injúria) e 329 (resistência) do Código Penal.
Segundo o texto assinado por Roberto Rocha Peixoto, diretor da Polícia Legislativa da Câmara dos Deputados, um dos jovens foi "flagrado pichando algumas paredes e piso da Câmara dos Deputados, sujando as pessoas que transitavam no local, bem como ter resistido à prisão".
O protesto aconteceu no anexo 2 da Câmara, próximo ao Departamento de Taquigrafia. Os manifestantes seguravam um cartazes com os dizeres "Terrorista é a Vale" e "Código de Mineração + Mariana + Morte".
O alvo era a controladora da mineradora Samarco, dona da barreira de rejeitos de mineração que estourou há 20 dias, espalhando o equivalente a 25 piscinas olímpicas de resíduos químicos em Minas Gerais e no Espírito Santo.
À reportagem, a presidência da Câmara afirmou, em nota, que "jovens que teriam entrado na Câmara como visitantes picharam o local com uma substância que se assemelha a lama".
A nota prossegue: "a palavra 'morte' foi identificada entre as pichações, o que pode significar uma referência à tragédia ambiental em Mariana (MG)".
'Paradoxo'
Logo após a prisão dos cinco manifestantes, os deputados federais Jandira Feghali (PCdoB), Chico Alencar e Ivan Valente (ambos do PSOL) pediram a liberação imediata dos detidos.
À BBC Brasil, Alencar classificou como "paradoxo" a prisão por crime ambiental de manifestantes que criticavam o derramamento de lama.
"A gente vive na Câmara dos Deputados do Brasil um tempo de inversão absoluta de valores", diz. "Que paradoxo total é esse? Quem vem se manifestar na casa do povo acaba sendo detido sob acusação de crime ambiental. Mas os responsáveis pelo mar de lama da Samarco e da Vale, que vitimou diretamente 22 pessoas, incluindo os 11 desaparecidos, e os todos os danos ao rio Doce, chegando ao oceano Atlântico, continuam soltos."
"Qual é o real crime ambiental?", questiona o deputado, afirmando que a liderança do PSOL na Câmara foi cercada pela Polícia Legislativa durante quatro horas. Parte dos manifestantes procuraram representantes do partido em busca de defesa.
Sobre as alegações de crime ambiental, a Samarco tem dito que "não há confirmação das causas e a completa extensão do ocorrido" e que "investigações e estudos apontarão as reais causas".
Outra manifestação de repúdio à mineradora, envolvendo lama, aconteceu na sede da Vale, no Rio de Janeiro, logo após o derramamento em Mariana. "Naquela ocasião ninguém foi preso", diz Alencar.
Segundo a BBC Brasil apurou, parte dos manifestantes desta tarde Brasília faz parte do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), enquanto outros participam de movimentos sociais que criticam os impactos sociais e ambientais da atividade mineradora.
Detenção
À reportagem, a Câmara dos Deputados disse que as pessoas envolvidas no protesto foram "detidas e encaminhadas ao Departamento de Polícia Legislativa, onde seguem prestando depoimento sobre o ocorrido".
O advogado Fernando Prioste, que defende os presos, disse que eles devem passar a noite detidos.
"Foram presos por fazer um protesto lícito contra as violações de direitos humanos perpetrados pela Vale", disse.
Nota de repúdio
A polícia legislativa da Câmara dos Deputados cometeu hoje uma grave violação de direitos humanos.
Ativistas protestaram no Hall da Taquigrafia contra a empresa Vale do Rio Doce e o Código de Mineração. Em performance teatral que usava argila, os militantes encenaram as consequências da tragédia em Minas Gerais e bradaram contra o projeto de lei que consideram “Mais Mariana”.
Em uma postura arbitrária, que viola as garantias de liberdade de expressão e manifestação, policiais legislativos prenderam “em flagrante” e indiciaram os jovens. Tiago Nogueira, Augusto Gomes, Ivan Gondorek e Clarkson Félix são apontados pelo Departamento de Polícia Legislativa da Câmara dos Deputados como se tivessem cometido três crimes.
O primeiro, o crime ambiental de pichar edificação. De fato, como mostram os vídeos, os manifestantes escreveram a palavra “morte” na parede do Hall da taquigrafia da Câmara dos Deputados; mas o fizeram com um material tão leve e lavável que em minutos a parede já estava branca novamente.
O segundo crime que lhes foi imputado foi o de injúria qualificada pelas vias de fato. Sim, porque com a mão suja de lama um deles esbarrou em um policial legislativo, sujando-lhe o terno. Um terno sujo de lama é um bem jurídico relevante o suficiente para ser protegido pelo tipo de injúria qualificada?
O terceiro crime foi o de resistência à prisão, a qual, segundo testemunhas dos fatos, não passou da resistência normal de qualquer pessoa que se considera sendo presa injustamente, como foram os jovens.
É reveladora da seletividade geral do sistema de segurança pública e de justiça que não exista nenhuma pessoa presa pela destruição de uma bacia hidrográfica inteira, mas que existam quatro ativistas presos por protestar contra esse absurdo. Presos por crime ambiental!
É relevadora também da truculência da administração da casa a criminalização de condutas que de liberdade de expressão e reivindicação política; ainda mais porque o objeto da contestação era a maior tragédia ambiental da história brasileira.
Esperamos que o sistema de justiça cumpra seu papel e que relaxe a prisão e não dê prosseguimento à persecução penal dos jovens. E esperamos que a administração da Casa reveja a postura antidemocrática e violadora de direitos humanos que vem assumindo.
Brasília, 25 de novembro de 2015.
Deputado PAULO PIMENTA
Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara
A Vale comete crime ambiental e quem protesta é preso?!
O MST vem a público denunciar e repudiar veementemente a prisão de quatro jovens do Movimento após uma intervenção na Câmara dos Deputados Federais em solidariedade às vítimas de Mariana e contra o novo Código da Mineração, nesta quarta-feira (25), em Brasília, ao denunciarem o crime ambiental causado pela mineradora Samarco e a Vale.
Ironicamente, os militantes foram detidos e transferidos para a carceragem da polícia civil acusados de crime ambiental ao realizarem uma intervenção em que trouxeram argila com água, justamente para denunciar o crime cometido pela mineradora. A soma das acusações chega a 4 anos de prisão.
Quatro jovens do MST são presos por sujar paredes da Câmara com lama numa intervenção teatral (limpas depois de alguns minutos), enquanto diretores da Vale foram responsáveis por mortes, desaparecimento de pessoas, destruição de centenas de lares, contaminação ambiental por lama tóxica, e continuam todos soltos?!
Esta ação violenta da Polícia Legislativa somada a outros recentes episódios na casa apenas demonstram a arbitrariedade do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acuado com os inúmeros protestos que pedem sua saída da presindência da casa por causa das recentes denúncias de corrupção que envolvem sua pessoa.
Os cerca de 200 advogados reunidos no Encontro da Rede Nacional dos Advogados e Adovagadas Populares (Renap) fazem vigília em frente à delegacia de Polícia Especializada, local em que os jovens estão detidos.
O MST espera que sejam tomandas as devidas providências por parte do poder judiciário para que seja revisto esta postura antidemocrática e violadora de direitos humanos cometida pela atual lógica vigente da “Casa do Povo”.
Direção Nacional do MST
Brasília, 25 de novembro de 2015
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Manifestantes jogam lama no Congresso e são presos por 'crime ambiental' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU