12 Novembro 2015
Em Florença, o Papa Francisco deu uma esplêndida conclusão às inúteis discussões sobre o "pro multis", que tinham caracterizado os últimos anos do pontificado de Bento XVI
A opinião é do teólogo leigo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu S. Anselmo, de Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, de Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, de Pádua. O artigo foi publicado no seu blog Come Se Non, 10-11-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
No monumental discurso de Florença, o Papa Francisco tocou nessa terça-feira muitos aspectos da vida cristã. Mas uma passagem, perto do fim do texto, também deu uma esplêndida conclusão às inúteis discussões sobre o "pro multis", que tinham caracterizado os últimos anos do pontificado de Bento XVI.
Sobre o tema, haviam se pronunciado muitos pastores de autoridade e até mesmo teólogos, entre os quais gostaria de lembrar a lúcida posição de Francesco Pieri. Nessa terça-feira, o papa superou toda discussão, com uma esplêndida retomada do tema, no plano da sabedoria pastoral.
Eis a passagem a ser considerada:
"Estamos aqui em Florença, cidade de beleza. Quanta beleza nesta cidade foi posta a serviço da caridade! Penso no Spedale degli Innocenti, por exemplo. Uma das primeiras arquiteturas renascentistas foi criada para o serviço das crianças abandonadas e das mães desesperadas. Muitas vezes, essas mães deixavam, junto com os recém-nascidos, medalhas quebradas ao meio, com as quais, apresentando a outra metade, esperavam poder reconhecer os próprios filhos em tempos melhores.
"Pois bem, devemos imaginar que os nossos pobres têm uma medalha quebrada. Nós temos a outra metade. Porque a Igreja mãe tem na Itália metade da medalha de todos e reconhece todos os seus filhos abandonados, oprimidos, fatigados. E essa desde sempre foi uma das virtudes de vocês, porque vocês bem sabem que o Senhor derramou o seu sangue não para alguns, nem por poucos, nem por muitos, mas por todos."
A conclusão, inequívoca, chega apenas no fim de uma longa digressão, que permite que o texto se coloque na carne viva de uma "relação materna". A interpretação das palavras da Eucaristia não pode ser feita na desconfiança em relação ao outro, mas só na esperança materna em relação a cada filho.
Uma interpretação das "palavras eucarísticas" que aponte para a "letra" e não para o "espírito" cairia justamente em uma daquelas tentações que Francisco assim descreveu tão bem em outra passagem do seu discurso:
"O pelagianismo nos leva a ter confiança nas estruturas, nas organizações, nos planejamentos perfeitos, por serem abstratos. Muitas vezes, nos leva também a assumir um estilo de controle, de dureza, de normatividade. A norma dá ao pelagiano a segurança de se sentir superior, de ter uma orientação precisa. Nisso ele encontra a sua força, não na leveza do sopro do Espírito. Diante dos males ou dos problemas da Igreja, é inútil buscar soluções em conservadorismos e fundamentalismos, na restauração de condutas e formas superadas, que nem sequer culturalmente têm a capacidade de serem significativas. A doutrina cristã não é um sistema fechado, incapaz de gerar perguntas, dúvidas, interrogações, mas é viva, sabe inquietar, sabe animar. Ela não tem um rosto rígido, tem um corpo que se move e se desenvolve, tem a carne macia: a doutrina cristã se chama Jesus Cristo."
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"Não por alguns, nem por poucos, nem por muitos, mas por todos." Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU