Por: André | 05 Novembro 2015
Claro, o dinheiro. Todo aquele que se tira e todo aquele que desaparece. A caridade reunida para fazer o bem e que acaba alimentando o mal. Mas não há apenas isso na investigação que levou à prisão de mons. Vallejo Balda e de Francesca Chaouqui (libertada porque está colaborando ativamente com a Polícia vaticana). Bem visto, o que está na mira é essa maneira de ser do Vaticano em Roma, a cidade que desde sempre abriga o Papa e a cúria, e que pouco a pouco conseguiu transformar esta grande e eterna instituição universal em uma colossal central de troca de favores e de relações clientelistas.
A reportagem é de Marcello Sorgi e publicada por Vatican Insider, 04-11-2015. A tradução é de André Langer.
Tanto é assim que se pode dizer que uma parte consistente da população da capital italiana, e que não necessariamente pertence à classe dirigente, vive e viveu do Romano Pontífice e de seus cardeais e monsenhores, em um sistema que sobreviveu a tudo, ao fim da Democracia Cristã, à Primeira e à Segunda Repúblicas, à queda e à morte de Andreotti, que foi embaixador desse mundo perante todos os governos, inclusive daqueles que, estranhamente, não faziam parte. E depois: o divórcio, o aborto e as uniões entre pessoas do mesmo sexo, a irritação dos Pactos da Concordata, as incompreensões cada vez maiores com Romano Prodi (primeiro) e com Silvio Berlusconi (depois), até Matteo Renzi, recebido com sua família e com grande simpatia pelo Papa Francisco, a quem, depois do encontro, escapou uma: “Mas sempre fala do mesmo!”
Patrimônio imobiliário
Destinado a cair, a sucumbir perante a onda que atravessou o Rio Tibre dos pobres que buscam justiça, este entrelaçamento de conveniências, de grandes e pequenos privilégios, pedidos de ajuda, promessas e pagamento de favores, é o que parece aos olhos do Papa como uma “casta”. Um mundo pequeno, feito apenas de conhecidos, de cartões de crédito de favores para entrar na farmácia vaticana; as missas fechadas, exclusivas, para convidados, que antes do Natal se enchem com procissões de ministros e subsecretários que vão pedir a bênção, com sua esposa e filhos e a estatueta do Menino Jesus para levá-la ao presépio.
Somente os imóveis da APSA (Administração do Patrimônio Imobiliário do Vaticano) são 5050, entre apartamentos, lojas, terrenos e locais de diferentes categorias que se encontram principalmente no centro de Roma, alimentam um mercado subterrâneo sobre o qual a comissão papal nomeada por Francisco tratou de ter informações. Sabe-se que para converter-se em inquilinos do Santo Padre há uma fila de aspirantes dispostos a esperar meses, quando não anos; circulam listas secretas de inquilinos idosos que, por motivos de saúde, por necessidade ou por morte, poderiam deixar livre alguma moradia improvisadamente ou, talvez, cedê-la após uma generosa compensação.
Conta-se que um alfaiate romano muito bom, embora não seja uma grife, mas que se ocupa de cobrir Eminências com elegantes túnicas feitas sob medida, casacos de cachemira e “magnas capas” (esses mantos que chegam inclusive a medir 8 metros e que alguns ainda usam em certas cerimônias litúrgicas oficiais), acomodou toda a sua família em imóveis da APSA, inclusive filhos, netos, noras e sobrinhos.
A profecia de Fellini
Há muitos anos, quando chegou aos cinemas Roma, de Fellini, a cena principal do desfile de moda dos monsenhores envoltos em seus paramentos dourados foi considerada um sacrilégio, mas na realidade era profética: aparecem descritas, pela primeira vez, por magistral obra do grande diretor, o mundanismo e a vaidade que se mantiveram ocultos durante anos, e uma clara alusão aos gestos afeminados de certos príncipes da Igreja, corados e gordos graças aos almoços e libações, que desfrutavam da vida terrena sem estarem preocupados com o que estaria reservado a eles após a morte. Foi – e ainda é, pois são costumes que nunca foram inteiramente abandonados em certos círculos da Capital – o tempo em que um almoço ou uma recepção importante não era tal se não sentavam à mesma mesa um ministro, um líder político, um embaixador, um cardeal e um infrator da lei.
As rifas, as caças ao tesouro e inclusive o jogo de azar praticados nos círculos cidadãos, nos quais camareiros com luvas serviam envelopes com dinheiro em bandejas de prata, confundiam-se em um torvelinho que misturava santidade e pecados, orações e absolvições, vícios e virtudes, e tudo com o superior objetivo do bem e dos meios necessários para contentar o Papa.
Mesmo que, muito frequentemente, o Papa ignorasse tudo o que acontecia no seu entorno, sem poder imaginar até onde podia chegar a prática da corrupção em seu nome, sem conhecer (ou talvez apenas em parte) as práticas ilegais que se realizavam no IOR, o banco vaticano que o presidente (até julho de 2014) Ernst von Freiberg disse sem meias palavras que estava acostumado com “a lavagem de dinheiro”.
E, ao contrário, eram muitos os que sabiam de tudo isso atrás das Portas de Bronze. E muitos faziam o possível para que esta continuasse a ser a norma. A renúncia de Bento XVI, em 11 de fevereiro de 2013, em vez de transmitir a gravidade ou a excepcionalidade da decisão, acentuou, paradoxalmente, o sentido de precariedade do poder papel e o paralelo reforço do poder temporal da cúria e de suas diferentes facções.
Um caminho sem retorno
Deste ponto de vista, a chegada de Francisco não foi um desses imprevistos que só a iluminação do Espírito Santo pode proporcionar ao Conclave, mas muito mais. Como disse o Pontífice no seu primeiro dia, o início de uma nova época em que o inferno dos pobres começa a acariciar com suas chamas as habitações secretas dos príncipes da Igreja. Uma cruzada, um caminho sem retorno, para Francisco: que não poderá ser impedido nem pelo escândalo das prisões de dois dias atrás nem pela publicação de dois livros que estão para chegar às livrarias italianas sobre a corrupção no Vaticano.
A ingenuidade (não se poderia chamar de outra maneira) de um Papa que pensava descobrir os arcanos da monarquia mais antiga do mundo somente com a ajuda de sua comissão, de um homem como mons. Vallejo Balda e de uma mulher como Chaouqui (que dizia que à noite untava as mãos do Santo Padre com cremes hidratantes) não terá nenhum impacto na missão que pretende refundar a Igreja. Terão que mudar de opinião – explicam aqueles que o conhecem – aqueles que ainda acreditam que, mais cedo ou mais tarde, Francisco irá se render.
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A Grande Beleza no Vaticano, em um torvelinho que mistura pecado e santidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU