27 Outubro 2015
O único caso 'oficial' de câncer é só o começo. Pesquisas indicam que centenas de outros cânceres têm sido e serão contraídos pela população local.
O governo japonês declarou pela primeira vez que um trabalhador da planta nuclear de Fukushima desenvolveu câncer no processo de descontaminação depois do desastre de 2011.
A reportagem é de Oliver Tickell, publicada por Carta Maior, 26-10-2015.
O homem trabalhou na planta danificada por mais de um ano, durante o qual foi exposto a 19.8 msv de radiação, quatro vezes o limite de exposição japonês. Ele está com leucemia.
O ex-gerente de Fukushima, Masao Yoshida, também contraiu câncer no esôfago depois do desastre e morreu em 2013 – mas a dona e operadora da planta nuclear, Tepco, se recusou a aceitar responsabilidade, insistindo que o câncer se desenvolveu muito rápido.
Outros três trabalhadores de Fukushima também contraíram câncer mas ainda não tiveram seus casos avaliados.
O desastre nuclear de Fukushima ocorreu depois da tsunami de 11 de março de 2011. Três de quatro reatores no local derreteram, nuvens de radiação mortal foram liberadas seguidas de uma explosão de hidrogênio, e o combustível nuclear derreteu os recipientes do reator de aço e afundou nas fundações de concreto.
A ponta de um iceberg
Mas o único caso “oficial” de câncer é só o começo. Novas pesquisas científicas indicam que centenas de outros cânceres têm sido e serão contraídos pela população local.
Um número trinta vezes maior de câncer na tireóide foi detectado entre mais de 400.000 jovens abaixo dos dezoito anos na área de Fukushima.
De acordo com os cientistas, “a proporção da taxa de incidência mais alta, usando um período de latência de quatro anos, foi observada no distrito central da província, comparada com a incidência anual japonesa.”
Em uma primeira triagem de câncer na tireóide entre 298.577 jovens, quatro anos depois do desastre, o câncer ocorreu 50 vezes mais entre aqueles nas áreas mais irradiadas, do que na população em geral, em uma taxa de 605 por milhão de examinados.
Em uma segunda rodada de triagem feita em 106.068 jovens, conduzida em abril de 2014, em áreas menos irradiadas da província, o câncer era doze vezes mais comum do que na população geral. O câncer na tireóide é comumente desenvolvido como um resultado da exposição ao iodo radioativo 131, um produto da fissão nuclear. Por que o iodo se concentra na glândula tireóide, causando danos e até mesmo o câncer.
A exposição ao iodo 131 apresenta alto risco imediato no rescaldo de um acidente nuclear devido a sua vida curta de 8 dias, o que faz com que seja extremamente radioativo. É estimado que tenha composto 9.1% do material radioativo liberado em Fukushima.
Existem muito mais casos a caminho!
Os autores do artigo notam que a incidência do câncer na tireóide é alta por comparação com o desastre nuclear de Chernobyl em 1986 – e alertam da possibilidade de muitos casos emergirem:
“Em conclusão, entre as idades de 18 anos e abaixo, em 2011, aproximadamente um número trinta vezes maior em comparações externas e variabilidade em comparações internas de detecção de câncer na tireóide foi observado na província de Fukushima dentro de quatro anos depois do acidente na planta nuclear. Era improvável que o resultado fosse explicado pelo efeito da triagem.”
“Em Chernobyl, a quantidade de câncer na tireóide se tornou mais marcantes quatro ou cinco anos depois do acidente na Rielorússia e Ucrânia, o que nos alerta a nos prepararmos para mais casos em potencial dentro de poucos anos.”
Estudos científicos das vítimas de Chernobyl também descobriram que o risco de se desenvolver câncer na tireóide tem uma longa história – em outras palavras, não há diminuição significativa no risco, com o tempo, dentre as pessoas expostas ao iodo 131.
De acordo com o Instituto Nacional do Câncer dos EUA, “os pesquisadores não encontraram evidências, durante o período de tempo estudado, que indicassem que o aumento do risco de câncer para aqueles que viveram na área na época do acidente esteja diminuindo com o tempo.”
“No entanto, uma análise anterior, separada, de sobreviventes de ataque por bomba atômica e indivíduos irradiados descobriu que o risco de câncer começou a diminuir cerca de 30 anos depois da exposição, mas que ainda estava elevado 40 anos depois. Os pesquisadores acreditam que um acompanhamento contínuo dos participantes no estudo atual será necessário para determinar quando a decaída no risco pode ocorrer.”
A OMS subestimou a liberação de radiação de Fukushima?
Os autores do estudo sobre Fukushima também sugerem que a quantidade de radiação liberada pode, de fato, ter sido maior do que a OMS e outros estimam: “Para além, poderíamos deduzir a possibilidade de que as doses de exposição para residentes foram maiores do que o relatório oficial ou a estimativa da OMS, porque o número de casos de câncer na tireóide cresceu mais rápido do que o esperado no relatório da Organização.”
Outra consideração – a qual os autores não abordam – é o efeito das outras espécies radioativas emitidas no acidente, incluindo 17.5% Césio-137 e 38.5% Césio-134. Esses emissores beta de vida mais longa (30 anos e 2 anos respectivamente) apresentam danos maiores a longo prazo pelo fato de o elemento estar relacionado ao potássio e ser absorvido em biomassa e plantações de alimento.
Ainda assim outro dano radioativo surge dos emissores alfa de vida longa como o plutônio-239 (meia-vida 24.100 anos) o qual é difícil de detectar. Até manchas em nano-escala de plutônio inalado entrando nos pulmões e no sistema linfático podem causar câncer décadas depois do evento ao continuamente queimar células e tecidos ao redor.
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Fukushima: as primeiras doenças aparecem - Instituto Humanitas Unisinos - IHU