19 Outubro 2015
O cardeal Gerhard Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, em uma entrevista, declarou que todo cristão tem o dever de ir à missa, mas não o de comungar.
A reportagem é de Gianni Valente, publicada no jornal La Stampa, 17-10-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"As pessoas sofrem porque os seus matrimônios estão rompidos, não porque não podem receber a comunhão." Assim se expressou, em uma recente entrevista a um jornal italiano, o cardeal Gerhard Ludwig Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, distanciando-se de quem insiste na oportunidade de encontrar caminhos para admitir ao sacramento da eucaristia os divorciados recasados.
Na mesma resposta, o atual titular do ex-Santo Ofício também acrescentou que, "para nós, o centro da Eucaristia é a consagração. Todo cristão tem o dever de ir à missa, mas não de fazer a comunhão. Concentrar-se só em um ponto não resolve nada".
As afirmações do prefeito do dicastério doutrinal vaticano soam bastante peremptórias, quase liquidando questões artificiosas e extravagantes. No entanto, justamente essas afirmações devem ser relidas à luz de alguns ensinamentos fundamentais estavelmente definidos na doutrina da Igreja sobre a participação dos batizados no sacrifício eucarístico. Pronunciamentos que indicam, de maneira unânime, a recepção do corpo e do sangue de Cristo como elemento essencial – e não facultativo – da plena participação dos fiéis nas liturgias eucarísticas.
Basta tomar o Catecismo da Igreja Católica, escrito sob a supervisão do então cardeal Joseph Ratzinger, no qual o parágrafo 1.388 repete que "é conforme ao próprio sentido da Eucaristia que os fiéis, se tiverem as disposições requeridas, recebam a Comunhão quando participam na missa".
Esse parágrafo cita de forma prolongada a passagem da constituição conciliar Sacrosanctum concilium sobre a comunhão sob as duas espécies, em que "recomenda-se vivamente aquela mais perfeita participação na missa em que os fiéis, depois da comunhão do sacerdote, recebem, do mesmo sacrifício, o corpo do Senhor".
O parágrafo 1.389 do Catecismo, citando também o decreto conciliar Orientalium ecclesiarum, acrescenta que "a Igreja impõe aos fiéis a obrigação de 'participar na divina liturgia nos domingos e dias de festa' e de receber a Eucaristia ao menos uma vez em cada ano, se possível no tempo pascal preparados pelo sacramento da Reconciliação. Mas recomenda-lhes vivamente que recebam a santa Eucaristia aos domingos e dias de festa, ou ainda mais vezes, mesmo todos os dias".
A obrigação de se aproximar da Eucaristia ao menos na Páscoa, reiterada pelo Catecismo da Igreja Católica, reitera o que está prescrito no terceiro dos cinco Preceitos Gerais da Igreja: "Comungar ao menos na Páscoa da Ressurreição". A expressão "ao menos na Páscoa" – explica ainda o Catecismo da Igreja Católica no parágrafo 2.042 – "garante um mínimo na recepção do Corpo e Sangue do Senhor, em ligação com as festas pascais, origem e centro da liturgia cristã".
Esse ponto firme da práxis sacramental e litúrgica, ao qual todo fiel católico é obrigado, é relembrando na sua simplicidade até mesmo nos livrinhos de grande circulação, em que são repropostas as orações e as práticas fundamentais da vida espiritual e sacramental do povo de Deus, amadurecidas ao longo dos séculos.
Mas o fato de que a recepção da Eucaristia é um elemento "não facultativo" da participação na missa é repetido unanimemente também por grandes teólogos e mestres de espiritualidade reconhecidos pelo povo de Deus pela sua viva inteligência católica, como o padre Divo Barsotti.
O grande monge e pregador da Toscana, na Itália – que, dentre outras coisas, também lecionou teologia sacramental por 30 anos – escreveu: "O mistério eucarístico, que Jesus confiou à Igreja, de algum modo, cumpre a morte de cruz: não apenas a torna presente, mas também realiza o último ato desse sacrifício, que Ele fez pela salvação do mundo. Ou seja, a participação dos fiéis na manducação da vítima. Essa é uma das aquisições mais seguras e, talvez, uma das maiores do Concílio Vaticano II" (Pasqua, p. 63, Ed. San Paolo).
Antes do último Concílio – observa Barsotti no mesmo livro – "se dizia que a Comunhão é parte integrante da missa. O Concílio diz que a Comunhão é parte essencial, assim como a consagração". De fato, "no sacrifício da cruz, os homens não podiam comungar imediatamente com a vítima imolada", enquanto na Eucaristia "Jesus se faz presente sob o sinal sacramental do pão e do vinho para comungar com os homens, para que os homens possam comungar com a vítima oferecida a Deus".
O próprio Jesus "fez presente o mistério da sua morte sob o sinal do banquete sacrificial". E, por isso, o comungar dos batizados no Corpo e no Sangue de Cristo é um elemento "essencial" assim como a consagração.
Um reconhecimento – sublinha Barsotti – ao qual a Igreja foi conduzida justamente graças ao caminho de contemplação do mistério eucarístico que reiniciou com o Concílio de Trento: "A missa", escreve o padre Divo, "é verdadeiro sacrifício, como definiu o Concílio de Trento, e a Comunhão é agora essencial, e não parte integrante, do mistério eucarístico, pois nos permite participar plenamente do seu sacrifício".
A celebração do sacrifício eucarístico – reitera o Catecismo da Igreja Católica no parágrafo 1.382 – "está toda orientada para a união íntima dos fiéis com Cristo pela comunhão. Comungar é receber o próprio Cristo, que Se ofereceu por nós".
Essas expressões elementares da fé católica a respeito da comunhão eucarística excluem de forma unânime que a aproximação à Eucaristia seja, para qualquer batizado, uma práxis opcional e subordinada ao dever "primário" de "ir à missa". E dão a entender que não pode ser de nenhuma ajuda a ideia de interpretar a assunção do sacramento como corolário "derrogável" da consagração eucarística, a fim de encontrar um argumento em favor daqueles que consideram desnecessário ou até mesmo inadmissível qualquer mudança na atual disciplina sobre a admissão aos sacramentos dos divorciados recasados.
Diante do premente convite do Senhor – "Tomai e comei, tomai e bebei" –, todo batizado é certamente obrigado a considerar se se encontra nas "disposições requeridas" para se aproximar do Corpo e do Sangue de Cristo, começando pelo fato de estar "em graça de Deus".
Mas, nesse convite de Cristo, potencialmente dirigido a todas as pessoas, está todo o cristianismo, o acontecimento pelo qual a felicidade distante veio para perto de nós. Porque não basta saber que Deus existe para gozar de Deus. É preciso abraçá-Lo e ser abraçado por Ele. Isso, na vida da Igreja, ocorre ordinariamente também nos sacramentos, que são os gestos pelos quais o Senhor nos comunica a sua graça eficaz. E tais gestos nunca podem ser reduzidos a elementos não essenciais da práxis litúrgica e social das comunidades eclesiais, se não quisermos contribuir para enfraquecer a percepção eclesial da necessidade da graça dos sacramentos e, assim, acelerar a secularização da Igreja a partir "de dentro".
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Sínodo: os matrimônios fracassados e as teses sobre a Eucaristia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU