15 Outubro 2015
Em entrevista, Norman Gall, diretor executivo do Instituto Fernand Braudel, aponta semelhanças na crise hídrica de São Paulo com problemas de abastecimento em outras 'megacidades'.
Há anos a escassez hídrica pauta as viagens ao redor do mundo do jornalista e pesquisador americano Norman Gall, de 82 anos. Desde 2014, ele abriu as portas do Instituto Fernand Braudel, que dirige em São Paulo, para autoridades e especialistas no setor e dedicou-se a investigar as razões pelas quais o problema atinge as megacidades. Suas conclusões ganharam as páginas da revista americana The New York Review of Books na semana passada com o artigo “Por que a água está se esgotando”.
A entrevista é de Fábio Leite, publicada por O Estado de S. Paulo, 11-10-2015.
Eis a entrevista.
O senhor afirma no artigo que outras “megacidades” no mundo, como Los Angeles (EUA), Cidade do México, Mumbai (Índia) e Pequim (China) também sofrem com escassez de água como São Paulo. Qual o problema em comum nessas regiões?
A negligência é uma força histórica, que anda na contramão da evolução da humanidade e nos leva a passar por cima dos perigos que são iminentes. Infelizmente, é isso que acontece em São Paulo e nas outras cidades. Abastecimento de água é fundamental para a sobrevivência individual e coletiva. Os consumidores devem pagar o preço para sustentar o investimento que isso exige. É muito claro. Há muitos exemplos que, quando deixam de fazê-los, os sistemas vão se deteriorando, causando problemas de saúde e desorganização social.
No caso de São Paulo, o senhor considera que o governador Alckmin nega a importância da escassez e deixa de educar a população sobre a necessidade de investir em abastecimento?
Soube que no início de 2014, no Palácio dos Bandeirantes, houve uma reunião na qual eles debateram se abririam o jogo com a população e explicariam a gravidade da situação ou se fechariam para dizer que não tinha problema. Eles acharam que o povo nunca entenderia a gravidade. Então, o governo resolveu empurrar isso com a barriga. Situações análogas ocorreram na Cidade do México e em Pequim. O preço da água é o preço da sobrevivência humana. Há resistências em todas as partes. Afirmam que água é um direito humano e não se pode aumentar o preço porque a população é muito pobre. Mas essa mesma população paga caro por algo menos importante e individual, como um celular.
O senhor demonstra preocupação com o crescimento de grandes aglomerações urbanas. Cita que já são 37 “megacidades” com mais de 10 milhões de habitantes. Acha que o problema de abastecimento se agravará?
Sim, até nos Estados Unidos. O receituário é muito simples: economia, investimento e conservação. As empresas têm de ter capacidade financeira e independência de tomar decisões para fazer isso, e não podem ficar sujeitas às ambições pessoais dos governantes.
Quais bons exemplos temos no mundo?
Nova York já tem uma grande visão do problema da água desde 1880, quando os grandes reservatórios foram construídos, a montante do Rio Hudson. O governo municipal comprou os terrenos ao redor para impedir a construção de casas de veraneio. O uso turístico é ecologicamente controlado. Em 2002, no início do seu mandato, o prefeito Michael Bloomberg perguntou aos técnicos qual era a coisa mais importante a ser feita na cidade e ouviu que era um novo túnel que abastecesse Nova York com água, porque o que tinha era muito antigo e estava com muitas infiltrações. Esse novo túnel foi feito para aposentar o antigo.
Qual futuro o senhor vê para São Paulo diante da atual crise?
Não estamos simplesmente enfrentando um problema desta época. Penso que vai demorar mais uns dois ou três anos para os reservatórios encherem. A situação ainda inspira muito cuidado. Esse cuidado tem preço, e a população tem de pagá-lo ou sofrerá consequências no futuro.
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"Governos negligenciam a escassez de água", diz pesquisador americano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU