05 Outubro 2015
Transexual que irá utilizar o serviço de hormonioterapia gratuita oferecido a partir de hoje (1°) pela prefeitura de São Paulo vê oportunidade como mudança de vida. “Significa tudo para mim”
“Eu sou uma mulher presa em um corpo de homem. Isso abala muito meu psicológico. É angustiante. Mas agora vou ter a oportunidade de ser quem eu realmente sou.” Foi com toda essa expectativa que a estudante transexual Maria Catarina, de 50 anos, chegou pela manhã a Unidade Básica de Saúde da Sé, no centro de São Paulo. A partir de hoje (1º) ela terá acesso ao serviço de hormonioterapia gratuito para população transexual que agora é oferecido na rede básica de saúde da capital paulista.
A reportagem é de Sarah Fernandes, publicada por Rede Brasil Atual – RBA, 01-10-2015.
“Nunca fiz tratamento com hormônios porque é caro e eu sustento, sozinha, minha madrasta. Mas sempre foi meu grande sonho. Vejo minhas amigas que fazem hormonização e elas estão lindas, expressando sua feminilidade, sendo quem elas são. Agora é minha vez”, diz emocionada Maria Catarina, que desde janeiro é umas das participantes do programa municipal Transcidadania, uma iniciativa da prefeitura que oferece uma bolsa de estudos para travestis e transexuais voltarem a estudar. Maria é uma das que faz o curso profissionalizante de manipulação de alimentos, no Senac.
O atendimento será iniciado pelas nove Unidades Básicas de Saúde (UBS) da região central, que, segundo a prefeitura, concentra 70% das pessoas transexuais da cidade. Os profissionais que trabalham nos equipamentos passaram por uma capacitação para atender a população trans de forma humanizada. As equipes, multidisciplinares, contarão com psicólogos que farão o acompanhamento dos pacientes e de um endocrinologista – por enquanto apenas na UBS Santa Cecília, que fará o monitoramento da condição de saúde dos pacientes, por meio de exames clínicos.
Quem procurar a hormonização passará primeiramente por sessões com um psicólogo, que irá elaborar um laudo analisando se a pessoa está convicta do que quer. A partir daí, ele será encaminhado para consulta com o endocrinologista, que vai solicitar exames e avaliar se prescreverá o tratamento. A expectativa da prefeitura é conseguir estender o serviço para outras regiões da capital paulista. Esta primeira etapa será direcionada para os beneficiários do Projeto Transcidadania, já que a maioria delas faz uso de hormônio.
A terapia com hormônios busca induzir o desenvolvimento de características sexuais secundárias compatíveis com a identidade de gênero da pessoa. De forma geral, é um tratamento continuado pela vida toda, sendo interrompido apenas para a realização de cirurgias. Por falta de atendimento na rede pública, muitas pessoas transexuais acabam recorrendo à automedicação, o que pode acarretar em problemas graves de saúde, devido ao uso inadequado dos hormônios.
O agente de prevenção de DSTs (Doenças Sexualmente Transmissíveis), Luciano Medeiros, toma hormônios há três anos para manter características físicas masculinas. Durante um ano e meio, ele fez o tratamento por conta própria, comprando medicamentos no mercado paralelo. “Quando se faz sozinho você não sabe a dosagem e corre o risco de ter trombose, aumento da pressão e até um derrame cerebral”, diz. “Com acompanhamento médico é seguro. É, para nós, algo muito importante. Lembro da primeira dose de testosterona que eu tomei. Foi uma libertação. A partir daquele dia minha relação comigo mesmo mudou.”
“É uma transformação, motivada pela identidade de gênero que, se mal feita, pode afetar profundamente a saúde da pessoa e acarretar custos maiores para os serviços públicos. Por isso temos um ambulatório como esse, para fazer atendimento integral, com orientação médica e psicológica. Vai ser muito importante para os que querem a terapia hormonal como também para reduzir custos e complicações que afetam o serviço público como um todo”, disse o secretário municipal de Saúde, Alexandre Padilha, durante a cerimônia de lançamento do programa.
Atualmente a população transexual de São Paulo conta com atendimento de hormonioterapia apenas no Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids do governo paulista, que presta atendimento à população transgênero desde 2010, no bairro Santa Cruz, zona sul da capital paulista. “Nós estamos rompendo a barreira do preconceito. Aqui a população trans pode ter acesso a sua terapia hormonal na unidade básica de saúde, junto ao conjunto da população atendida. O SUS (Sistema Único de Saúde) no município de São Paulo está aberto e se reorganiza para atender a população trans, que tem necessidades especificas”, disse Padilha.
“O Brasil é o país onde mais se mata travestis. Atrás vem o México, mas com uma taxa quatro vezes menor. A expectativa de vida dessa população é de 50 anos. Nesse cenário, atender os travestis e os transexuais, pela terapia hormonal e pelo Transcidadania, é a obrigação de uma prefeitura que tem as pessoas como prioridade”, disse o secretário adjunto de direitos humanos do município de São Paulo, Rogério Scotilli.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
‘Sou uma mulher presa em um corpo masculino. Agora vou poder ser quem sou’ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU