22 Setembro 2015
Quase dois mil quilômetros. Essa é a distância que um índio da região do Rio Tapajós tem de cruzar para chegar à Brasília, capital das negociações políticas. Local onde se negocia, inclusive, a vida dos povos indígenas do Brasil. E foi esse destino que tomou uma comitiva representando quatorze etnias do Baixo, Médio e Alto Tapajós, com a missão de lutar por território, saúde e educação.
A reportagem foi por Greenpeace Brasil e reproduzida por Amazônia, 18-09-2015.
A agenda estava cheia, com encontros entre as lideranças e o Ministério da Educação, Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e Ministério da Justiça. Mas o primeiro compromisso era o mais importante: encontro com o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), João Pedro da Costa. Pura frustração. Alegando uma reunião externa, o recém empossado presidente não compareceu ao encontro com a delegação indígena, deixando como primeira impressão um verdadeiro vazio. Isso porque, segundo o governo, trata-se de uma gestão que prometeu o diálogo concreto e a aproximação com os índios. Não pareceu.
Apenas no dia seguinte, na manhã dessa terça-feira (15), a comitiva do Tapajós pode apresentar suas principais demandas a João Pedro: a demarcação das Terras Indígenas (TIs) Cobra Grande, Maró, Bragança, Taquara e Marituba, Alter do Chão, Sawré Muybu entre outras, além de denunciar a precária situação da saúde e das escolas na região.
Os relatórios de dois territórios estão finalizados – Cobra Grande e Sawré Muybu. Segundo o presidente da Funai, os estudos são “muito detalhados e assertivos” ao delimitar o perímetro destinado aos índios. Mas no caso da TI Sawré Muybu, por exemplo, pareceres contrários a demarcação foram publicados pelo Ministério de Minas e Energia, Ministério do Meio Ambiente – ambos interessados na construção da Usina Hidrelétrica de Tapajós – e Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio)
Segundo João Pedro, a área da TI Sawré Muybu se sobrepõe a Floresta Nacional de Itaituba II, criada pelo ICMBio, o que inviabilizaria a criação da reserva indígena. No entanto, os índios defendem o direito originário à terra, uma vez que eles já estavam ali muito antes de existir a Floresta Nacional, ICMBio ou o próprio governo.
Questionado e pressionado a assinar os relatórios de demarcação no ato, João Pedro disse: “o nosso papel agora é defender os nossos estudos”. O quanto isso deve demorar não ficou claro: “Por mim, eu assinaria ontem. Mas tem a hora certa de demarcar, precisamos trabalhar a situação”, afirmou o presidente.
Poró Borari, da aldeia Novo Lugar, na Terra Indígena Maró, ressaltou a importância do avanço no debate com órgãos como a Funai. “Pedimos mais apoio, assistência e respeito. Mas pedimos principalmente que o órgão defenda nossos direitos”. No entanto, em sua avaliação, a autonomia da Funai está sendo cada vez mais ameaçada pelo governo – algo prejudicial, uma vez que se trata de um órgão a serviço dos povos.
Para Maria Leusa Munduruku, que lidera a resistência do Povo Munduruku, foi muito importante a mobilização entre todos os povos do Tapajós, o que mostra força e unidade aos governantes. “Mas eu não voltei contente. Eles sempre falam a mesma coisa. Percebemos que a chance de demarcar é pequena e o processo muito demorado, então temos que partir pra auto demarcação e não esperar por eles. Precisamos manter o nosso povo em segurança”.
Proibido caçar
O ICMBio, por meio do Projeto de Crédito de Carbono Florestal, vem fechando áreas incidentes em territórios indígenas, proibindo as comunidades tradicionais de entrarem numa região que antes fazia parte de suas terras tradicionais. Mas segundo o órgão, as áreas destinadas ao projeto – como a Floresta Nacional de Itaituba II e a Reserva Extrativista (Resex) Tapajós Arapiuns – não estão invadindo as Tis, e sim o contrário.
“Não são as aldeias que estão dentro da Resex. É a Resex que está dento dos territórios indígenas”, disse Patrícia Juruna durante reunião com o órgão. A Resex incide numa área que abrange 63 aldeias, e segundo as lideranças, as empresas que compram o projeto de carbono impedem a caça, a retirada de madeira, utilizada para fazer malocas e barracões, e controlam também a quantidade de roça, limitando os recursos dos índios. Por isso a demanda dos índios é contra a implantação desse projeto.
“Quando meus avós nasceram, eles nasceram lá. Quando meus pais nasceram, eles nasceram lá. Quando eu nasci, eles já estavam lá. E agora o ICMBio, depois que criou a Resex, quer mandar no território e nos manipular dizendo quantas tarefas de roça podemos fazer”, defendeu Catarina Kumaruara. “E ainda querem que a gente engula os projetos que eles dizem ser de desenvolvimento. Não queremos crédito de carbono e nem hidrelétrica barrando nosso rio”.
A problemática foi discutida com um diretor do ICMBio e as lideranças avaliam que o saldo do encontro não foi negativo: um grupo de trabalho deve ser criado para que a consulta prévia aos povos indígenas que estão nessas áreas seja efetivada.
Políticas públicas indigenistas
Os indígenas do Baixo Tapajós denunciam a falta de atendimento básico nas aldeias. Segundo eles, o poder público só atende índios que estiverem em Terras Indígenas homologadas.
A questão foi tratada em reunião com a Sesai, onde as lideranças indígenas reivindicaram a implementação de um Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei), na região do Baixo Tapajós. A Secretaria se mostrou positiva em relação a demanda, e se comprometeu em dialogar com os municípios para que o Sistema Único de Saúde respeite os direitos indígenas.
Com o fim da agenda em Brasília, a comitiva pode fazer sua longa viagem de volta para as margens do Rio Tapajós carregando consigo certa esperança. “No entanto, fica claro que a prioridade do governo é construir a hidrelétrica no Tapajós ao invés de assegurar a vida dos povos indígenas”, comenta Danicley de Aguiar, da campanha de Amazônia do Greenpeace Brasil. “Os avanços são pequenos perto da negligência governamental em relação aos índios e sua cultura. Infelizmente, os povos indígenas não fazem parte do plano desenvolvimentista do governo brasileiro”.
Para as lideranças de todo o Brasil, a única certeza que permanece é: resistir e lutar até o final pelos direitos dos povos indígenas.
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Território, saúde e educação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU