10 Setembro 2015
Os franceses que aspiram a uma sociedade mais igualitária (80% dos cidadãos, segundo as pesquisas) ficaram decepcionados com a realidade apontada por Joseph Stiglitz, que veio a Paris na semana passada lançar seu novo livro «La grande fracture –Les sociétés inégalitaires et ce que nous pouvons faire pour les changer» (A grande fratura-As sociedades inigualitárias e o que podemos fazer para mudá-las). O economista americano, prêmio Nobel de Economia e ex-economista chefe do Banco Mundial, faz uma constatação bastante grave : as desigualdades não cessam de aumentar, tanto nos Estados Unidos como em muitos países avançados.
A reportagem é de Leneide Duarte-Plon, publicada por Carta Maior, 08-09-2015.
O livro é uma antologia dos textos mais recentes do economista, publicados em jornais e revistas, sobre o problema da desigualdade. Segundo ele, «a desigualdade contribuiu para provocar a crise; a crise exacerbou as desigualdades pré-existentes; a agravação delas derrubou a economia e tornou mais difícil uma retomada do crescimento». Em suas entrevistas em Paris, Stiglitz lamentou que os economistas sejam incapazes de perceber as consequências do crescimento das desigualdades para elaborar políticas eficazes para combatê-las.
Segundo Stiglitz, 91% do crescimento da economia mundial foram capturados por 1% dos cidadãos mais ricos, entre 2009 e 2012. Os 99% restantes não viram a cor dos benefícios que o crescimento traz. Ele usa uma comparação : se pusermos num ônibus 80 multibilionários, esse ônibus equivaleria ao total do capital detido por metade da humanidade mais pobre.
Joseph Stiglitz esteve onipresente em entrevistas nos grandes programas de televisão, nas rádios e na maioria dos jornais impressos na semana passada. Sua análise é categórica : a única arma contra a crise é mais democracia, mais participação cidadã. E cita o exemplo da Grécia cujo primeiro-ministro, Alexis Tsipras, convocou um referendo para ouvir o povo no momento mais crítico de sua negociação com os credores da Europa. Stiglitz defendeu sempre as posições de Tripras por ter convicção de que o acordo proposto pela Europa vai estrangular o país.
Segundo ele, a recessão no Brasil é multifatorial mas pode ser explicada, em parte pelo fato de o país ter diminuído suas exportações para a China, que sofreu um freio em seu robusto crescimento econômico.
Um de seus conselhos parece ser o oposto do caminho seguido pelo Brasil : «Uma boa política econômica supõe que em caso de recessão se aumente o orçamento do Estado para estimular a atividade. Se, ao contrário, fazem-se cortes no orçamento, a economia se deprime. A isso se chama uma política de austeridade».
Como solução, o professor prega a criação de regulamentações financeiras eficazes, a reforma do financiamento das campanhas eleitorais, reforma fiscal e investimentos nas infraestruturas, sobretudo educação e pesquisa. «As opções políticas são a causa dos problemas de desigualdade e é pela política que virão as soluções. O mercado não regulará isso», diz o economista.
A política de austeridade é catastrófica
A austeridade, segundo Stiglitz, é uma catástrofe e está condenada ao fracasso. Ele cita o exemplo da Grécia, que vai ter uma recessão mais intensa e mais duradoura, como consequência do diktat imposto aos gregos pela Europa e da contração da economia do país. Hoje, os indicadores da economia grega estão 25% abaixo do nível de antes da crise.
«A troika impôs condições que tornam o reembolso da dívida quase impossível», diz ele, acrescentando que nem o próprio FMI crê na solução imposta aos gregos.
No seu livro, Stiglitz denuncia um sistema político que concebeu regras de mercado deformadas que só favorecem aos ricos e às empresas multinacionais. Estas empresas muitas vezes escapam ao controle dos Estados e produzem um dos mais graves problemas para as economias nacionais, a evasão fiscal.
«A mais importante das responsabilidades sociais é pagar o imposto», assegura Stiglitz. Ele faz parte de uma comissão internacional independente de reforma da fiscalidade das multinacionais para tornar mais transparente e justa a lei de controle fiscal dessas empresas, que se beneficiam da opacidade atual para pagar menos impostos.
O aumento das desigualdades econômicas se traduz em desigualdade política num sistema que dá ao dinheiro um poder sem limites. E num círculo vicioso, a desigualdade política só acentua a desigualdade econômica.
Ele cita a decepção politico dos cidadãos que em diversos países europeus votaram para eleger governos que se diziam contra a política de austeridade. Foi o caso de Hollande e de Tsipras na Grécia.
«Ora, esses governos tiveram que ceder. Os eleitores se perguntam o que se passa com a democracia e se sentem traídos pois pensavam que as eleições tinham ainda um sentido, uma força», argumenta Joseph Stiglitz. Mas sem a solidariedade entre os diversos Estados que compõem a Europa, nada vai mudar. O economista preconiza uma união bancária, a cooperação fiscal e um apoio sem falha da União Europeia aos Estados em dificuldade.
Para mudar em substância a atual ditadura do sistema financeiro, o economista sugere mudanças na esfera política, a começar pela reforma da lei eleitoral sobre o financiamento das campanhas. Nos Estados Unidos, o poder econômico elege representantes que vão defender os interesses de Wall Street, que financia de maneira ilimitada as campanhas eleitorais.
Nesse quadro de lutas sociais em que o trabalho enfrenta o capital, ele vê uma pequena vitória:
«Em Nova York, Los Angeles ou Seattle, apesar da influência dos bancos, totalmente contrários a aumentos, os cidadãos conseguiram aumentos do salário mínimo», informa.
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Joseph Stigliz: 'Contra a austeridade, maior participação cidadã e mais democracia' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU