31 Julho 2015
A Storia del Cristianesimo (Ed. Carocci), organizada por Emanuela Prinzivalli, possui clareza de exposição e análise crítica: são as duas diretrizes dessa obra ambiciosa, realizada em várias mãos, que aborda o fenômeno cristão desde as suas origens até hoje, privilegiando, à moda dos "Annales", a história social e a perspectiva interdisciplinar.
A análise é do filólogo e historiador italiano Manlio Simonetti, um dos principais estudiosos italianos de patrística, vencedor do Prêmio Ratzinger 2011 e ex-professor das universidades de Cagliari e de Roma "La Sapienza".
O artigo foi publicado no jornal Il Manifesto, 26-07-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Não é fácil escrever obras historiográficas de caráter geral, especialmente à luz dos mais recentes debates sobre o sentido, a função e os conteúdos da história. Muito menos no que se refere à história do cristianismo, um objeto de estudo no mínimo complexo, já que o fenômeno cristão foi e é, em diversos períodos, ambientes, sociedades, movimento de contestação do existente em nome das exigências de um reino de Deus misericórdia e resgate, e, vice-versa, por longos séculos e em muitas sociedades, fator de conservação de instituições e de arranjos sociais; além disso, ele foi influenciado por culturas diversos e, por sua vez, moldou pensamentos, artes, políticas, economias.
Por isso, uma história do cristianismo geral deve encarregar-se da capacidade mimética, dos pluriformes desenvolvimentos e também das diluições sobre diversos versantes do específico cristão; em uma palavra: a sua influência.
Além disso, o específico cristão também é, ele mesmo, um problema historiográfico, se não o problema por excelência: qual é e onde colocá-lo, além do fascínio e da ressonância da figura de Jesus de Nazaré?
O que acaba de ser dito constitui a intenção de fundo, a que corresponde um bom sucesso, da nova Storia del cristianesimo em quatro volumes, publicada com belas vestes editoriais pela editora Carocci, sob a direção científica geral de Emanuela Prinzivalli, que também organizou o primeiro volume, dedicado à Idade Antiga (séculos I-VII), enquanto os seguintes, consagrados à Idade Média (séculos VIII-XV), Moderna (séculos XVI-XVIII) e Contemporânea (séculos XIX-XXI), são organizados, respectivamente, por Marina Benedetti, Vincenzo Lavenia, Giovanni Vian (I volume, 489 páginas; II, 477 páginas; III, 521 páginas; IV, 502 páginas).
Na primeira página, Prinzivalli, depois de detectar as muitas novidades de caráter político, social e econômico que caracterizam o mundo atual em comparação com anos até não muito distantes, com óbvia atenção ao interesse que desperta hoje o fato religioso, observa que "esse renovado interesse, em uma época que corre o risco de se ancorar ao momento presente e não distinguir a opinião do conhecimento fundado na análise crítica, tem extrema necessidade do olhar longo da história, da interpretação dos eventos e de uma abordagem que, com clareza expositiva, restitua, na medida do possível, a sua complexidade".
A partir dessa declaração programática, derivamos as duas diretrizes fundamentais que fixaram a fisionomia geral do empreendimento: clareza expositiva e análise crítica. A clareza expositiva não era fácil de se realizar em uma obra cujo tratamento, por evidentes motivos de oportunidade, foi fracionada entre muitas mãos: por exemplo, nada menos do que 15, reagrupadas em três partes, são as contribuições que constituem o primeiro volume, dedicado à Idade Antiga (séculos I-VII), e mais ou menos a mesma subdivisão caracteriza os outros três volumes.
Bem se sabe como é difícil realizar homogeneidade em uma obra escrito em várias mãos, e a primeira a sofrer as consequências da falta de homogeneidade é necessariamente a clareza. O fato de que todos os quatro volumes se deixem ler facilmente e com soltura significa não apenas uma adequada e bem programada sistematização de base, mas, acima de tudo, o atento trabalho dos organizadores.
Quanto à configuração crítica que presidiu a realização da obra, tomemos como espécime, com referência às intitulações, as três partes em que foram reagrupadas e distribuídas as 15 contribuições que constituem o primeiro volume: a um título bastante óbvio quanto inevitável, "Como nasce o cristianismo", seguem-se aqueles da segunda parte, que agrupa nada menos do que sete contribuições, "Cristianismo, sociedades, instituições", e da terceira, "Culto, ideais de santidade, locais de devoção".
Bastam esses três títulos, sem necessidade de detalhar mais pormenorizadamente, para entender que a sistematização geral dessa obra privilegia, quase da maneira francesa da escola francesa dos Annales, a história social e a perspectiva interdisciplinar em relação à chamada perspectiva acontecimental [événementiel], ou seja, a sucessão dos fatos.
A atenção às grandes questões historiográficas, já presente no primeiro volume, confirma-se e amplia-se nos volumes segundo e terceiro, que se referem a séculos nos quais o cristianismo molda amplamente a sociedade e as instituições.
Por isso, é ainda mais significativo, no segundo volume, a intenção constante de mostrar os traços mais cristãmente, eu diria evangelicamente, significativos, ao abordar temas, problemas e personagens (entre os quais Francisco de Assis e Valdo de Lyon).
A peculiaridade do terceiro volume me parece ser o olhar global, que não ignora os contatos, as contaminações e os confrontos entre cristianismo e outras religiões monoteístas.
Já se disse acima sobre a perspectiva de método adotada nos volumes. Obviamente, os fatos não faltam, embora às vezes reduzidos ao mínimo. Mas deve-se notar o ganho realizado com a presença de temáticas que ainda não tinham encontrado espaço em obras análogas, mas são essenciais para compreender articulações e permeabilidades do fenômeno cristão; no primeiro volume, a ampla análise sobre a evolução da liturgia, sobre os modelos de santidade (independentemente do tratamento, à parte, do monaquismo), sobre as formas e sobre os locais de culto, as páginas dedicadas à oralidade e escritura, e às tradições patrísticas.
No segundo e no terceiro volume, consagram-se capítulos à arte cristã, nas suas diversas articulações; no segundo ainda, nota-se o interesse pela cultura, pela escola, pelo direito (temática fundamental para entender o desenvolvimento da Igreja no Ocidente); no terceiro, temos capítulos sobre os processos de disciplinamento do corpo, da consciência, da política, sobre o uso do dinheiro, sobre a relação entre ciências da natureza e teologia, sore a cultura literária, este último atento a não negligenciar um assunto específico, mas de grande peso exegético-doutrinal, como as reescrituras do Gênesis. Quanto ao quarto volume, o seu impulso até o hoje torna-o necessariamente uma obra, em grande parte, nova.
Algumas carências na exposição nos fatos, por conseguinte, eram inevitáveis: no primeiro volume, está reduzido a menos do que o mínimo o tratamento de um assunto fundamental como o do arianismo; no segundo, fala-se muito das cruzadas em nível de ideologia, mas é insuficiente o relato do seu desenvolvimento individual.
No terceiro volume, não encontrei o nome de Richelieu: considerando-se que a Guerra dos Trinta Anos se concluiu de modo a salvaguardar a existência dos protestantes na Alemanha, apenas porque, perto do fim, a França entrou diretamente na guerra para levantar a periclitante situação deles, em detrimento do Império e da Espanha, a carência deve ser ressaltada.
No quarto volume, parece-me que não é adequadamente sublinhado como a violência indiscriminada nascida da reação ao modernismo fez com que a cultura católica precipitasse em um gueto de marginalização do qual apenas estudiosos seculares, ou algum eclesiástico formado nas universidades estatais, ainda tentam, esforçosamente, trazê-la à tona.
A ordem cronológica é de tipo tradicional: as desigualdades (mil anos para a Idade Média, 200 para a era moderna e contemporânea) se explicam porque os vários períodos nos quais se reparte a história do cristianismo são caracterizados como tais pela fisionomia variada que essa história assumiu com o passar dos séculos, dos quase mil anos de Igreja medieval – juíza de fato dos destinos da Europa naquele longo período de tempo – ao seu questionamento na época do Renascimento e da Reforma, até a secularização, de um lado, e a globalização, de outro, típicas do nosso tempo. Com efeito, a abordagem vai até bem depois do Concílio Vaticano II, até o ecumenismo do século XXI e o Papa Bergoglio.
Em outros tempos, aconselhava-se, ou mesmo se prescrevia, não empurrar a reconstrução demasiadamente para o presente, dada a exigência de uma distância "justa", considerada indispensável a fim de uma avaliação crítica, isto é, histórica e não meramente de crônica, dos fatos mais recentes.
Essa exigência já parece ter declinado há muito tempo, em um mundo em que o presente se impõe cada vez mais, e basta passar poucos anos para relegar os fatos passados em um limbo acrônico, razão pela qual é forçoso adequar-se.
A esse respeito, no entanto, gostaria de salientar que o fato de ter privilegiado uma perspectiva de história social, doutrinal e das instituições em relação às dos eventos, indubitavelmente, beneficiou de modo particular a abordagem do último volume, por ter permitido uma visão global das problemáticas atuais em nível também de teoria, sem excessivos fracionamentos de crônica. E, também para os volumes anteriores, permitiu captar da melhor forma possível a interação das instituições eclesiais, da elaboração do pensamento e das práticas com as do mundo externo.
Por fim, gostaria de salientar com satisfação que, salvo poucas exceções, os colaboradores, sejam mais ou menos jovens, dessa desafiadora iniciativa editorial são italianos, propondo-nos, portanto, um eloquente espécime do alto grau de eficiência que os estudos históricos, há várias décadas, alcançaram na Itália, país que, embora tão devastado, possui pontas de excelência a ponto de qualificá-los a um nível muito alto no âmbito internacional.
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Cristianismo: uma análise crítica da era antiga até o Papa Bergoglio. Artigo de Manlio Simonetti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU