15 Julho 2015
"Nada mais me surpreende, nossa zona do euro é um lugar incômodo para as pessoas decentes. Tampouco me surpreende que (Tsipras) fique e aceite um péssimo acordo. Entendo que sinta que tem obrigações com aqueles que o apoiaram e não quer que nosso país se transforme em um Estado falido. Mas não vou mudar minha opinião, a mesma desde 2010, de que a Grécia deve parar de adiar e fingir, devemos parar de pedir novos empréstimos e fingir que resolvemos o problema, quando isso não é verdade; quando nossa dívida é ainda menos sustentável com novas medidas de austeridade que mergulham ainda mais a economia e o fardo recai cada vez mais sobre os que não têm nada, com a inevitável crise humanitária. Não estou disposto a aceitar isso. Não contem comigo", afirma Yanis Varoufakis, ex-ministro das Finanças da Grécia, em entrevista concedida a Henry Lambert, publicada por News Stateman e reproduzida por El País, 14-07-2015.
Eis a entrevista.
Como está depois de renunciar?
Estou muito bem, sem essa vida enlouquecida, absolutamente desumana, dormindo duas horas por dia durante cinco meses, com a pressão de negociar uma posição que era difícil de defender. Havia muitas coisas interessantes, mas também, ao estar dentro, se confirmaram meus piores medos. A total falta de escrúpulos democráticos dos supostos defensores da democracia europeia. Saber que nossa análise e a deles era a mesma e que, ao mesmo tempo, nos olhavam na cara e diziam: “Estão certos, mas vamos esmagá-los qualquer maneira”.
Você disse que os credores não o apoiavam “porque no Eurogrupo tentou falar de economia, que é algo que ninguém faz”.
Não é que caísse mal, é que se recusavam completamente a discutir argumentos econômicos. Era apresentar um argumento que você tinha se preparado bem para garantir sua coerência lógica e encontrar apenas olhares vazios. Como se não tivesse falado nada. E isso termina sendo chamativo para alguém acostumado ao debate acadêmico, no qual a outra parte sempre responde.
Quando você chegou, no início de fevereiro, não havia uma posição unificada...
Havia muitos que simpatizavam conosco em nível pessoal, a portas fechadas, em especial os representantes do FMI. Mas dentro do Eurogrupo, além de algumas palavras amáveis, nada. [O ministro de Finanças alemão, Wolfgang] Schäuble sempre manteve a mesma atitude: “Não se discute o programa, porque o governo anterior aceitou e não vamos mudar por causa de uma eleição. Com 19 países, sempre há alguma eleição pendente e se cada vez tivermos que mudar as coisas, os contratos entre nós não teriam nenhum valor”. Então tive que responder que não deveríamos realizar eleições nos países endividados, e ninguém me respondeu, um silêncio que só posso interpretar que parecia uma boa ideia para eles, mas difícil de implementar. Então, quem não assinasse ficaria de fora.
E Merkel?
Eu não tinha relação com ela, porque os ministros de Finanças conversam com seus pares, e o primeiro-ministro é quem fala com a chanceler. Tenho a impressão de que ela era muito diferente. Estava tentando tranquilizar Tsipras, enquanto eu não ouvia nada parecido, nem do chefe do Eurogrupo ou de Schäuble, que eram muito mais contundentes. Desde o início [no início de fevereiro].
Então por que aguentou até o verão?
Porque não tinha alternativa. Nosso Governo tinha a obrigação de negociar, de criar o espaço e o tempo para chegar a um acordo. Não de brigar com os credores... As negociações foram intermináveis porque a outra parte se recusava a fazer concessões. Insistiram em um acordo global, ou seja, em falar sobre tudo, o que, na minha opinião, equivale a não querer falar de nada. Não fizeram nenhuma proposta. Por exemplo, com o IVA. Depois de pedir todos os dados das empresas estatais, que preenchêssemos questionários intermináveis e apresentássemos nossas ideias, antes de negociar um acordo, mudavam de tema e começavam a falar, por exemplo, de privatizações.
Apresentávamos nossas propostas, eles rejeitavam e começavam a falar das aposentadorias ou do mercado de trabalho, e assim por diante.
Achava desde o início que nosso país estava muito mal, que certamente devemos implementar reformas. Como era urgente e havia muita pressão, dizia o tempo todo à troika que deveríamos chegar a um acordo em três ou quatro reformas importantes e imediatas para que o BCE relaxasse as restrições de dinheiro. Em seguida, aprovaríamos as reformas no Parlamento e continuaríamos negociando. Mas eles queriam tudo desde o primeiro momento. Disseram que, se aprovássemos qualquer lei, seria considerada uma ação hostil e vazariam à imprensa que estávamos fazendo com que perdessem tempo. Era uma verdadeira armadilha. Até que o FMI, quando estávamos quase sem dinheiro, apresentou reformas que eram impossíveis de aceitar.
Tentaram colaborar com outros países endividados?
Não, porque deixaram muito claro desde o início que eram nossos piores inimigos, especialmente se conseguíssemos um acordo mais favorável para a Grécia que os deixasse mal com seus próprios cidadãos.
E com os partidos simpatizantes, como Podemos?
Não realmente. Sempre tivemos boas relações com eles, mas não podiam fazer nada, não tinham voz no Eurogrupo e, na verdade, quanto mais falavam a favor de nós, mais hostil ficava o ministro de Economia espanhol.
Qual é a maior falha de funcionamento do Eurogrupo?
O problema é que é um grupo sem existência legalmente reconhecida, sem um tratado que o sustente, mas com o máximo poder para decidir sobre as vidas dos europeus. Não responde a ninguém, não há atas das reuniões, e é confidencial. De modo que nenhum cidadão sabe o que está sendo discutido. Embora sejam decisões quase de vida e morte.
E o grupo é controlado pelas atitudes alemães?
Não pelas atitudes, mas pelo ministro de Finanças da Alemanha. É uma orquestra muito afinada, dirigida por ele. Às vezes, a orquestra desafina, mas ele se encarrega de que voltem ao curral.
Não há nenhum poder alternativo, por exemplo, o francês?
O ministro francês é o único que se afastou da linha alemã, mas de uma maneira muito sutil, com linguagem judiciosa e sem se opor totalmente. E no final, quando Schäuble reagia e marcava a posição oficial, o ministro francês sempre acabava aceitando.
Em seu ensaio de 2013 sobre Marx dizia que uma saída da Grécia, Portugal e Itália da zona do euro produziria a fragmentação do capitalismo europeu, e insinuava que essa situação não beneficiaria a esquerda progressista, mas os nazistas do Amanhecer Dourado, os vários neofascistas e xenófobos europeus. Ainda acha que uma Grexit ajudaria realmente o Amanhecer Dourado?
Não gosto das versões deterministas da história. O Syriza se tornou uma força muito dominante. Se conseguíssemos resolver a situação e ter uma saída digna [do euro], o resultado poderia ser outro. Mas duvido que sejamos capazes, pois para gerir o colapso de uma união monetária é preciso muita perícia, e não tenho certeza de que possamos fazer isso na Grécia sem ajuda externa
A ideia da saída deve ter sido pensada desde o primeiro dia ...
Claro.
Se prepararam para isso?
Sim e não. Tínhamos um pequeno grupo, um gabinete de guerra dentro do ministério, umas cinco pessoas para colocar no papel tudo que deveria ser feito. Mas uma coisa é pensar teoricamente e outra é preparar o país.
E em suas últimas semanas, sentiu que se encaminhavam para essa decisão?
Minha opinião era que devíamos ter muito cuidado para não ativá-la. Não queria que se tornasse uma profecia autocumprida. Mas também pensava que, quando o Eurogrupo fechasse os bancos, deveríamos impulsionar o processo.
Quer dizer, havia duas opções, uma saída imediata ou imprimir promissórias e assumir o controle do Banco da Grécia, o que talvez poderia ter precipitado a saída.
Claro, nunca pensei que devíamos abandonar a moeda diretamente. Minha posição era que, se fechassem os bancos, que era uma medida incrivelmente forte e agressiva, deveríamos reagir da mesma forma, mas sem cruzar um ponto em que não haveria retorno. Deveríamos emitir nossas próprias promissórias ou anunciar a emissão de nossa própria liquidez em euros, cortar os títulos gregos de 2012 que tinha o BCE ou pelo menos anunciar nossa intenção de fazer isso, e tomar o controle do Banco da Grécia. Eram minhas três medidas caso o BCE fechasse nossos bancos.
Avisei meus colegas o que iria acontecer, para nos forçar a aceitar um acordo humilhante. Mas, quando chegou a hora – para incredulidade de muitos deles –, minha proposta foi rejeitada. Apenas outro ministro me apoiou. Mandaram que eu fechasse os bancos de acordo com o BCE e o Banco da Grécia, apesar de que eu era contrário a isso, fiz porque aceito as decisões coletivas.
Então aconteceu o referendo, que nos deu um novo impulso e poderíamos tomar essas medidas, mas naquela mesma noite o Governo decidiu que o incrível Não do povo não conseguiria dinamizar nossa resposta, apenas serviria para fazer concessões importantes: nosso primeiro-ministro se reuniria com os líderes políticos e aceitaria que, acontecesse o que acontecesse, nunca nos mostraríamos agressivos. Em suma, tínhamos nos rendido. Paramos de negociar.
Mudando de tema, você pode explicar em termos simples suas objeções ao Capital de Piketty?
Em primeiro lugar, me dá muita vergonha, porque Piketty deu um apoio extraordinário para mim e para o Governo, e eu fiz uma crítica horrível de seu livro. Agradeço muita sua posição nos últimos meses. Mas minhas críticas ainda são válidas. Ele tem razão em seus sentimentos sobre a desigualdade, mas sua análise está errada.
O problema está na forma como ele mede a riqueza?
Sim, usa uma definição de capital que faz com que o capital seja impossível de compreender; é uma contradição.
Vamos voltar à crise. Qual é a sua relação com [Alexis] Tsipras?
Eu o conheço desde o final de 2010; naquela época eu era um destacado crítico do governo, apesar de tê-lo apoiado anteriormente. Tinha amizade com a família Papandreu – continuo tendo –, mas chamou a atenção que um antigo assessor falasse que estávamos negando a existência da falência e tentando escondê-la com novos empréstimos insustentáveis. Tsipras era um jovem líder que queria entender o que estava acontecendo e construir sua posição.
Você se lembra do seu primeiro encontro?
Sim. No final de 2010, em uma lanchonete. Éramos três e lembro que não tinha muito clara sua opinião sobre o dracma em relação ao euro, as causas da crise, e eu, por outro lado, tinha opiniões muito firmes. Começamos um diálogo que durou anos, e acho que consegui influenciar sua posição.
Como se sente agora, após quatro anos e meio, não estando mais ao seu lado?
Não me sinto assim, continuamos muito próximos. Foi uma despedida muito amigável. Nunca tivemos um conflito entre nós. E também tenho um bom relacionamento com Euclides Tsakalotos [o novo ministro de Finanças].
Você falou com eles esta semana?
Com Tsipras não, apenas com Euclides, é um bom amigo, e não invejo em nada sua situação [riso irônico].
Ficaria surpreso se Tsipras renunciasse?
Nada mais me surpreende, nossa zona do euro é um lugar incômodo para as pessoas decentes. Tampouco me surpreende que fique e aceite um péssimo acordo. Entendo que sinta que tem obrigações com aqueles que o apoiaram e não quer que nosso país se transforme em um Estado falido. Mas não vou mudar minha opinião, a mesma desde 2010, de que a Grécia deve parar de adiar e fingir, devemos parar de pedir novos empréstimos e fingir que resolvemos o problema, quando isso não é verdade; quando nossa dívida é ainda menos sustentável com novas medidas de austeridade que mergulham ainda mais a economia e o fardo recai cada vez mais sobre os que não têm nada, com a inevitável crise humanitária. Não estou disposto a aceitar isso. Não contem comigo.
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“Os países endividados deixaram claro que eram nosso pior inimigo”. Entrevista com Yanis Varoufakis - Instituto Humanitas Unisinos - IHU