13 Julho 2015
O evento está programado para a manhã deste sábado, 11 de julho, no Tribunal do Estado de Cidade do Vaticano, a poucos passos da Casa Santa Marta, onde vive o Papa Francisco. Enquanto o pontífice está em viagem à América Latina a milhares de quilômetros de distância, abre-se uma nova página na história da justiça vaticana: pela primeira vez, dentro dos muros leoninos, um arcebispo acusado de pedofilia será julgado. Trata-se do ex-núncio polonês na República Dominicana, Dom Jozef Wesolowski.
A reportagem é de Ignazio Ingrao, publicada na revista Panorama, 09-07-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Não só: pela primeira vez na história, um arcebispo da Santa Igreja Romana será processado por um colégio de juízes composto inteiramente por leigos: o presidente será Giuseppe Dalla Torre, assistido pelos juízes Piero Antonio Bonnet e Paolo Papanti Pelletier. Juiz suplente: Venerando Marano. Chanceler: Raffaele Ottaviano.
A acusação será personificada pelo promotor de justiça Gian Piero Milano e pelos seus dois "adjuntos": Alessandro Diddi e Roberto Zannotti. A defesa do arcebispo é confiada ao advogado Antonello Blasi, que tinha sido indicado como advogado de ofício no momento da prisão (22 de setembro de 2014) e, depois, confirmado como advogado de confiança.
De que o arcebispo polonês é acusado?
Os fatos são conhecidos: o arcebispo Wesolowski, bom amigo de São João Paulo II e do seu secretário, o cardeal Stanislaw Dziwisz, foi nomeado núncio na República Dominicana e delegado apostólico em Porto Rico no dia 24 de janeiro de 2008.
Cinco anos depois, no dia 21 de agosto de 2013, foi forçado a renunciar, abalado por acusações de ter abusado repetidamente ao longo dos anos de crianças dominicanas forçadas a se prostituir e de possuir nos seus computadores uma grande quantidade de fotos e vídeos de pornografia infantil.
O grande acusador é um diácono local, seu assistente, que denunciou ter sido forçado pelo arcebispo a continuamente lhe obter crianças para relações sexuais.
Wesolowski, apesar das acusações, permaneceu durante muito tempo no seu posto, até que uma investigação conduzida pela jornalista Piera Nuria e os protestos dos bispos locais levaram a Santa Sé a removê-lo do cargo e a chamá-lo de volta para Roma, em agosto 2013.
Enquanto isso, já havia sido aberto um dossiê contra ele até pela Procuradoria da República Dominicana. Mas, aparentemente, nem mesmo durante a sua estadia em Roma, na Casa Internacional do Clero, na Via della Scrofa, Wesolowski deixou de cometer os seus crimes: segundo a acusação, mesmo naquele período, ele teria continuado reunindo e armazenando no seu computador material de pornografia infantil, forçando, assim, a magistratura vaticana a prendê-lo e trancá-lo na Casa dos Penitenciários.
Atualmente, por razões de saúde, à espera do processo, a prisão preventiva do arcebispo polonês foi convertida em obrigação de permanecer no mesmo lugar, sem a possibilidade de se afastar da Cidade do Vaticano.
Wesolowski já sofreu um processo canônico?
O arcebispo já foi processado pela jurisdição canônica: a Congregação para a Doutrina da Fé (o órgão competente para julgar os chamados "delicta graviora", como as violências contra os menores) adquiriu, por meio da magistratura dominicana, as provas contra Wesolowski (os verbais dos depoimentos das crianças e dos seus colaboradores, os testemunhos dos bispos do lugar, as perícias dos computadores) e o condenou à pena mais grave, a saber, a redução ao estado laical. Tratou-se de um processo "penal administrativa canônico".
Agora, espera-se a apresentação da sentença, contra a qual, muito provavelmente, o prelado vai recorrer. Enquanto isso, porém, a decisão do ex-Santo Ofício já é executiva: o arcebispo polonês não só foi demitido do corpo diplomático da Santa Sé, mas também lhe foi retirado o estado clerical.
No entanto, o papa, também como sinal a ser dado para fora, quis fortemente que Wesolowski fosse processado perante um tribunal civil como é, para todos os efeitos, o que se encontra no Estado da Cidade do Vaticano.
Para fazer isso, foram necessários dois atos normativos específicos: o primeiro é um "motu proprio" (isto é, uma lei promulgada diretamente pelo papa) do dia 11 de julho de 2013, intitulado "Nos nossos tempos", que estende a jurisdição do tribunal vaticano também para oficiais públicos da Santa Sé, como era o núncio polonês.
O segundo é um "rescrito de audiência" de Francisco de setembro passado, que autorizou o tribunal vaticano a processar o arcebispo. De norma, arcebispos e bispos só poderiam ser julgados por uma específica comissão de três membros nomeada pessoalmente pelo papa. O "rescrito" papal, ao contrário, demanda o julgamento do tribunal composto apenas por leigos.
O ex-núncio pode ser processado duas vezes?
Entre a jurisdição penal canônica e a penal civil, perante o tribunal vaticano, não há nenhuma sobreposição nem interferência, destacou o promotor de justiça, Gian Piero Milano, por ocasião da inauguração do ano judiciário, no dia 31 de janeiro passado.
Ele rejeitou, assim, a tese daqueles que defendem que o prelado polonês não pode ser julgado pela jurisdição vaticana porque já foi condenado pela Congregação para a Doutrina da Fé. "Foi-nos apresentada a dúvida se a existência de uma jurisdição concorrente de órgãos estatais vaticanos (o nosso tribunal) e de órgãos canônicos (a Congregação para a Doutrina da Fé) sobre um mesmo processo penam poderia constituir uma violação do princípio geral 'ne bis in idem' [não duas vezes para a mesma coisa]", relata Milano.
E ele responde que tal dúvida deve ser desfeita, porque "uma coisa são as sanções previstas pelas leis penais vaticanas, outra as sanções canônicas atribuídas à competência da Congregação para a Doutrina da Fé contra os clérigos. Nas primeiras, realiza-se a jurisdição do Estado, para as segundas, opera a jurisdição sobre o status [do sacerdote, do bispo etc.]".
Quais penas estão em jogo para Wesolowski?
São duas as principais acusações contra o arcebispo: primeiro, a posse de material de pornografia infantil com o agravante da enorme quantidade. Fala-se de centenas de milhares de arquivos de fotos e de vídeos encontrados no computador da nunciatura e no celular do arcebispo, que Wesolowski teria continuado a recolher mesmo quando tinha sido chamado novamente a Roma a partir de agosto de 2013.
Nesse caso, aplica-se a lei VIII emitida pelo Papa Francisco em julho de 2013, que sanciona justamente esse tipo de crime. O prelado corre o risco de pegar até 24 meses de prisão, mas que podem ser aumentados, a critério do juiz, por causa dos agravantes.
Para os crimes de violência contra os menores, que o arcebispo polonês teria cometido na República Dominicana, deve-se aplicar o Código Penal Zanardelli de 1889, que o Vaticano acolheu no seu ordenamento e ainda está em vigor.
Pode-se bem imaginar que esse código não previa os crimes de pedofilia como o entendemos hoje. No entanto, no caso de Wesolowski, podem-se aplicar os artigos 335 e 372, que sancionam a "corrupção mediante atos de libido" (pena prevista de até 30 meses de reclusão) e as "lesões pessoais graves", impondo penas que podem variar de um a cinco anos, dependendo da gravidade.
Nas lesões pessoais graves, também estão incluídos os danos psicológicos. Somando todas as penas previstas, Wesolowski corre o risco de pegar até nove anos de prisão.
Quanto tempo durará o processo?
As investigações, já concluídas, duraram mais de oito meses: foram coordenadas pelo promotor de justiça Milano e conduzidas pela Gendarmeria Vaticana, sob a responsabilidade do comandante, Domenico Giani.
Os investigadores vaticanos adquiriram da Congregação para a Doutrina da Fé o material probatório que tinha chegado da República Dominicana. No entanto, uma vez que o processo será realizado de acordo com as normas do Código de Processo Penal Finocchiaro de abril de 1913, modernizado com a lei IX de 2013, a fase de julgamento será muito importante.
Serão fundamentais as provas que serão levadas perante o tribunal. Não é de se excluir que a defesa peça uma avaliação psiquiátrica para o arcebispo, enquanto a acusação poderia trazer testemunhas ao tribunal.
A magistratura dominicana forneceu documentos e verbais com os relatos das vítimas, mas o Vaticano poderia apresentar um pedido de rogatória para trazer outras provas e testemunhos: começando pelo diácono Francisco Javier Occi Reyes, ex-colaborador do núncio e agora seu grande acusador.
Preso pela polícia dominicana, o diácono teria revelado que foi ele que aproximou as crianças pobres para levá-las ao arcebispo. Por essa razão, também poderia ser solicitada uma rogatória para a República Dominicana.
A primeira audiência do processo, no dia 11 de julho, certamente será pública, mas é muito provável que, em relação aos crimes contra menores, a defesa peça que as audiências posteriores sejam realizadas a portas fechadas.
O processo entrará na sua fase principal em setembro e outubro. Prevê-se que, para chegar à sentença, será preciso ao menos um ano. Se condenado, Wesolowski terá o direito de recorrer.
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A bofetada do papa no núncio polonês: será julgado por um tribunal civil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU