Por: André | 09 Julho 2015
Os dirigentes políticos da Alemanha, com a chanceler Angela Merkel à frente, apostaram suas fichas desde 2010 no ajuste como cura para os males da Grécia. Longe de mudar a posição alemã, o rotundo fracasso desta aposta reforçou-a. Hoje, o vice-chanceler socialdemocrata da coalizão governamental, Sigmar Gabriel, compete em intransigência com Merkel e com o ministro das Finanças, Wolfang Schäuble, reflexo de uma opinião pública convencida por seus políticos e tablóides de que a Grécia é uma terra de vagos e corruptos.
Com este pano de fundo, as chances para encontrar um compromisso entre uma Eurozona dominada pela Alemanha e a Grécia não são grandes. Mas, nem todos os alemães pensam dessa maneira. O diretor do Instituto de Política Macroeconômica da Universidade de Duisburg-Essen, Gustav Horn, assinou em junho uma carta junto com Joseph Stiglitz, Thomas Piketty e outros destacados acadêmicos internacionais pedindo uma mudança de política para com a Grécia.
A entrevista é de Marcelo Justo e publicada por Página/12, 08-07-2015. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
É possível que a Eurozona e a Grécia cheguem a um novo acordo?
É perfeitamente possível. O problema é se existe vontade política para isso. Na Alemanha, muitos políticos são muito reticentes em chegar a um novo acordo. Estes políticos pensam que a Grécia não cumpriu com seus compromissos e, portanto, não há nenhuma razão para chegar a um novo acordo, porque também não vão cumprir o novo acordo. Muita gente tem medo de emprestar mais dinheiro que não será devolvido. De modo que muitos pensam que a melhor coisa a se fazer é deixar que a Grécia deixe a Eurozona.
Hoje há um consenso internacional bastante grande que inclui os meios de comunicação de direita, como o The Economist, sobre o fracasso da austeridade que se receitou à Grécia. Os resultados estão à vista. O problema é que agora é muito difícil reconhecer esse fracasso e mudar de rumo.
Estou totalmente de acordo. A austeridade teve um impacto desastroso sobre a economia grega, que perdeu um quarto do seu PIB, aumentou o desemprego de maneira alarmante e impôs um extraordinário sofrimento ao seu povo, mas na Alemanha as pessoas aceitaram a mensagem do governo de que esta é a maneira de sair da crise e agora é muito difícil mudar de rumo. O próprio governo está amarrado à mensagem que ajudou a propagar durante tanto tempo.
É surpreendente, porque por sua experiência histórica, a Alemanha deveria entender melhor a dinâmica de uma dívida impagável. O Tratado de Versalhes, depois da Primeira Guerra Mundial, impôs-lhe condições de pagamento impossíveis de serem cumpridos, o que contribuiu para o surgimento do nazismo. Depois da Segunda Guerra Mundial, ao contrário, houve um acordo para aliviar a dívida alemã e vincular o pagamento ao crescimento econômico, o que permitiu o chamado “milagre alemão”. Por que ninguém parece se lembrar dessa experiência histórica?
É verdade que por nossa própria história deveríamos ter tomado outra posição. Mas o discurso político dominante em 2009 e 2010 era que não devíamos colocar um centavo na economia grega porque é corrupta e não é competitiva e devia ser reformada como pré-condição para emprestar-lhe dinheiro. Merkel teve que ceder um pouco e participar dos resgates e, por isso, muitos do seu partido não a seguem porque pensam que ela perdeu muita credibilidade. A realidade é que no atual Parlamento alemão seria muito difícil obter uma maioria para uma mudança de política.
O próprio vice-chanceler socialdemocrata, Sigmar Gabriel, parece às vezes mais intransigente do que a Merkel. É esta a posição de todo o partido?
Uma forte minoria dos socialdemocratas opõe-se a um acordo, incluindo os líderes do partido. Mas a maioria dos deputados pensa diferente. Neste sentido, creio que a maioria dos socialdemocratas não se oporia. A esquerda alemã e os verdes também são favoráveis a um acordo, mas não têm suficiente peso.
O argumento dos setores duros na Alemanha é que, se eles cedem em relação à Grécia, outros países na Eurozona farão o mesmo.
Não é um argumento de peso. Países como a Espanha, Irlanda, Portugal, Itália sabem que a Grécia está em uma situação desesperada, mas, além disso, se beneficiarão com um resgate, porque diminuiria o custo do capital para eles mesmos se ficar claro que o euro é sustentável e supera esta crise.
Como em todas as negociações, há um problema em ambos os lados de não sair mal politicamente. Angela Merkel pode preferir um acordo, mas necessita de uma fórmula em que não apareça como derrotada. No caso grego, aparentemente, bastaria que houvesse um programa de redução de sua dívida – que praticamente todo o mundo concorda que é impagável.
Eu penso que é importante que a Grécia reforme seu setor de impostos e pensões. O próprio governo sabe que tem que fazê-lo. Ajudaria se apresentasse uma proposta que contivesse uma reforma. Por outro lado, os países da Eurozona têm que aliviar o peso da dívida, prolongando o tempo de pagamento, europeizando a dívida, adquirindo aquela parte que está nas mãos do FMI, porque do jeito que está é impagável. Mas a realidade é que a isto seria preciso acrescentar um programa de investimentos de fundos europeus para que a Grécia pudesse crescer novamente.
Nesta segunda-feira o Banco Central Europeu apertou um pouco mais as exigências em termos de garantias para os empréstimos a fim de evitar uma insolvência. Quer dizer que no próprio Banco Central Europeu predomina a posição dura alemã?
Não. Há uma posição flutuante que depende de duas coisas. Por um lado, tem que proporcionar liquidez aos bancos gregos: é seu dever como Banco Central Europeu. Mas, por outro lado, dá-se conta de que os bancos gregos têm muitos problemas. Por este motivo tem que reforçar a questão das garantias destes empréstimos. No fundo, se a Grécia permanece ou não no euro dependerá de uma decisão política e não de uma decisão monetária do BCE.
Também há uma data chave, 20 de julho, menos de duas semanas: a Grécia tem que pagar mais de três bilhões de euros ao Banco Central Europeu. Neste sentido, a negociação com a Eurozona tem um limite temporário muito claro. Mesmo se houvesse vontade de acordo, consegue a Grécia pagar esta dívida?
Caso se chegue a um acordo sobre a dívida e a reforma seria possível para a Grécia conseguir esses fundos nos mercados internacionais. Será muito difícil completar um acordo em duas semanas, porque o Parlamento alemão e outros terão que aprová-lo, mas, sim, existirão as bases para que a Grécia possa cumprir esse pagamento.
Acredita que vai haver um acordo?
É uma boa pergunta. Será preciso ver se há vontade política para reabrir a negociação. Isso é fundamental. Na minha opinião, a probabilidade para que haja um acordo é de 51%. Não mais.
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“A austeridade foi desastrosa para a Grécia”. Entrevista com Gustav Horn - Instituto Humanitas Unisinos - IHU