01 Julho 2015
O papa não tem só inimigos, mas também muitos amigos, muitas pessoas que compartilham o seu estilo e a sua mensagem. Francisco não é uma espécie de Super-Homem cotidianamente engajado em uma luta sobre-humana contra o mal. Ou, ao menos, ele é isso, assim como inúmeras outras pessoas na Igreja, engajadas em todos os níveis, desde as paróquias mais periféricas aos escritórios vaticanos.
A opinião é do sociólogo italiano Marco Marzano, professor da Universidade de Bergamo, em artigo publicado no jornal Il Manifesto, 29-06-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Começamos dizendo que o papa não tem só inimigos, mas também muitos amigos, muitas pessoas que compartilham o seu estilo e a sua mensagem. Francisco não é uma espécie de Super-Homem cotidianamente engajado em uma luta sobre-humana contra o mal. Ou, ao menos, ele é isso, assim como inúmeras outras pessoas na Igreja, engajadas em todos os níveis, desde as paróquias mais periféricas aos escritórios vaticanos.
Dito isso, ou seja, que o papa não é um super-herói, mas um homem normalíssimo a quem o destino atribuiu um encargo muito delicado, passemos aos inimigos. E limitemo-nos aos internos à Igreja, àqueles que têm um maior interesse de retardar a ação de Francisco.
Alguns deles, deve-se admitir, os mais corajosos, escolheram a linha da contraposição frontal, da oposição aberta. São os adversários de toda reforma, aqueles que se recusam a imaginar qualquer abertura, que veem a Igreja como uma "fortaleza sitiada", comprometida a resistir com todas as suas forças restantes à modernidade secularizante em avanço.
São aqueles que ridicularizam a metáfora franciscana do hospital de campanha, que sonham com o retorno a uma Igreja intransigente, de rosto severo, a Igreja do Não, produtora de normas em grandes quantidades. Não importa que essas normas hoje sejam respeitadas por pouquíssimos. O que importa para eles é que aqueles que as emitem ou as reiteram (isto é, eles mesmos) possam se sentir sobre o pedestal do qual os seus antecessores, por séculos, se elevaram acima das pessoas comuns, acima do povo, convictos de serem chamados, talvez por Deus, talvez pelo dom de algum carisma particular, a desempenhar uma função totalmente especial.
São os padres de batina, os tradicionalistas, os superconservadores, os Socci, os Adinolfi, mas também toda a fileira dos seus amigos ateus devotos, os vários Ferrara e associados, que veem na Igreja, sobretudo, um soberbo instrumentum regni, um meio, o melhor, por se basear no controle das consciências, para manter de pé uma sociedade hierárquica, autoritária e injusta. Na qual poucos (invariavelmente, homens idosos) comandam, e muitos (todos os outros) obedecem.
Ao lado dessa primeira fileira de opositores, há uma segunda, mais sutil e ambígua. São os eternos admiradores de todos os papas, os oportunistas, os burocratas, os deferentes em relação a qualquer um que mande, os eternos admiradores do poder.
Preenchem os postos de comando da Igreja em muitos níveis e estão contentes com a popularidade de Francisco, porque ela se reflete indiretamente sobre toda a organização. Mas, ao mesmo tempo, esperam que ela nunca se traduza em reformas duradouras, em mudanças realmente profundas. Especialmente, eles temem pelas suas rendas de posição, sejam pequenas ou grandes, pelos muitos privilégios acumulados em muitos anos.
Rezam e esperam. Esperam que o papa de Francisco se resolva logo e que seja lembrado pelo excepcional talento comunicativo, pela formidável humanidade do pontífice argentino. E nada mais.
Cabe ao papa desapontar a todos. Aos primeiros e aos segundos. Pondo as mãos em reformas incisivas e duradouras para além do seu pontificado, que deixem a marca na Igreja do futuro. O tempo não é muito. Muitos esperam com confiança.
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Desapontar amigos e inimigos: o desafio e o dilema de Francisco. Artigo de Marco Marzano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU