30 Junho 2015
Primeiro petista de peso a criticar sem meias palavras os desvios éticos dos companheiros que se envolveram no mensalão, o ex-governador Olívio Dutra foi isolado pela cúpula do PT, mas é sempre um dos mais aplaudidos nos encontros da base. Na última semana, foi surpreendido pelas declarações do ex-presidente Lula de que a sigla só pensa em cargos. Era o que ele vinha dizendo, com outras palavras. Para Olívio, o PT entrou na vala comum da política tradicional. Ele e Lula já foram mais próximos. Chegaram a morar juntos em Brasília, à época da Constituinte. O gaúcho foi ministro das Cidades, mas perdeu o cargo para acomodar um aliado do PP. Aos 74 anos, não pensa em eleição, mas segue fazendo política. Só em julho, tem oito compromissos no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e em São Paulo. Na quarta-feira, o ex-governador falou a ZH.
A entrevista é de Rosane de Oliveira, publicada pelo jornal Zero Hora, 27-06-2015.
Eis a entrevista.
O senhor foi um dos primeiros a reconhecer erros no PT e até ganhou inimigos internos por avaliações semelhantes às que o ex-presidente Lula está fazendo agora. O PT acordou?
Primeiro, é bom que o Lula tenha dito o que disse. Em outras ocasiões, em círculos mais fechados, ele também disse ou sinalizou coisas. Não tenho podido conversar com a frequência que conversava antes com o Lula. No 5º Congresso do PT, em Salvador (entre 11 e 13 de junho), ao qual não fui porque não era delegado, Lula fez um discurso escrito, formal, contido. Agora, ele disse o que disse e é importante que tenha dito, fora de lá. E de forma enfática. Sinal de que, no congresso, as coisas não aconteceram como deveriam acontecer.
O PT aprendeu alguma coisa com as sucessivas crises que vem enfrentando?
Acho que o Partido dos Trabalhadores tem muito ainda a aprender na institucionalidade e fora dela, na relação com os movimentos sociais da cidade, do campo. Um partido como o PT, que não surgiu de cima para baixo, precisa recuperar seus valores. Fomos assumindo espaços cada vez maiores e o partido não fez uma reflexão permanente ou não acompanhou esse crescimento. O partido disputa eleições, mas não surgiu para ser uma máquina exclusivamente eleitoral. Tem de estar sempre se refazendo, se autocriticando para poder avançar e ir mudando a estrutura do Estado brasileiro, que é uma espécie de cidadela dos grandes interesses. O partido deixou isso de lado e entrou na vala comum da política tradicional.
Em que momento o PT começou a caminhar para essa vala comum?
Acho que depois das três ou quatro derrotas para a Presidência com o Lula candidato. Aí, se avaliou, com a Carta aos Brasileiros, que eu tive conhecimento depois de publicada...
O senhor não teria assinado a carta?
Não posso dizer isso taxativamente. O certo é que foi uma discussão em uma instância do partido, e mais ligada ao pragmatismo político, com a necessidade de composições. O Lula chegou a dizer: “Não quero mais continuar perdendo eleição”. Aí, ganhar a eleição passa a ser o objetivo principal. Para isso é preciso compor, e compor com quem? Quem constituiu maioria no Congresso desde o primeiro mandato do Lula? Não foi o centro-esquerda. Foi um centro que, no processo, foi se deslocando cada vez mais para a direita. A luta política, cultural, foi abandonada ou secundarizada. Isso não é só o PT. Os partidos do campo popular democrático deixaram de ser escolas políticas permanentes para ser máquinas eleitorais e, às vezes, disputar entre si quem é mais palatável para o centro-direita.
Qual foi o erro central?
Deixamos de enfatizar a importância das reformas estruturais. Executamos políticas importantes, de inclusão social, integramos mais de 40 milhões de pessoas em uma situação de maior dignidade. São políticas públicas que não mexem com a estrutura do Estado brasileiro nem sequer disputam culturalmente a ideia das elites de que a política é uma profissão para especialistas, para os mais sagazes, mais espertos. Fomos aceitando esse jogo e entrando nele até chegar no mensalão, que foi uma espécie de aprendizado de feitiçaria.
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“Não é correto achar que Lula vai salvar o PT" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU